domingo, 1 de fevereiro de 2009

JORNALISMO «ECONÓMICO»


Títulos brincalhões, de coisas sérias

Na Internet encontram-se notícias bem curiosas. Logo ao abrir o computador, hoje mesmo, dei de caras com um título, a letras gordas, que dizia assim:

Economia

Média: Los Angeles Times despede 300, 70 jornalistas

Como se tratava de uma questão de economia, e a matemática estaria supostamente envolvida, fiquei imediatamente a imaginar o significado daquele título esquisito. Verdade seja que outros muito mais bizarros aparecem diariamente, na net ou mesmo na imprensa escrita em papel mas, se fosse a averiguar todos, não me chegariam as vinte e quatro horas do dia.

Aqui, eram 300, 70 jornalistas que estavam em causa, apesar do afastamento da vírgula, e decidi investigar a que parte do corpo se referiam os 0,70, se da cintura para cima ou do tórax para baixo! Não me preocupei muito, contudo, pois já sei que agora é assim mesmo que muitas coisas se apresentam na imprensa, absurdas, na sua normalidade, isto é, se quiserem, de normalidade absurda. Normalmente absurdas ainda não, por enquanto, mas pouco falta. A net k o diga!

Abri a notícia, que provinha da Lusa, e vi a sua tradução correcta que dizia:

Los Angeles, Califórnia, 01 Fev (Lusa) - O diário Los Angeles Times anunciou no sábado que vai despedir 300 trabalhadores, dos quais 70 jornalistas, devido à diminuição de receitas publicitárias.

Estava esclarecido. Afinal, era uma coisa bem simples!

Como sou muito inteligente, o que acontece com a maioria dos portugueses, aliás, já tinha, num relance, suspeitado de uma jogada dessas! E provavelmente o senhor jornalista, que também faz parte do grupo, escreveu o título «económico»-matemático, contando, à partida, com essa perspicácia dos seus compatriotas. Pela minha parte, está, pois, perfeitamente desculpado. Não precisa penitenciar-se. Se, por acaso, ler a minha crónica, penas lhe peço que, da próxima vez, não seja tão apressado e consiga ser mais explícito. Mas tem desculpa.

A fúria que acomete os média, para dar as notícias em primeira-mão, traz por vezes consequências imprevisíveis, porque não existe tempo para conferir dados, investigar as fontes das notícias e a sua exactidão. O menor destes contratempos, que pode acontecer, é enviar ao público uma fofoca inofensiva ou uma descrição ridícula e sem interesse, que servirá para encher páginas ou divertir os leitores. Mas, noutras ocasiões, as resultantes podem ser gravosas.

O que me diverte, quando tenho disposição, é apreciar alguns títulos da imprensa diária e, quando tenho paciência ou desconfio de que algo não está bem, confrontá-los com o texto a que se referem. E aí começam os problemas, com a descoberta de que, muitas vezes, esses textos transmitem uma ideia completamente distorcida ou às avessas daquilo que os títulos fazem supor.

E, nesses casos, como interpretar o trabalho do jornalista responsável? Foi maldoso, mal intencionado, tendencioso, pouco isento, ou simplesmente distraído, apressado, ou menos culto do que devia ser? E por que não ter-se apenas enganado? À partida, suponho sempre que a sua honestidade e o profissionalismo estão acima de tudo.

Passando agora do título da notícia acima referida, à sua substância, fácil é concluir que teria sido bem fácil arranjar-lhe um cabeçalho mais adequado e sugestivo.

Mas, deixando estes pormenores, vale a pena atentar no que ela diz, por exemplo, logo nos parágrafos seguintes:

Com estes novos cortes, o número de elementos da equipa editorial passa a menos de 600 pessoas, contra 1.200 em 2001.

O jornal já tinha despedido 10 por cento dos seus jornalistas em Outubro e reduziu em Julho a sua paginação em 14 por cento para tentar compensar a perda de receitas.

Por aqui bem pode apreciar-se a profundidade da crise que está a atingir os Estados Unidos da América e deve deixar-nos a todos altamente preocupados, porque o bater das asas de uma borboleta, naquelas paragens, pode perfeitamente causar um ciclone no nosso cantinho, parafraseando alguém que percebe disto muito mais que eu. O pior é que, embora o número de falências e de desempregados venha aumentando, em Portugal, ainda há muita gente por aí que se entretém com as fofocas, a má-língua e a mesquinhez costumeira, esperando «numa boa» que chegue o D. Sebastião num dia de nevoeiro, apesar do infeliz ter partido há mais de quatrocentos anos, numa viagem sem regresso! Mas vamos lá convencê-los?!

Há dias, uma empresa jornalística bem conceituada no nosso país despediu, sem dar mais explicações do que aquelas que toda a gente adivinha, 20 funcionários, e ontem mesmo li que uma empresa de televisão tinha dispensado 50. Aqui está um dos pálidos reflexos da notícia que referi, que provavelmente passou despercebida à maioria dos portugueses e me serviu de aperitivo para este assunto bem digno da nossa reflexão.

Títulos brincalhões, de coisas sérias, não são adequados à época crítica em que vivemos.

Sem comentários: