terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

PAROLOS DA NOSSA PRAÇA


Afinal, não somos únicos…

Há dias, alguns diários da nossa aldeia lisboeta embandeiravam em arco com a notícia, em primeira página, de que o recentemente eleito Presidente dos Estados Unidos da América havia mandado ao Presidente da República Portuguesa uma carta enternecedora, terminando com os votos de uma colaboração estreita entre os dois países. Para eles, o país havia já saído do fosso, era o melhor do mundo e, a carta de Barack Obama demonstrava a linha certa que o PR seguia, na sua orientação de política externa! Portugal iria ser chamado a intervir, colaborando com os EEUU na resolução dos grandes problemas que afligem o mundo.
Fiquei desconfiado da notícia, e do sentido que os seus propagandistas apressados queriam dar-lhe. Pensei logo para comigo que estes parolos não deviam estar bons da cabeça!
Depois da transcrição da carta nos ecrãs da TV, mais convencido fiquei. E tinha razão.
Ao terceiro dia, veio a lume, na Internet, que uma carta idêntica tinha sido recebida pelo Primeiro-Ministro e pelo Presidente da Assembleia da República, e os parolos que haviam lançado a primeira notícia não tiveram outro remédio que dar a notícia dos outros dois envios, em letra muito pequenina, numa página de interior, para não fazerem figura de esperteza saloia.
Nos dias seguintes, logo alguns comentaristas mais perspicazes se atreveram a mandar alguns recados pelos jornais, porque pressentiram que uma carta idêntica, escrita para a circunstância por um qualquer secretário do subsecretário de Barack Obama, teria certamente sido enviada para muitos outros pequenos países, como a Libéria, a Islândia, Andorra ou a Guiné…
Conclusão: Somos um país de parolos que, sedentos de importância, embandeiramos em arco ao primeiro indício de sucesso que nos aparece, por mais pequeno que seja. Já deveríamos ter aprendido, com tantas bofetadas recebidas dos tais amigos de Peniche que por aí prosperam, mas não temos emenda. Ao menor vestígio de contacto que um canzarrão mostra, ao deitar a língua de fora, para passar pelo pêlo do cachorrinho, logo este se derrete e estremece de contentamento. O pior é que, ao pretender retribuir, o bicharoco arreganha a dentuça, e o pequenitates foge, a sete pés, com o rabinho entre as pernas!
A parolice chega ao ponto de, em qualquer entrevista a alguma personalidade internacional importante, no estrangeiro, o entrevistador português nunca esquecer as perguntas sacramentais:
-Já visitou Portugal? De que gostou mais?
Às vezes as respostas são educadas, para não ferir ninguém, mas outras são agressivas, directas, mesmo abrutadas e o desgraçado fica sem pinga de sangue, tendo que mudar de tema num ver se te avias.
Uma semana passada sobre o trivial episódio da carta do Presidente Obama, outra notícia do género foi logo trazida a público, para contentamento dos pacóvios que ainda não teriam aprendido a lição. Um cãozinho de água, de raça portuguesa pura, apurada para nosso orgulho, nos EE UU, vai nascer no Algarve lá para Abril, sendo enviado então ao Presidente Obama. Fora durante a campanha eleitoral que ele tinha mostrado interesse por um animalito desta raça, a um jornalista que o entrevistara para uma qualquer revista de fofoca lá do sítio…Os luso-americanos incharam de orgulho.
Agora, só faltará, em Abril, enviar o cãozinho numa embaixada especial ao Presidente, como aconteceu na Época dos Descobrimentos, com o cortejo de vaidades, ao Papa. Só que, agora, não temos dinheiro, nem para mandar cantar um cego!
E infelizmente, por cá, os ceguetas e os parolos são aos milhões…
Há uns três ou quatro anos, num passeio a Itália, fui levado, pela guia de viagem, à Piaza Navona, não tanto para apreciar a beleza ímpar da sua arquitectura, mas para apreciar o chocolate local, transformado em ícone de estimação para turistas. E não é que me lembrei logo dos Pastéis de Belém? Os turistas, arrebanhados da Torre de Belém, do Centro Calouste Gulbenkian, ou do Mosteiro de Santa Maria, vão dessedentar-se ali, experimentando os ditos, entre uma pitada de canela e uma bica bem tirada…
Fiquei contente porque, afinal, não éramos só nós, porque os parolos são todos iguais, por esse mundo fora.
Só que alguns deles, como diria J. Orwell se tivesse vindo a Portugal, são mais parolos que outros…

sábado, 21 de fevereiro de 2009

CARNAVAL À PORTA


Brincadeiras sérias

Com o Carnaval a chegar, já são muitas as brincadeiras de mau gosto que vão tendo lugar por aí. Menos mal que já quase acabaram as bombinhas de Carnaval ou de mau cheiro, nas ruas ou repartições, as bisnagas de água ou tinta, nas escolas, as batalhas de saquinhos de areia, batatas, castanhas, tomates e até pedras, nos cinemas e outras casas de espectáculos, e muitas outras brincadeiras que eram triviais no tempo da nossa juventude, mas já foram passadas à história. Agora, as brincadeiras de mau gosto que ocorrem no Carnaval serão fisicamente menos perigosas, mas moralmente são muito mais agressivas e menos inocentes.
Há dois dias, um cartaz com uma menina bem constituída, de calcinhas e soutien, foi mandado retirar por uma juíza moralista, provavelmente com medo que fosse ofender as criancinhas das escolas, no próximo desfile carnavalesco. O certo é que, nos tempos que correm, coisas dessas já não ofendem ninguém, muito menos num desfile onde certamente aparecerão carradas de meninas quase nuas, que já não incomodam os velhinhos de moral mais radical, e muito menos os actuais jovens que já são de ética mais permissiva. Meninas de calcinha e soutien, nos desfiles, são mato, nos desfiles que passam por esse país fora. Desfile sem este aperitivo, já nem presta!
No Carnaval do Rio, que costuma ser a origem e todas as novidades carnavalescas, até sem soutien, até sem calcinha…como aconteceu há anos com um presidente da república brasileira fotografado, quando assistia ao corso, a olhar para a bancada que lhe ficava atrás, onde a sua secretária, sem cuecas, mostrava mais do que devia. A foto teve honras de primeira página na imprensa carioca e o presidente foi mais tarde chamado à pedra, no Senado, por estar a apreciar o que era supostamente um objecto de estimação, mas de menor protecção, da sua secretária.
Enfim, brincadeiras sérias que só a falta de civismo e de educação podem permitir…
O Carnaval de Veneza, rico de máscaras primorosa e artisticamente concebidas, não permite estas rebaldarias. Mas entre nós, para que serviria um Carnaval como esse, de máscaras pagas a peso de ouro? Os nossos Berardos, Amorins, Belmiros, Coutinhos, Balsemões e outros do mesmo estilo, também não estão para aí virados e, nestes dias de folia, dão às de Vila Diogo ou resguardam-se nos seus castelos ou em refúgios privados. Os pobretanas não têm outra alternativa senão espanejar as suas mágoas nesses corsos triviais, dando largas a uma alegria verdadeira, controversa ou emprestada, efusiva e compartilhada, ao menos uma vez no ano…o que já não é nada mau.
Parece que, no citado caso do cartaz de Torres Vedras, dois dias depois da sentença, perante os protestos da população, uma ameaça de boicote ao desfile e o pedido do Presidente da Câmara, a juíza voltou atrás e determinou que, afinal, não se tinha passado nada! Já não era necessário retirar o cartaz da maga desnuda, neste caso apenas semidesnuda, para alegria dos jovens, o escândalo das velhinhas e o arregalar de olho dos velhotes decrépitos mas ainda atrevidos.
Estes problemas que se levantam nas festas carnavalescas não podem nem devem ser desvalorizados. Quando o actual Presidente da República, então Primeiro Ministro, resolveu, numa atitude que julgou ser patriótica em época de crise, acabar com o feriado do Carnaval, logo um coro de protestos, manifestações e ameaças de greve se fez ouvir, levando o governo a fazer marcha atrás. De qualquer forma, apesar da reviravolta, não estou a ver Cavaco Silva mascarado, num corso, rodeado de meninas atiradiças.
Já o mesmo não poderei dizer do nosso Alberto João que todos os anos festeja o Carnaval na Madeira, vestido ou despido da forma que lhe dá na real gana, dançando ou tocando pandeireta pelas ruas, escutando o bater de palmas dos assistentes ao desfile, nacionais ou turistas estrangeiros, e mandando indirectas aos jornalistas que se atrevem a pôr questões...
Com o Carnaval da Madeira não se brinca. E que temos nós a ver com isso?
Carnaval é Carnaval, mesmo em tempo de crise!
Há quem falte ao emprego ou faça greve, na quarta-feira, para recuperar…

