sábado, 31 de janeiro de 2009

SÓCRATES SEM FREEPORT

O filósofo, o sol e a cicuta


Agora que o nome de Sócrates está na berra, ocorreu-me a figura do filósofo grego, a sua simplicidade, os seus ensinamentos através da incomparável maiêutica que Platão conseguiu transmitir tão bem às gerações vindouras, já que Sócrates não deixou nada escrito e preferia conversar com os seus alunos, socorrendo-se de exemplos e perguntas cujas conclusões eram por eles próprios tiradas. O professor limitava-se a sugerir e estimular pensamentos, a trazer para a discussão os elementos necessários à obtenção das respostas.

Sócrates deixou Escola, descrita em textos de fama imorredoura como os de Platão e Xenofonte, com registos, conceitos e descrições ainda hoje lidos ou citados com interesse, no mundo inteiro.

Infelizmente, o grande filósofo ateniense cometeu alguns erros perante a sociedade política de Atenas, atreveu-se a aconselhar algumas das suas ideias em discordância com as dos detentores do poder (o governo dos Trinta Tiranos), a quem fariam sombra, e acabou por ser condenado à morte por envenenamento com cicuta. Aceitou humildemente o veredicto, como uma libertação, pôs de lado uma ideia de fuga que lhe foi proposta, e acatou a execução da sentença que é contada por Platão, com todos os pormenores. O colectivo de juízes e políticos arrogantes que o privaram do sol e do ar livre onde gostava de ensinar, num pseudo tribunal popular, condenaram-se automaticamente, eles próprios, no tribunal da humanidade.

O envenenamento pela cicuta ficou célebre, desde então, não escapando também a algumas anedotas que se contavam entre os alunos, nos tempos em que ainda de ensinava História a sério, nos liceus. Citava-se, há largas dezenas de anos que um dia, numa aula, o professor perguntou a um aluno conhecido pela sua cabulice:

-Como morreu Sócrates?

E o colega da carteira de trás, que era o urso da turma e queria ajudar, soprou, baixinho:

-Envenenado pela cicuta!

Ora o cábula, tendo ouvido mal, respondeu ao professor:

-Atropelado por um recruta!

Nada mais verosímil nos dias de hoje, quando os recrutas todos têm carro e frequentemente guiam o veículo de forma acelerada e muito bem bebidos...

A morte por envenenamento, usando a cicuta, não era tão violenta como os processos hoje em voga, nem tão rápida. O condenado, por outro lado, ia desfrutando de todo o processo de arrefecimento progressivo do corpo, lentamente, conversando com os amigos mais próximos, ensinando sempre, descrevendo as próprias fases da ocorrência, até ao seu apagamento final. Assim o descreve Platão.

Mas a Grécia, terra de sol e oliveiras (símbolos do conhecimento e da paz), que inventou e desenvolveu um sistema democrático há dois mil e quinhentos anos, que foi a génese da filosofia ocidental e das maiores conquistas políticas da sociedade, haveria de cometer alguns erros como este, que ficaram igualmente na História, para todo o sempre.

Vale a pena passar alguns momentos a divagar sobre estes temas.

Sobre as notícias de Sócrates e do Freeport, banalidades que agora inundam a nossa imprensa, direi apenas como o grande filósofo ateniense: «só sei que nada sei».

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