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

CORRUPÇÃO, DENÚNCIAS E VEREDICTOS


Tristezas não pagam dívidas

A imagem que a imprensa diária passa aos leitores é que Portugal é um país de corruptos. Não admira que assim seja. A imprensa vive dos leitores, e apregoar coisas boas ou decentes não vende. Seria mesmo muito estranho se, num país que a imprensa rotula de corrupto, diariamente, o que é bom e decente ocupasse a maioria das suas páginas.
Mas não sei se foi a imprensa que sugestionou a população, ou foi esta que orientou a imprensa para os textos demolidores.
A verdade é que a maioria da população também diz o mesmo que a imprensa, desde que a liberdade de expressão se tornou lei, no nosso país, e até com mais acutilância. Basta viajar num autocarro, puxar pela língua a um condutor de táxi, a um lojista, a um comentarista de futebol, até a um funcionário público, para ouvir, não tarda nada, a expressão consagrada:
-São todos uns corruptos!
Ninguém escapa ao labéu, com a mínima excepção dos dialogantes e seus familiares. O certo é que também a expressão, com o uso frequente, e a maior parte das vezes injustificada ou fora de contexto, se tornou um lugar comum que quase podemos comparar ao conhecido filho da puta que as mães honestas, em certas zonas de fala tradicional mais livre, chamam tranquilamente aos próprios filhos.
E sendo assim, fazendo da corrupção um lugar comum a torto e a direito, com razão ou sem ela, o mais que a imprensa tem conseguido é entreter o público com as suas telenovelas, mas às quais ele dá uma importância sempre mais diminuta, à medida que lhe são apresentados mais folhetins. O Zé encolhe os ombros e sentencia de novo:
-Deixá-los lá! É tudo a mesma choldra! Que se amanhem e não chateiem!
Todos sabemos que não é assim, que os grandes corruptos não são a maioria da população, que as denúncias também nem sempre são feitas pelos melhores motivos, e que a justiça entre nós não vale grande coisa, nos casos mais badalados, num arrastar de processos e recursos sem fim. A colorida difusão dos segredos de justiça por uma imprensa que se alimenta de fontes fidedignas anónimas, completa o quadro.
Por essas e por outras, a população desvaloriza a corrupção que lhe apresentam. E também porque ela própria se habituou a uma certa corrupção existente em todas as profissões e em todas as classes, sem a qual não se faz nada, ou tudo tende para a estagnação, mesmo desde os tempos da «Outra Senhora»… Recordo que, nessa época, havia duas testemunhas sempre disponíveis à entrada dos cartórios, para atestar a identidade dos desconhecidos que iam reconhecer as assinaturas, a dois escudos e meio cada, e outras cenas mais indignas se passavam em numerosas repartições…
No país da cunha generalizada, novidades mais graves sucederam, nos tempos da democracia. E assim, nas autarquias, os presidentes e os vereadores, se fizeram obra, serão desculpados pela opinião pública e reeleitos, mesmo que hajam cometido irregularidades ou se tenham abotoado com algum. As gentes dizem apenas:
-Ao menos estes trabalharam e deixaram resultados! Valem mais que outros que só badalam e não fazem nada!
Acabo de ler um par de comentários interessantes sobre dois aspectos diversos em que a imprensa e a justiça andam às turras (ou às aranhas), sobre este mesmo tema geral que engloba a corrupção: a denúncia, feita veredicto final e o veredicto popular, suscitado pela publicação do segredo de justiça na praça pública.
O primeiro comentarista insurge-se contra «a vitória dos corruptos» denunciados pela imprensa, e por ela condenados, mas que não chegam a ser condenados pela justiça, nem penalizados pela opinião pública, na sua acção política. O segundo põe a nu o abuso, a falta de respeito e de civismo da imprensa pelo segredo de justiça, fazendo suspeitos e culpando-os ante a opinião pública, antes do veredicto judicial.
Ora, independentemente destas ou de outras opiniões, o Povo humilde também tem uma opinião própria sobre aquilo que se passa no País, embora os políticos, os letrados e os comentaristas a desvalorizem quase sempre, ou mesmo não lhe liguem nenhuma.
Há dias, por muito incrível que possa parecer, alguém me dizia que, para meter tudo isto na ordem, já nem o Salazar bastava. Talvez só o Marquês…
Ele acabaria de vez com a fofoca, com os corruptos, com os violadores ou abusadores do segredo de justiça, com as demoras dos processos, mas depois só teríamos a justiça da forca, para distracção.
Fiquei pensativo.
Mal por mal, é preferível aguentar uns quantos corruptos, tolerar a imprensa com a sua fofoca, o seu rol de desgraças, ou as suas denúncias de fontes anónimas, e a justiça com o seu formalismo ridículo, os seus atrasos e também alguns falhanços.
É triste os portugueses não conseguirem dar a volta ao texto.
Mas como tristezas não pagam dívidas e o Carnaval está aí…

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

CRIATIVIDADE SEM LIMITES


História com euros e mensagens

A criatividade portuguesa não tem limites e os antigos fenómenos do Entroncamento, ficam a perder de vista perante as novas tecnologias.
A PJ algarvia deteve três homens que trocavam notas de 20 euros falsas por outras de dez euros, verdadeiras.
Até aqui, o trivial. O falsificador terá sempre que trocar as notas falsificadas, directamente ou através de passadores, de contrário, de nada lhe serviria a falsificação.
Mas o caso não é como eu cheguei a pensar, quando comecei a ler a notícia, e a PJ descobriu um estratagema simplório e inimaginável em qualquer parte do mundo, menos Portugal. Envolve ciganos e telemóveis.
Alguém recebe uma mensagem, no seu telemóvel, com a seguinte proposta «tentadora»"Queres notas com pequenos defeitos mais baratas?"…De tão simplista e atractiva, estaria condenada ao sucesso, tal como a fraude do BPN, a da D. Branca ou a do vigésimo premiado. É só uma questão de escala.
Logo uns quantos marmanjos ficaram entusiasmados, repetiram a mensagem, de boca em boca ou via telemóvel por SMS, aos amigos de estimação e…seja o que Deus quiser. O lucro estaria garantido à partida, com uma margem de 50%, pois a troca seria de notas de 20, com defeito, por outras de 10, autênticas e sem mácula. Nos tempos que correm, era um achado, e o portuguesinho desenrascado, pacóvio e crédulo, vá de embarcar em negócio fácil, muito mais rentável que os PPR, para não falar já nos miseráveis certificados de aforro. E que mal poderia vir daí? Era tudo a ganhar, nada a perder!
Mas o BPN, a D. Branca e o vigésimo premiado tiveram também os seus pontos fracos. Não fora assim e seríamos todos comidos por uns quantos vivaços, quer da Alta, quer da Baixa Sociedade que, nestas trapaças, a choldra é a mesma! Neste caso, também como nos outros, um qualquer imprevisto estragou todo o negócio. Foi o caso de que um SMS foi parar a um agente da PJ que não esteve pelos ajustes.
Num ápice, foram detectados e presos três indivíduos de etnia cigana com a respectiva mala cheiinha de notas de 20 euros com defeito! Muito mais simples e rápido que o badalado caso do BPN. Tudo porque os ciganos ainda não receberam formação em Offshores!
Agora, depois de burro morto, cevada ao rabo! Descoberta a marosca, os comerciantes da Baixa de Faro começaram a passar as notas todas sob o feixe de ultravioletas, mesmo as que são entregues pelos fregueses mais sérios do lugar…Sempre é mais prático e fácil do que reclamar para a PGR, ou acusar de ineficácia o BP.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

BPN, O FOLHETIM INTERMINÁVEL


As dúvidas e as certezas

O Governo e o Presidente da República acharam por bem intervir rapidamente no BPN, impedindo a sua falência e tentando garantir a confiança dos cidadãos no sistema bancário português. A maioria dos partidos achou, na altura, que era provavelmente a decisão correcta. A semelhança desta situação com outras, passadas em países amigos e não só, mostra, pelo menos, que a intervenção não deve ter sido errada. Veremos.
Entretanto, com o passar dos dias e o extremar da politiquice corriqueira e balofa que inquina a nossa classe política, a evolução e divergência das opiniões partidárias foi aumentando, com acusações mútuas e suspeitas de má gestão por parte do governador do Banco de Portugal que deveria ter previsto a tempo, fiscalizado convenientemente, e evitado finalmente o que se passou no BPN. É como se a polícia fosse a culpada do roubo da fruta e o ladrão considerado inocente porque fez apenas o aproveitamento da oportunidade…
Deste modo, a averiguação que deveria ser levada a cabo por todos, aos verdadeiros culpados, nem sempre tem sido posta no lugar primeiro, como urgia, fazendo muitos cidadãos comuns pensar, instintivamente, que o verdadeiro cerne da questão estaria a ser posto de lado, por motivos inconfessáveis.
Tenho acompanhado desapaixonadamente o desenrolar do caso. Sem conhecimentos de política, de finanças ou de economia, tudo o que tem vindo a lume sobre este assunto parece-me algo estranho, desenquadrado da maneira de pensar do cidadão normal, para o qual só pode haver duas alternativas de explicação possíveis à actuação dos responsáveis pela evitada falência do banco: ou os administradores do BPN, todos ou apenas alguns, foram ignorantes e ineptos no seu trabalho, o que parece inverosímil, ou foram corruptos e coniventes. A aclaração destas premissas é fundamental e urgente e deveria ultrapassar em prioridade, tudo o demais.
De começo, a PGR pareceu intervir com rapidez, tornando arguido o principal administrador do BPN. Ficou todo o mundo à espera de que os restantes «compagnons de route» aparecessem mas, afinal, nada de novo aconteceu em vários meses, a não ser a fofoca lateral ao caso.
Também, nesse intervalo, a Assembleia da República, desejosa de intervir com o seu habitual enredo politiqueiro, tirou da cartola policial-judicial da questão, um aspecto económico-político, sem quaisquer resultados significativos, a não ser a alimentação diária da comunicação social com notícias acessórias e o aumento do descrédito da classe política perante a população. A simplicidade de uma questão de fraude ou roubo, posta nestes termos, longe de ficar simplificada, enreda-se extraordinariamente quando a política e a comunicação social se metem num assunto que deveria caber principalmente à Polícia e à Justiça, já de si lentas e complicadas…
Com tantos investigadores e comentadores em campo, é lícito perguntar em que ponto podemos situar, neste momento, as investigações em curso. Até agora, das audições de responsáveis do BPN, na Assembleia da República, só é possível retirar uma evidência: afirmam todos, como era de esperar, a sua inocência, fazem passar a mensagem de que ninguém é culpado, de que o presidente da instituição tinha uma gestão muito pessonal, de que todos tinham avisado com antecedência o BP, da fraude que estava a ser cometida. E portanto…
O único culpado é o Banco de Portugal, acusado de falta de zelo, de desleixo, de falta de clarividência, de falta de actuação atempada, na fiscalização e na tomada de medidas que se revelariam imprescindíveis.
Como o presidente do BP é do partido do governo, a tese é muito querida, não só pelos administradores do BPN já ouvidos, como pelos partidos da oposição.
Com uma cajadada se matam dois coelhos.
E assim, enquanto os políticos se divertem, lutando alegremente pelos seus interesses imediatos, a comunicação social enche folhas de papel com banalidades tornadas importantes, para assegurar a manutenção das vendas.
A Polícia investiga, investiga e pouco descobre, como é costume nestes difíceis casos de corrupção de colarinho branco.
A Justiça continuará lenta, calada e serena, até que Deus queira. Todos sabem, aliás, que o veredicto nunca será emitido antes de muitos recursos e muitos anos de árdua luta.
Entretanto, os cidadãos, já fartos da telenovela, encolhem os ombros, «ligam à terra» e continuam cientes de que o assunto terminará em aberto, passe a natural aberração, isto é, sem ficar completamente esclarecido, como vai sendo muito frequente neste país, em casos semelhantes. Infelizmente, só os inocentes poderão ainda ter dúvidas a esse respeito.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

CRIATIVIDADE PORTUGUESA


Anedotas de uma certa crise

A crise económica em que estamos a afundar-nos tem o seu lado caricato, paralelo à tristeza que invade tradicionalmente a população portuguesa, esteja ela em crise ou não. As anedotas que, mesmo assim, circulam por aí, são aos molhos e, segundo alguns, serviriam para desmentir que os portugueses são sempre macambúzios. A última, que vi publicada num interessante artigo do D.N., não consegui retê-la só para mim e resolvi transcrevê-la para gáudio daqueles poucos que tiverem coragem de ler estas linhas…se é que não a conhecem ou se divertiram já com ela, ao lerem o jornal. Não cobra direitos de autor.
A velhinha chega à peixaria e pergunta: "Tem jaquinzinhos?" Mal a peixeira disse "Temos sim, minha senhora", ela fez o pedido: "Então corte-me aí duas postinhas do meio!"
Mais difícil é classificar as anedotas que já ouvimos, pela sua graciosidade, a sua intenção e acutilância, etc. Mas seria uma tarefa espectacular e gratificante para quem se entretivesse a fazê-lo.
Também seria interessante catalogar os chistes que captamos todos os dias na TV, nos discursos, nas entrevistas, nas telenovelas, nos noticiários, etc. Pessoalmente não tenho jeito nem paciência para isso e, além do mais, cada vez vejo menos o pequeno ecrã. Pequeno, é como quem diz, que agora já não é assim tão insignificante, desde que os hipermercados de electrodomésticos introduziram a apetência das populações pelos panorâmicos. Difícil é não tomar o facto como uma anedota, nos tempos que correm.
Com crise ou sem crise, já não há por aí bicho careta que não tenha a sua TV digital. Poderá andar macambúzio, chamar nomes ao patrão que não deu aumento, ou ao governo que aumentou os impostos e a idade da reforma, mas não deixará que o vizinho do lado lhe passe à frente, em termos da nova tecnologia. Esta é, para mim a anedota do ano!
Mas há mais. Com as previsões do crescimento da crise que abundam na comunicação social, os hipermercados resolveram desfazer-se dos «monos» ou dos excessos de produtos armazenados, enquanto é tempo, colocando em saldos apetecíveis alguns artigos, pouco acima do seu preço de custo. Um dos mais propagandeados por aí foi o computador portátil, de tal forma que já destronou o computador tradicional do top de vendas. Também eu me entusiasmei a adquirir um portátil de grande capacidade, e com todas os acessórios imagináveis, a preço módico. Aqui, a anedota está em que os vendedores, bem à portuguesa, nem fazem ideia do que estão a vender.
O sistema operativo que a Microsoff aplicou nos aparelhos, a partir de fins de 2007, provoca interrogações e reclamações dos clientes que os encarregados das vendas não estão habilitados a satisfazer. Seria de toda a conveniência que aos funcionários tivessem sido ministrados cursos de formação sobre o W. Vista, para poder responder ou instruir os compradores, mas em Portugal, país do desenrascanço tradicional, é extremamente difícil implementar esse evidente sistema.
Foi assim que, igualmente habituado a ele, e depois de várias reclamações e inquirições aos funcionários de diversas firmas vendedoras do equipamento, tive que desenrascar-me sozinho, se assim o quis. Muitas outras dúvidas ainda aguardam que algum familiar ou eu próprio as resolva com paciência, que o desespero é mau conselheiro.
Outra anedota que corre por aí é o aparecimento da nova máquina de café Nexpresso, genial combinação das cápsulas da Nestlé e do anterior café expresso. As vendas continuam a subir, em Portugal, apesar da crise e do preço!
A última e triste anedota a que vou fazer referência, dentre as milhares possíveis, é a da grande criatividade da nossa gente, para ultrapassar a crise. Um velhinho trôpego, humilde, pobremente vestido, com perto de oitenta anos, adaptou imaginativamente um pequeno carrinho de bebé a carro de mão, arrasta-o pela frente de um ecoponto, onde pesquisa, com uma improvisada cana de pesca, alguns bens de consumo abandonados…
E enquanto olho do alto da minha janela, espantado, meio incrédulo ainda, procurando descortinar a produtividade do velhinho, um amola-tesouras, à antiga, com o equipamento adaptado à roda traseira de uma bicicleta meia podre, chama eventuais fregueses soprando numa flauta feita de cinco pedaços de canas de vários diâmetros, pela rua ladeada de arranha-céus de gente fina, onde os vestígios da crise ainda não chegaram.
E ainda dizem por aí que em Portugal não há criatividade...
O nosso país é uma anedota permanente!

BARCELOS E O SEU GALO


Pequena crónica irónica


Há alguns anos, resolvi dar um passeio a Barcelos, no tempo em que a cidade era muito mais pequena e muito menos populosa que hoje, mas sempre bonita. No entanto, o que mais agradavelmente me impressionou, nessa visita, foi a apresentação de alguns ranchos folclóricos minhotos, trajando e cantando à moda das suas freguesias de origem Era o tempo em que Pedro Homem de Melo comentava na TV essas danças regionais, com muito conhecimento, grande detalhe e até uma certa graça.

A pouco e pouco, o turismo começou a deixar de lado este tipo de programas pedagógicos que valorizavam o bairrismo e até o nacionalismo das populações ou das povoações da Província, de modo que, muitas delas nunca mais voltaram a ter representação condigna nos ecrãs da TV. De Barcelos, por exemplo, ficou a propaganda do Galo e pouco mais.

O certo é que actualmente, o Galo de Barcelos é mais conhecido que o bacalhau, à Gomes de Sá. Também não admira. Ainda não se havia descoberto o bacalhau em Portugal e já o galo se mostrava por aí, mesmo feito de barro e com pintinhas azuis e vermelhas. Como surgiu o carinho pelo Galo de Barcelos é outra conversa, coisa que pouco interessa à maioria dos nossos compatriotas.

De qualquer modo, tanta popularidade como esta do Galo de Barcelos, que já se tornou um ícone de referência de Portugal de Aquém e de Além-Mar -neste caso com a intervenção dos emigrantes da região -deixou-me intrigado e fui pesquisar a sua origem. Não foi nada difícil, como antigamente, quando era necessário recorrer a bibliotecas, a arquivos e a conservatórias, varrendo o pó dos papéis e arriscando-se a um ataque de asma. Agora, na época da Internet, senhora absoluta da publicação generalista dos segredos mais bem guardados, incluindo os da justiça, nada mais fácil que clicar no Google, inscrever Barcelos e, se não houver disposição para mais, ir ao site correspondente da Wikipedia.

Eureka!

Lá está a lenda do Galo de Barcelos, numa das suas versões mais conhecidas. Não sei quantas mais histórias haverá por aí, mas pouco interessa. Esta já dá pano para mangas, tão bem congeminada foi, como todas as lendas...

Segundo a Wikipedia, encontra-se no Museu Arqueológico de Barcelos o cruzeiro que a lenda diz ter sido oferecido como reconhecimento, por um galego de passagem pela cidade, peregrino de Santiago condenado por grave crime que não cometera e salvo da forca, apesar do nó já dado no pescoço e tudo, através do milagre de um galo morto e assado que cantou, dando testemunho da sua inocência, ante um juiz convencido do contrário pelas aparências e pelos boatos populares. Ainda hoje há julgamentos populares, mas milagres é que já não.

Enfim, galos desses que cantam a atestar a inocência dos indiciados de crime grave é que também já não há mais por aí. Valha a verdade que hoje não é acepipe nenhum comer galo assado no espeto, destronado que foi pelos frangos de aviário, mesmo em Barcelos. E também já não existe forca, a não ser no Iraque, utilizada para o famigerado Saddam Hussein. Teve galo, o ditador Iraquiano, mas não cantou em sua defesa! Seria pedir demais a um bicho desactualizado, sem o curso de formação adequado.

O Galo de Barcelos, com a popularidade que adquiriu, aquém e além fronteiras, deveria simplesmente ter direito a inscrição no Pavilhão Nacional. Tal não aconteceu em 1910, porque, na euforia da sucessão de acontecimentos da Proclamação da República, nem o Columbano Bordalo Pinheiro se lembrou de desenhá-lo na bandeira. Além do mais, Columbano tinha as suas afinidades com as Caldas da Rainha e não com a bonita e histórica cidade e Barcelos onde actualmente já soam apenas buzinas e são muito poucos os galos autênticos que cantam. Tarde piaste!

Para contrabalançar, estimulando o ego dos portugueses e as exportações tão necessárias, nesta época de crise, os oleiros do concelho inventaram um galo que assobia ou faz que canta como um pífaro, o que entretém por alguns minutos os miúdos de 5 anos, por essas feiras fora, enquanto não o deixam escacar-se no chão...

Barcelos merecia muito mais!


domingo, 15 de fevereiro de 2009

FOTOGRFIA, MARAVILHAS E MISÉRIAS


Efeitos da falência do papel

Desde que apareceram as máquinas digitais, a fotografia deixou de ser a mesma, com a redução drástica do suporte em papel, o arquivo fácil das fotos e o seu envio por e-mail instantâneo para todas as partes do mundo.
Também o tratamento da fotografia, nos computadores, veio facilitar o trabalho dos fotógrafos, permitindo-lhes obter efeitos e uma qualidade nunca vistas, sem grandes despesas ou perdas de tempo.
Por último, a queda de preço das máquinas fotográficas, quase paralela à sua sofisticação, automatismos e eficácia, culminando com o armazenamento simples e quase sem limite das fotografias obtidas num minúsculo cartão facílimo de descarregar num computador, ou de guardar no bolso, veio trazer a difusão da foto digital numa extensão nunca imaginada há bem poucos anos apenas.
Ora, como sempre acontece nestas circunstâncias, o comércio sofre alterações tremendas, no jogo tradicional dos preços, da oferta e da procura, na economia capitalista global com regras limitadas em que vivemos.
Os resultados desta proliferação espectacular dos equipamentos e das fotos digitais foi a redução drástica da fotografia tradicional, limitada ao indispensável de casos pontuais, condenada a desaparecer, na prática, dentro de muito pouco tempo. As empresas que se dedicavam a este tipo de negócio, que não se converteram a tempo a novas tecnologias, vão ter uma vida muito, muito difícil. Uma notícia de hoje refere que, neste momento, 45% das casas de fotografia ou artigos fotográficos, em Portugal, abriram falência ou estão em vias disso.
No que toca à fotografia, o que está a acontecer com a eficiência e a qualidade produtivas é uma autêntica revolução, com o desemprego brutal resultante daqueles que dependiam exclusivamente das transacções do respectivo sector
É o reverso da medalha da tecnologia que nos entusiasma e cumula de muitos benefícios e bem-estar, numa das faces, e de bastantes dificuldades na outra.
Neste caso, a perda de competitividade do papel é evidente.
Ainda não se trata da sua falência completa, nem pouco mais ou menos, mas apenas de um nicho muito importante da sua utilização. Entre outros, destaca-se o sistema do envio de correspondência ou de documentos rapidamente, de porta a porta sem transportador nem suporte, que já está a dar cabo do sistema de Correios tradicional. As tipografias, a imprensa convencional e os arquivos começam a sofrer fortemente os resultados da crise anunciada, e muitos outros sectores em que a utilização de papel era tradicional já entraram igualmente numa recessão de efeitos talvez irreversíveis.
O aumento imediato e galopante do desemprego assim resultante é o que provoca, para já, o desequilíbrio da balança da economia que traz problemas imediatos de resolução difícil.
Provavelmente só a diminuição prevista no abate das árvores poderá dar alguma alegria à Humanidade, mas a muito longo prazo, com os seus lentos efeitos benéficos sobre a natureza.
É
Mas, para já, esta é a fotografia inocente que poderemos ampliar facilmente nos ecrãs dos nossos computadores, sem necessidade de recorrer a fotógrafos, a reveladores ou artistas especializados, nem aos bons ofícios dos seculares fabricantes de papel fotográfico. E assim estaremos a contribuir, alegremente, para o seu desemprego.
Contradições permanentes deste nosso mundo de maravilhas e misérias…

OBAMA À PORTUGUESA


Mil maneiras de cozinhar bacalhau

Estou já sem vontade de rever os meus fracos conhecimentos da língua inglesa, depois das incidências da eleição de Obama e do seu slogan, repetido nos EUA até à exaustão. Também por cá os portugueses apanharam-lhe o jeito e não param de multiplicar diariamente as três palavras mágicas, de cada vez que abrem a boca. Como agora, com este frio, não é época de moscas, continua apenas frequente a saída de asneiras.
O aproveitamento oportunista, bem à portuguesa, como sempre, não se fez esperar, como se fosse uma nova edição das mil maneiras de cozinhar bacalhau.
Primeiro, foram escancaradas as parangonas da imprensa, depois as tiradas bloguistas da Internet e a seguir os mails a aproveitar a conjugação do verbo to can, para enviar aos amigos e aos inimigos a frase com a dita conjugação, na pessoa certa, quase sempre acompanhada de desenhos, caricaturas, anedotas e outras ridicularias em que a nossa imaginação é fértil, muito mais que na produção de bens de riqueza, seja para consumo, seja para a famigerada exportação…
Logo depois, foram os políticos, os comentaristas, os populares a agarrar o poderoso verbo para reforçar as suas tiradas, directas ou indirectas, o que mais há por aí.
Mas de que estaria eu à espera?
Como poderia ter esquecido, ainda que por momentos, o velhíssimo ditado popular, sempre actual, referindo acertadamente que, quando mija um português, mijam logo dois ou três? De qualquer forma, nunca havia pensado que ele podia ser posto em evidência tantas vezes, num curto espaço de tempo.
É demais, mesmo tendo em conta a nossa tremenda falta de imaginação…
E na própria Assembleia da República!
Pois ontem, qual cereja em cima do bolo, até Sua excelência o Senhor Presidente da República tirou a célebre frase da candidatura de Obama dos resquícios da sua memória, para adaptá-la aos jovens que esperavam dele algumas palavras de encómio: yess, you can!
Já tinha ouvido a frase e os seus sucedâneos não sei quantas vezes, e esta foi a gota de água. Invadiu-me um tédio avassalador, recostei-me um pouco mais no sofá, fechei os olhos para não ver mais do mesmo e passei pelas brasas, mesmo sem ter tido necessidade de conjugar yess, I can…
Quando regressei ao convívio dos meus netos, verifiquei que ainda estavam entretidos a rabiscar qualquer coisa do que tinham aprendido na última aula de inglês. Um deles atirou-me logo uma pergunta que me reposicionou instantaneamente no ponto onde, por momentos, deixara de ver o ecrã:
-Avô, que queria dizer o Presidente àqueles rapazes, que eu não percebi?
Regressado definitivamente ao mundo em que vivemos, enchi-me da pouca paciência que me resta, expliquei o que sabia e aproveitei para ensinar-lhes a conjugação completa, fazendo uso dos respectivos pronomes pessoais: I, you, he, she, it, they can…
Assim, acerto sempre em todos, sem perigo de esquecer alguém.
Já estou enjoado!

sábado, 14 de fevereiro de 2009

CRISE SEM MANOBRAS NEM DESESPERO


A importância dos media


Ontem à noite, de pura casualidade, sintonizei uma estação de TV de pouca audiência e deliciei-me a ver e ouvir um Senhor Economista, com letra grande, na sua deambulação pela crise que nos preocupa a todos, com a calma, a sapiência, a tolerância e a humildade que são apanágio dos sábios. Fiquei encantado. Mais ainda, fiquei surpreendido com os condutores da entrevista, a quem me apeteceu enviar os parabéns. Coisa rara de apreciar nos nossos ecrãs, os entrevistadores encaixaram as respostas e as dissertações do sábio, não lhe cortaram a palavra abrupta, abusiva e sobranceiramente, como vai sendo hábito dos importantes jornalistas entrevistadores da nossa Comunicação Social. Das poucas vezes em que tentaram centrar a atenção na crítica política, tiveram a humildade de acatar a posição independente, eminentemente pedagógica e técnica do entrevistado que, muito correctamente, se afastou da querela e da fofoca tradicionais.
Nem sei quanto tempo durou a entrevista, tão absorto estive a apreciar a dissertação. E, uma vez terminada, fiquei a pensar nas trapalhadas que vemos, lemos e ouvimos todos os dias, onde a auto suficiência e a prosápia de apresentadores e convidados tantas vezes aliadas às jogadas politiqueiras indirectas, fazem sobressair a maior ou menor ignorância sobre os temas e, sobretudo, a desastrada maneira de estar em público.
Pena que entrevistas do tipo desta não tenham lugar nos canais de maior audiência e fiquem condenadas a uma muito limitada classe de cidadãos.
A crise financeira e económica assola o mundo inteiro e a nós, pequeninos, só nos resta aguentar, resistir na medida das nossas possibilidades, trabalhando e procurando vencer as grandes limitações que os grandes nos impõem. Não nos resta muita margem de manobra, eu diria mesmo que, depois de ouvir o sábio, fiquei ciente de que a margem de manobra da nossa administração é muito pequena e exige de todos os cidadãos, a começar pelos governantes e pelos donos e activistas dos partidos políticos, a maior concertação possível de esforços.
Com estudo sério, acção perseverante, sem manobras de bastidores, sem entrar em nenhum desespero irresponsável e redutor.
Mas aos média compete um papel importantíssimo, o de passar a mensagem certa ao cidadão comum, acompanhada da respectiva acção pedagógica, isenta e honesta, fazendo o esforço que lhe compete para se afastar da demagogia tentadora e justicialista à qual, por vezes, no seu exagero absurdo, nem a própria justiça escapa.
O país não pode ficar refém de querelas estéreis, alimentadas até à exaustão por uma imprensa que, escudando-se na liberdade democrática, mas exercendo-a de forma irresponsável, vai ajudando a minar os alicerces da própria democracia.
Também muito mais importante que andar à procura de culpados para todos os males de que a nossa economia padece, disse o sábio entrevistado, é congregar esforços para tentar resolver os problemas, começando pelos mais urgentes, que já são muitos e muito difíceis. E neste capítulo, na minha enorme ignorância, sinto-me em perfeita sintonia com ele, porque só assim, aliás, conseguiremos chegar a bom porto.
Hoc opus hic labor est!

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

TRIBUNAIS SEM TEMPO


O caso da fruta

Já nem me lembrava do caso da fruta!
Quando li, hoje, o título da notícia, fui ler e descobri logo que se tratava de um caso antigo, badalado até à exaustão, na Comunicação Social e nos «mentideros» desportivos do futebol. Dizia respeito a um célebre desafio entre o F. C. Porto e o Estrela da Amadora, na longínqua época de 2003-2004.
Pinto da Costa, que ganhava os campeonatos há um ror de anos, tinha sido posto em causa pelo Benfica, arrastando uma boa fatia da Comunicação Social, com a alegação de que «comprava» as arbitragens. O resultado da partida fora posto sob suspeição.
O caso foi parar ao tribunal, sendo a testemunha essencial de acusação Carolina Salgado autora, por interposta escritora, de um livro divulgado até na Internet, onde se denunciavam escandalosas actuações do ex-marido e presidente do clube nortenho.
O processo arrastou-se na Justiça até que um Tribunal decidiu pura e simplesmente arquivá-lo por falta de provas.
Mas o caso não ficou por aqui.
A insistência do Benfica e da Comunicação Social conseguiram comover o Ministério Público que nomeou uma procuradora de renome para reabrir o processo e outros. Agora é que ia valer! O «Pintinho» estava tramado!
Passados mais dois anos de burocracia justicialista, sem fogo à vista, novo coelho saiu ontem da cartola: O Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso interposto pela equipa liderada por Maria José Morgado, que contestava o arquivamento do processo contra Pinto da Costa e o FC Porto, relativo ao jogo FC Porto-Estrela da Amadora de 2003/2004.
O Pinto canta de poleiro, para desgraça do Benfica.
Ora o portuguesinho tranquilo e trabalhador que olha para tudo isto como se fosse uma série de diversões futebolístico-jurídicas, que haverá de pensar mais?
Que a nossa justiça é mais lenta de que um caracol, demorando cinco anos a decidir que não havia crime nenhum?
Que, sendo assim, o Benfica e a Comunicação Social andaram vários anos entretidos e contentes a tentar culpar um adversário desportivo, sem resultado?
Que o Ministério Público e os Tribunais não deverão ter assuntos mais importantes que estes, para ocupar o seu precioso tempo a investigar e julgar o caso da fruta que não valia um caracol?
Quem disse que, em Portugal, há Tribunais sem tempo?
Sabemos que não é bem assim.
De qualquer forma, é uma tristeza constatar como a Justiça perde tempo, em Portugal. Ou talvez não, conforme a perspectiva.Mas por que não se cria um verdadeiro Tribunal do Desporto, onde caberiam todas as frutas das diferentes épocas, os apitos dourados, de prata ou de lata que pululam por aí, e tantas outras aberrações desportivas que só servem para entupir os normais Tribunais Civis

EXPORTAÇÕES NA BERLINDA



As guerrilhas e os recados da praxe

Provavelmente estarei errado mas, para mim, a Economia tem aspectos que reflectem uma confusão e uma ambiguidade terríveis, em face das crises económico-financeiras como aquela que atravessamos. É interessante, embora não tenha graça nenhuma, observar como os economistas, especialmente se são políticos, esgrimem soluções, mandando estocadas uns aos outros, apregoando a infalibilidade das suas receitas. No fundo, as populações estão cientes de que andam às aranhas.
Não está aí o mal. O mal dos economistas, julgo, está na sua falta de humildade, em não procurar em conjunto as soluções porque, muito provavelmente, a verdadeira solução de uma crise global multifacetada está na aplicação de múltiplas medidas, de acordo com as circunstâncias e as possibilidades de cada doente. Deveriam ter a coragem suficiente para fazê-lo e deixar as opções políticas preferidas para outros personagens ou para ocasião menos crítica. Podiam até indicar uma solução estudada e concertada, aos responsáveis governamentais que certamente muito agradeceriam.
Provavelmente estarei a confundir a Economia-Ciência com a Economia-Corriqueira, mas isso pouco importa, neste momento.
A verdade é que, em Portugal, a guerra politiqueiro-economéstica e jornalística vai atingindo níveis de demência caricata difíceis de suportar, para quem vê televisão ou lê a imprensa diária. O caso é que a grande maioria da população presta já pouca atenção a essa guerra, mais preocupada que anda com o emprego e o custo de vida, pouco se importando se um sábio, ou simples oportunista, elege o investimento como receita prioritária, outro prefere as exportações, um terceiro, a ajuda das pequenas empresas, um quarto a descida de impostos, um quinto a subida dos mesmos, etc. Cada cabeça, sua sentença.
O Povo sabe, instintivamente, que todos têm razão e nenhum a tem. Ele interioriza, sabiamente que, quando a manta é curta, a cabeça ou os pés ficam de fora, ou o corpo todo, se não há cautela. A guerra entre governo e oposições é paradigmática desta situação ridícula onde o correcto seria que todos trabalhassem para o mesmo e se pusessem de acordo, porque o problema é grave e não se compadece com brincadeiras partidárias interesseiras, mesmo que sejam mascaradas de coisas sérias. Cada qual bate com os punhos na mesa o mais que pode, e assim só contribuem para o afundamento do país.
Agora são as exportações que estão na berlinda
Tal como os outros, para não ficar de fora, também o PR lança ao ar a sua moeda, a ver se sai cara ou coroa, apostando na necessidade de fomentar a exportação como única solução para sair da crise! É evidente.
Mas não é evidente que seja a única! Neste ponto, mesmo sem perceber nada de economia, posso não estar de acordo. E também ele não precisa que eu esteja…
Mas a propósito, lembrei-me logo, entre várias outras empresas, da Qimonda de Vila do Conde, falida, da PSG de Mangualde, quase fechada, da Auto Europa de Palmela em redução perigosa de produção, das falências ou dificuldades dos têxteis, do calçado, dos moldes, dos hotéis de charme e dos campos de golfe, com problemas em trazer turistas e da Casa do Douro em vender o vinho do Porto aos ingleses; por último, da Corticeira Amorim a despedir pessoal, por não conseguir comprador estrangeiro para as rolhas…
Sei que estou a ser pouco rigoroso e talvez injusto, mas já foi tempo em que exportávamos analfabetos e mão-de-obra barata, sendo que alguns ainda enviam remessas avultadas, mas os nossos actuais concorrentes dos países de Leste são engenheiros e médicos.
Também sei, e todos os portugueses sabem, que não se fabricam exportações por decreto, e que, nestas ocasiões, poucos querem comprar o que não seja imprescindível…
Todos sabem que há que ajudar a investigação e a inovação, incentivar e apoiar a gente jovem e todos aqueles que queiram fazer algo de novo e de bom que possa ser útil para o país e exportável.
Todos sabem que não é de um momento para o outro que se conseguirão frutos de exportação, sobretudo de árvores que já deveriam ter sido plantadas há muitos anos.
Enfim, todos sabem que o PR até pode ter razão, mas podia ter-se explicado melhor.
Todos sabem que a crise não é só de agora, mas é agora que se torna urgente a tomada de medidas concretas para solucioná-la.
Todos sabem que ela não se compadece com recados ou ideias vagas para a plateia, discussões com troca de piropos estéreis nas bancadas, ou aproveitamentos da comunicação, como se tudo isto não passasse de uma festa em que uns deitam os foguetes, outros acendem as mechas e os últimos apanham as canas…
O Povo aguarda, impaciente e sofredor, o fim do espectáculo e a solução que tarda. O tempo deve ser de consensos e não de guerrilhas institucionais, por mais bem intencionadas que queiram fazer-nos crer.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

JUSTIÇA NO PONTO DE MIRA


Escrutínio não consensual

A abertura do Ministério Público à Comunicação Social tem sido saudada nos mais variados órgãos de imprensa. Nem outra coisa seria de esperar.
Também algum público estará de acordo, porque a Justiça não deve continuar a processar-se como se ela se fosse uma corporação secreta, fechada aos cidadãos, na maior parte das vezes incompreensível para eles, nos seus meandros, protecções e até nalguns acórdãos.
Mas, como não há bela sem senão, essa abertura trouxe já problemas à própria Justiça, o menor dos quais não será a forma de apresentar algumas das suas dificuldades internas ao público e a consequente discussão no areópago popular, onde nem sempre as razões e as situações são convenientemente expostas e compreendidas.
Daqui resultará, muito provavelmente que o fim previsível do endeusamento da Justiça que teve lugar entre nós quase desde a fundação, irá dar lugar a uma Justiça menos indiscutível, isto é, sempre mais discutível ao longo da investigação, dos processos e, possivelmente portanto, muito mais discutida nos acórdãos emitidos, o que exigirá de todos os magistrados, desde a investigação até ao fim, uma postura irrepreensível. O escrutínio público estará sempre alerta a todos os erros ou meandros de processamento e à menor falha do resultado final.
As consequências desta exposição não são ainda previsíveis.
Mas o que está a ser posto a nu, no caso Freeport, no que ao Ministério Público se refere (e à Justiça em geral), dando conhecimento das discussões internas, das deficiências de percurso, da ineficácia e, sobretudo da falta de acordo dos diversos agentes, com inquéritos internos incluídos, traz à opinião pública, apanhada desprevenida, algo de que já suspeitava: que a Justiça, em Portugal, cada vez mais vai deixando de ser eficaz, cada vez mais vai ficando enredada na sua própria teia burocrática.
Pior um pouco, parece que está e vai ficando cada vez mais na mira, ou sob investigação de uma certa Comunicação Social, ou ainda a reboque dos acontecimentos por ela investigados, noticiados, comentados e até justiçados…
Parece ainda, à opinião pública, como um gigantesco contra senso, que a Justiça sabe dos próprios segredos que lhe dizem respeito através da imprensa. E chegou-se ao cúmulo de noticiar que o SIS fazia escutas ao próprio Ministério Público…
Ora, se o fechamento da Justiça já não se coaduna com os tempos actuais, a publicação pura e simples dos seus problemas e das suas dificuldades internas transmite uma sensação bem desagradável às populações que julgavam a Justiça imune a questões como as que têm vindo a lume. O Povo, a Justiça da Praça Pública, passa facilmente do oito, ao oitenta.
O Procurador-Geral do MP é uma pessoa inteligente, sabedora e actual, mas o trabalho para resolver os problemas do Ministério Público, é gigantesco.

JUSTIÇA NO PONTO DE MIRA


Escrutínio não consensual

A abertura do Ministério Público à Comunicação Social tem sido saudada nos mais variados órgãos de imprensa. Nem outra coisa seria de esperar.
Também algum público estará de acordo, porque a Justiça não deve continuar a processar-se como se ela se fosse uma corporação secreta, fechada aos cidadãos, na maior parte das vezes incompreensível para eles, nos seus meandros, protecções e até nalguns acórdãos.
Mas, como não há bela sem senão, essa abertura trouxe já problemas à própria Justiça, o menor dos quais não será a forma de apresentar algumas das suas dificuldades internas ao público e a consequente discussão no areópago popular, onde nem sempre as razões e as situações são convenientemente expostas e compreendidas.
Daqui resultará, muito provavelmente que o fim previsível do endeusamento da Justiça que teve lugar entre nós quase desde a fundação, irá dar lugar a uma Justiça menos indiscutível, isto é, sempre mais discutível ao longo da investigação, dos processos e, possivelmente portanto, muito mais discutida nos acórdãos emitidos, o que exigirá de todos os magistrados, desde a investigação até ao fim, uma postura irrepreensível. O escrutínio público estará sempre alerta a todos os erros ou meandros de processamento e à menor falha do resultado final.
As consequências desta exposição não são ainda previsíveis.
Mas o que está a ser posto a nu, no caso Freeport, no que ao Ministério Público se refere (e à Justiça em geral), dando conhecimento das discussões internas, das deficiências de percurso, da ineficácia e, sobretudo da falta de acordo dos diversos agentes, com inquéritos internos incluídos, traz à opinião pública, apanhada desprevenida, algo de que já suspeitava: que a Justiça, em Portugal, cada vez mais vai deixando de ser eficaz, cada vez mais vai ficando enredada na sua própria teia burocrática.
Pior um pouco, parece que está e vai ficando cada vez mais na mira, ou sob investigação de uma certa Comunicação Social, ou ainda a reboque dos acontecimentos por ela investigados, noticiados, comentados e até justiçados…
Parece ainda, à opinião pública, como um gigantesco contra senso, que a Justiça sabe dos próprios segredos que lhe dizem respeito através da imprensa. E chegou-se ao cúmulo de noticiar que o SIS fazia escutas ao próprio Ministério Público…
Ora, se o fechamento da Justiça já não se coaduna com os tempos actuais, a publicação pura e simples dos seus problemas e das suas dificuldades internas transmite uma sensação bem desagradável às populações que julgavam a Justiça imune a questões como as que têm vindo a lume. O Povo, a Justiça da Praça Pública, passa facilmente do oito, ao oitenta.
O Procurador-Geral do MP é uma pessoa inteligente, sabedora e actual, mas o trabalho para resolver os problemas do Ministério Público, é gigantesco.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

FRASE INCONFUNDÍVEL


Interpretação folclórica

O prémio da frase do dia de ontem pode ser atribuída ao dirigente de um certo partido político, tão inteligente quanto oportunista no aproveitamento das situações que a política lhe apresenta, sempre com a ideia de capitalizar, longe vá o agoiro, as deixas que os adversários partidários lhe facilitam.
Assim, no congresso do partido, fazendo gala do seu espírito impertigado, inconfundível, resolveu dar algumas estocadas aos adversários das direitas capitalistas, tentando demonstrar ao areópago, por uma simples parábola, a justeza do seu raciocínio político. A frase que saiu, na TV, foi a seguinte:
"Alguém já viu o capital a produzir? Imaginem dois coelhos numa cova, de certeza que vão sair coelhinhos, mas, se pusermos duas notas de 100 euros, imaginam que vão sair notas de vinte?»
Um sorriso amarelo aflorou às faces dos acólitos empedernidos, embevecidos perante tão sintetizadoras palavras.
Uma frase inconfundível, como esta, não lembraria a ninguém, senão ao chefe! Soaram algumas palmas.
Comparar desta maneira a capacidade reprodutora dos coelhos e a capacidade produtiva do dinheiro, não lembraria ao diabo! Mas segundo ele, ficou definitivamente provado que o capitalismo é a maior lacra social de todos os tempos porque, meter notas de cem euros numa cova não conduz a nenhuma multiplicação, mesmo em notas de vinte, ao contrário do que acontece com a reprodução dos coelhinhos…
Mas não estou assim tão certo, apesar desta afirmação tão perentória. Para sacar petróleo é preciso cavar bem fundo. E os coelhos reprodutores também não aparecem por geração espontânea.
Enfim, para certos especialistas da palavra, há sempre uma frase adequada à interpretação mais folclórica que possa ser imaginada. E ao seu contrário, conforme a conveniência.
Ele há cada uma!

CHINESES NA NOVA CHINA


Portugueses em Angola


O tempo dos chineses a vender gravatas na rua, por 20 escudos, já desapareceu há muito. Eram poucos, numa época em que o único restaurante de comida chinesa de Lisboa, e provavelmente do País, era o fino e caro Restaurante Macau, na Barata Salgueiro. Só muito mais tarde apareceu o Peiping, na Duque de Loulé, e a seguir mais dois ou três... Em 1979, quando Portugal estabeleceu relações diplomáticas com a República Popular da China, "havia apenas algumas centenas de chineses no país, praticamente todos com passaporte de Taiwan". Deveriam ser esses, os tais das gravatas que circulavam na rua do Ouro, com o cordão de cabides ao pescoço, em Lisboa, ou na Praça do Comércio e ruelas de pequenas lojas, da Baixa de Coimbra. É mais que certo que também no Porto havia chineses a vender gravatas, mas não me foi dado comprovar, na altura.
Segundo os últimos dados oficiais, vivem em Portugal, actualmente, cerca de 20.000 chineses, à custa de 300 restaurantes, 500 armazéns, e 5.000 lojas. Estão a construir aqui a sua Nova China, à nossa pequena dimensão.
O seu negócio conseguiu, em pouco tempo, eliminar as famosas Lojas de 300. E as lojecas dos chineses que haviam começado com pequenas bugigangas, utilidades baratas e brinquedos, aumentaram de tamanho, apresentam já aos clientes os artigos mais diversos, fazendo uma concorrência tremenda aos lojistas tradicionais, não só pelos preços que praticam, mas também pelos extraordinários horários de abertura ao público.
A apreciação que os compradores fazem dos artigos chineses postos à venda foi melhorando, a pouco e pouco, à medida que se foram dando conta de que a China de hoje já não é a de há cinquenta anos atrás, que possui indústria e tecnologia de ponta invejáveis e se tornou no principal interlocutor comercial do Ocidente, fabricando tudo o que é possível imaginar, para as maiores multinacionais do mundo.
Se percorrermos as prateleiras dos supermercados e de muitas outras lojas, as de electrodomésticos, fotografia e informática incluídas, facilmente verificamos que uma percentagem elevadíssima de artigos é «made in China».
Há dias, pude constatar, porém, que alguns hipermercados também já estão a concorrer com as lojas dos chineses. Para além do seu horário alargado relativamente às lojas normais, apresentam algumas zonas com múltiplos produtos de utilidades correntes, a um, dois, três euros, todos de origem chinesa, importados directamente da China, como fazem os respectivos armazéns chineses de distribuição. A concorrência obriga.
Mas o fim da era das vacas gordas, que já é latente, também parece estar a trazer consequências para os chineses. A crise económica é mundial e a economia da China também sofrerá os efeitos da lenta mas progressiva ocidentalização do seu tradicional estilo de vida.
O bilião de bons compradores ocidentais dos seus próprios produtos fabricados na China, retrae-se nas compras, as exportações chinesas sofrem já esse impacto negativo e o crescimento do famoso PIB chinês está em queda vertiginosa, originando-se, deste modo o ciclo da desgraça, consubstanciado na velha história da pescadinha de rabo na boca…
Não sei, dadas as circunstâncias, se o número de chineses em Portugal vai continuar a subir ou não. Mas uma coisa é certa, o número de portugueses a emigrar para Angola tem vindo a crescer, de forma que já são cerca de 80.000, nos dias de hoje, os residentes naquele grande e promissor país.
As dificuldades são muitas, mas há gente que não tem nada a perder e as oportunidades, num país onde quase tudo está por fazer, também são grandes, para quem souber aproveitá-las.
Uma interessante reportagem que acabei de ler há pouco, citava o caso de Ana, uma desempregada em Portugal, de 49 anos de idade e desesperada. Ela nem acreditava que tinha encontrado emprego por anúncio, com tanta facilidade. Comentava simplesmente:
"Eu nem que tenha que ir semear couves e batatas, prefiro ir para Angola do que ficar por cá. Sempre vou para um país mais quente...»
Mas a vida em Angola não será tão fácil como imagina. Os seus principais adversários, na concorrência, vão ser, nas mais diversas áreas, os brasileiros e os chineses!

domingo, 8 de fevereiro de 2009

CHOQUE DE GERAÇÕES


A ditadura dos computadores

Surgiram, há poucos meses, as primeiras notícias sobre a intenção governamental de aplicar «chips» de identificação nas matrículas dos automóveis. Parecia uma boa medida, dada a possibilidade de caçar os que fogem ao pagamento de seguro obrigatório, os que não cumprem as regras básicas de condução nem pagam as portagens, os assaltantes tipo carjacking agora na moda, os fugitivos à justiça, etc., etc. Mas, como não há bela sem senão, logo apareceram os Velhos do Restelo, alertando para os perigos de eventual cerceamento das liberdades individuais e outras coisas…motivo pelo qual só agora, no início de Março próximo, vai ser posta em prática. Poderia ter sido ser pior, dada a nossa tradicional pecha para discussão estéril.
Devo dizer que, pessoalmente, não me preocupa nada trazer um chip na matrícula do carro, porque não estou a ver-me a cometer nenhum crime ou assalto, a não pagar ao fisco ou as portagens, a circular sem seguro obrigatório, a exigir busca da polícia, ou andar fugido à justiça. E tenciono aderir à promoção gratuita que já veio anunciada, para os que aderirem logo primeiros meses, até porque, em caso de roubo da viatura ou da matrícula, o chip ajudará a polícia a encontrá-la e aos larápios. Quem não estiver de acordo, que se amanhe como quiser.
Não há dúvida é de que o tão badalado, criticado, ridicularizado, famigerado choque tecnológico veio facilitar muito a vida à grande maioria dos cidadãos.
Se não existissem os computadores, melhor, se os cidadãos não os utilizassem, ou melhor, se não tivessem sido igualmente empurrados para isso, muitos benefícios de que usufruímos actualmente tinham-nos passado ao lado, de forma totalmente despercebida. Durante alguns anos, assim aconteceu, foi tempo perdido para nossa desgraça. Os portugueses olhavam para os computadores como boi para palácio, desvalorizando a sua utilidade, acreditando que aquilo era febre passageira, coisa de ricos, brincalhões ou gente que não tinha mais nada que fazer.
Interessante foi também a atitude de muitas pessoas cultas e responsáveis, mas conservadoras e até retrógradas, face às novas tecnologias que iam surgindo na imprensa, pensavam e teimavam, apenas para distracção e diletantismo. Lembro-me de, ainda há muito pouco tempo, ter ouvido na TV o desabafo de um digníssimo juiz conselheiro desvalorizando a utilização do computador pessoal, para o benefício do qual já não estava virado, na idade de 54 anos…Isso era para uso de gente jovem. Não julgo que estivesse a pensar que «burro velho não aprende letras»...
O certo é que, a pouco e pouco, especialmente de há meia dúzia de anos a esta parte, a utilização dos computadores foi criando raízes na sociedade portuguesa e, por via de alguma pressão administrativa, as repartições e as escolas foram entrando na era progressista dos nossos dias.
A evolução foi mais significativa ainda nos aparelhos.
Os monstruosos monitores de há poucos anos deram lugar aos finos ecrãs LCD e os grandes e pesados blocos foram paulatinamente ultrapassados pelos portáteis, a que já se substituem agora, em muitas situações, os pequenos «notebooks». Prevê-se, sem perigo de errar que, na próxima geração, ou muito antes, quem não souber manejar um destes aparelhos não conseguirá arranjar emprego, possivelmente não conseguirá mesmo sobreviver, neste mundo quase inteiramente computarizado. O computador é rei absoluto no Ensino, nas Ciências e na Investigação, na Indústria, no Comércio, nos diferentes Serviços, Públicos ou Privados, nas Forças Armadas e até na Agricultura.
Que haverá ainda, no nosso mundo eminentemente tecnológico e comodista que não sofra a influência directa ou indirecta do computador, cada vez mais miniaturizado?
Quem conseguirá ainda, nos nossos dias, ter força para resistir-lhe?
Imaginar o mundo sem comutadores, já é impossível. Mais fácil já é fantasiar sobre robots, viagens interplanetárias e, paralelamente, nos antípodas, o microcosmos e a inteligência artificial.
Também eu não me imaginava, uns anos atrás, matraqueando no simples teclado de um computador. Muito menos trocá-lo, a breve trecho, por um portátil de grande capacidade.
E ainda me lembro de fazer caretas, quando via os meus filhos, distraídos das suas obrigações escolares, agarrados ao Spectrum, de 15 Kb!!!

sábado, 7 de fevereiro de 2009

LEIS DA SELVA


Os cidadãos e os macacos

Há por aí quem considere que vivemos numa selva onde provavelmente os deputados à Assembleia da República seriam os caçadores dos seus próprios interesses, isto é, os macacos que saltitam de ramo em ramo e têm que ser deitados abaixo, em seu proveito.
Para que a caça pudesse ser produtiva, os senhores deputados fariam leis adequadas a esses objectivos ocultos, com verdadeiros alçapões disfarçados, na verdade autênticas armadilhas preparadas para os fins em vista.
Nesse artigo que eu li, a Assembleia da República não passaria de um bando de ignorantes, ineptos e corruptos, a que escapariam raríssimas excepções, provavelmente da sua cor política.
Também nessa Terra sem leis de jeito, arranjadas de propósito com fins inconfessáveis mais ou menos disfarçados, o poder de fiscalização da governação pela Assembleia da República estaria subvertida igualmente pelo bando de interesseiros da maioria parlamentar, sendo o próprio governo, ao contrário do que manda a constituição, a comandar e fiscalizar esse órgão político, onde as próprias minorias fariam fraco papel, submetidas, por sua vez, ao poder dos respectivos chefes partidários e respectivos lucros. Aliás, raros deputados escapariam à influência devastadora desses mesmos interesses e dos aliciantes das grandes empresas, etc., transformando-se a Assembleia da República numa autêntica Central de Negócios, ao serviço de quem domina os directórios.
Termina o artigo dizendo que as leis são más, porque procedem dum Parlamento incapaz. Concordo em absoluto com o diagnóstico. Cabe ao presidente aplicar a terapêutica.
Provavelmente, a terapêutica adequada, na mente do articulista, seria a dissolução da Assembleia.
Na verdade, porém, o nosso mundo nunca é a preto e branco, como alguns pretendem ou como uns quantos quiseram mesmo fazer, com as hecatombes que se conhecem. Há leis boas e leis más, há cidadãos bons e maus, bons deputados e maus deputados, bons e maus legisladores, políticos corruptos e honestos e até comentaristas melhores ou piores. Medir tudo pelo nosso gosto, e tentar impô­­-lo, ainda por cima, não me parece a melhor forma de transformar o país, sem danificar a sua democracia, a qual deve ser corrigida a todo o momento, com o civismo, a colaboração, a opinião construtiva e o voto de todos.
Realmente, se os deputados não prestam, cabe ao povo que os escolheu castigá-los, pela negação do voto nas próximas eleições, ou pela acção da Justiça se for caso disso. A selva ainda não chegou ao ponto de nos impedir o exercício do voto, em plena liberdade. A mesma liberdade que deveria fazer corar de vergonha quem faz afirmações de forma tão generalista.
Um pouco mais, e os cidadãos normais deste país que somos todos nós, seriam um grupo de malfeitores, a cumprir as malvadas e corruptas leis de uma Assembleia da República de bandidos.
A «selva» terá destas coisas. Fatalmente, porém, nem sempre os interesses, isto é, os macacos estão nos galhos. E os cidadãos bons e maus não devem ser confundidos, no meio da floresta dos interesses.
Enfim, quem caça com arco, atirando setas indiscriminadamente para o ar, quase nunca acerta, e não está livre de que lhe caia alguma na cabeça, especialmente se o vento muda de direcção...

TODOS CONTRA TODOS


Os segredos da praça pública

Alguém dizia, há muitos, muitos anos, que a melhor forma de promover a divulgação de um segredo, era recomendá-lo a um amigo e, por ordem de eficácia, colocava a esposa, os familiares mais chegados e os amigos íntimos. A esposa comunicava imediatamente à vizinha ou à melhor amiga, com idêntica recomendação e assim a coisa era transmitida em segredo, numa proporção geométrica, de uma forma rapidíssima. Os familiares mais próximos transmitiam aos mais afastados e estes aos amigos mais chegados, etc. Os amigos íntimos passavam o segredo aos seus próprios amigos íntimos, estes aos seus próprios e assim por diante. Desta forma secreta e eficaz, um segredo «bem guardado» era posto na praça pública num abrir e fechar de olhos, sem possibilidade de quaisquer denúncias, pelo secretismo obrigatório das fontes, jurado entre todas e cada uma, ou resultando em denúncias de todos contra todos, sem possibilidade de tirar um fio condutor relevante!
Também na publicação de notícias secretas, nunca é possível ser culpabilizado ninguém, pela simples ocultação obrigatória das fontes. Como a lei determina que as fontes não podem ser reveladas à justiça, este acaba por ser o único segredo efectivamente guardado, nesta mistela de segredos de polichinelo, o que é altamente ridículo e até imoral. Mas como o segredo é a alma do negócio, assim se explica como este é o único que funciona tão bem. Se este segredo fosse violado, lá se iam por água abaixo as luvas do traidor e o negócio do publicista. Evidentíssimo!
Claro que já estou a ver os defensores das liberdades e do segredo de justiça, e os jornalistas a apontar baterias contra estas minhas apreciações. Dirão logo que as fontes têm que ser protegidas, a bem da investigação, dos investigados e da própria justiça, etc., etc. Mas eu respondo já que não há maior atropelo às investigações e ao curso da própria justiça que a protecção de fontes desta natureza.
Todos os dias saem desenvolvimentos dos casos em investigação, na imprensa diária, para gáudio dos prevaricadores ou até já arguidos em processos, que assim ficam com tempo para ocultar as eventuais provas ou fugir a tempo. E a Justiça, guardiã dos segredos, não consegue guardá-los, quanto mais investigar a sua fuga ou reparar as suas consequências.
Esta constatação que o cidadão comum aprecia todos os dias, a propósito de qualquer processo de relevância, é simplesmente triste e desmotivadora de quem desejaria que uma investigação se realizasse com rapidez e eficácia e a justiça fosse aplicada sem vírgulas e recursos, tantas vezes suscitados por factos descritos na comunicação social.
Também aqui, não estou muito de acordo com esta, quando afirma em sua defesa, que, logo que um segredo chega às suas mãos, deixa de sê-lo. Por quê? Porque a comunicação social está fora da justiça geral dos cidadãos?
É evidente que, se a publicação de um segredo de justiça fosse punido, desapareceria o negócio e as luvas dadas às fontes ocultas não serviriam para nada! Igualmente acabaria a maior parte das fugas dos suspeitos, a destruição de numerosas provas e, do lado contrário, a suspeição atirada para cima de inocentes e o avolumar de processos longos, com anos e anos de recursos e burocracias sem fim.
Outra coisa ridícula que terminaria de vez, seria a instauração de inquéritos a tudo o que mexe, começando nos próprios promotores da justiça, advogados, auxiliares e de tudo o que gira à sua volta.
Uma notícia «bombástica» saída nos diários de hoje, diz que, nos bastidores, há movimentações que deixam os magistrados preocupados. Em causa está uma reunião entre o chefe das secretas com o PGR, suspeitas de escutas ilegais e uma tentativa de contacto com o é a suspeita de escutas feitas pelo SIS à Procuradoria-Geral da República…
Não sei por quê, lembrei-me logo daquela linha telefónica oculta sob a alcatifa, descoberta, durante obras casuais, no gabinete de um anterior Procurador-Geral.
Também me deixa triste o «secretismo» do badalado caso Freeport. A carta rogatória enviada pela justiça portuguesa foi mantida em segredo durante quatro anos, pelos ingleses, mas foi logo publicada, assim que a resposta destes chegou a Portugal!
Belo segredo! Extraordinário civismo e eficácia das nossas gentes!
Tudo isto, evidentemente, com todo o seu ar de seriedade, o seu aparato ou, como diriam os ingleses, coma sua pompa e circunstância, soa a falso, para não dizer mesmo que cheira a podre, porque, se os guardiães responsáveis não conseguem manter o segredo de justiça, se nunca conseguem encontrar os delatores, com tantos meios postos à disposição, peçam para alterar a lei e acabem com ele de vez. Poupavam assim o tempo dos cuidados ineficazes e dos inquéritos inconclusivos. O segredo deixava de ter qualquer importância. E, ao menos, deixavam de fazer a triste e ridícula figura que fazem, ante uma opinião pública cada vez mais descrente.
Provavelmente, o único prejuízo resultante do fim eventual do segredo de justiça seria a perda de luvas, por parte das actuais importantíssimas fontes ocultas que alimentam a imprensa…
Mas quem sou eu para dar alvitres?

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

CANCROS DE ESTIMAÇÃO


Variações de estilo e de gravidade

O cancro é uma coisa tramada, como diria certo escritor bem conhecido da nossa praça.

Ontem foi o dia mundial de luta contra o cancro e as notícias a respeito desse tema foram escassas. Parece que, de tanto se tornarem um lugar comum, foram sendo relegadas para segundo plano. As primeiras parangonas são sempre das novidades, geralmente más, e o cancro já passou por aí, há muitos anos. Agora banalizou-se, não é novidade nenhuma para ninguém, e raras são as famílias que não têm alguém a padecer da doença ou que não tenha falecido dela. De tão conhecido, passou à história antiga da comunicação social, não obstante a sua importância cada vez maior, na saúde dos cidadãos.

De tempos a tempos, lá vem uma noticiazita de mais um estudo, geralmente caricato, como o de há três dias, referindo enigmaticamente que uns «maduros» canadianos haviam descoberto, numa dessas pesquizas a metro que agora se fazem, que o excesso de relações sexuais aumentava as probabilidades de cancro da próstata. Estou a ver a aflição de uns quantos marmanjos, como o «gigolo» do Algarve, que fazem do sexo a sua profissão principal, e a pena que se apoderou das turistas que lhes vão fazendo a corte. O desemprego estaria à vista.

Logo uma estação de TV se apropriou do filão e trouxe um médico especialista à cena, o qual, tranquilamente e para desconsolo do jornalista de serviço, desmontou a «cabala» como agora se diz por aí, para gáudio e serenidade dos passarões mais activos. Não creio que tenham dado luvas à TV ou ao respeitabilíssimo médico comentarista. Ponho as mãos no fogo. Mas, imitando algumas brincadeiras de mau gosto com que certos opinantes pretendem cativar-nos a atenção, não me admiro que outrem pense de forma diferente e mande alguma carta anónima ao M.P., qual metástase insidiosa doutro dos cancros agora muito em voga entre nós...

Certo, certo é que, em Portugal, cerca de 40.000 novos casos de cancro autêntico são diagnosticados, anualmente, daí resultando à volta de 22.000 óbitos.

O cancro da próstata não está entre os três primeiros mais mortíferos, nem o do colo do útero. No entanto, as notícias mais profusas e anedóticas a este respeito foram produzidas durante vários dias, relativamente às incidências de um concurso para aquisição da respectiva vacina, tendo os relatos das caricatas discussões que sempre aparecem pelos motivos mais suspeitos ou risíveis, acabado drasticamente, de um dia para o outro, logo que o Ministério da Saúde adjudicou finalmente a compra da dita a um fornecedor encartado.

A verdade é que, por estas e por outras, o cancro, como doença pouco menos que incurável ou dificilmente curável, tornou-se o paradigma de todas as coisas malignas que nos afligem, a maior parte das quais nada têm a ver com a doença. E assim, temos o cancro do desemprego, o cancro do fraco desenvolvimento económico, o cancro da fuga ao fisco, o cancro da fuga ao segredo de justiça, o cancro das luvas por baixo da mesa, o cancro das fraudes dos exames, das escrituras, das acções e dos negócios bancários, dos contratos públicos, etc., milhões de cancros e finalmente, como essa avalanche dos cancros daria pano para mangas, o cancro da corrupção em geral e da suspeita lançada como um cancro da pele com metástases sobre tudo e todos os que mexem com negócios ou influências...e até, por tabela, sobre muita gente séria.

Infelizmente, foram estes cancros da vida social portuguesa e não os da primeira linha e que dão cabo da nossa própria vida, aqueles que ocuparam as páginas principais da nossa imprensa, para confusão dos leitores.

Hoje mesmo, ao abrir a net, dei de caras com a seguinte notícia:

Portugueses são «recordistas na fuga ao Fisco» na OCDE A progressiva melhoria da eficácia da administração fiscal nos últimos anos não foi suficiente para melhorar a posição portuguesa nos pouco abonatórios rankings internacionais: as dívidas fiscais representam 38% do total das receitas tributárias.

Fiquei perplexo, porque o dia mundial de luta contra o cancro foi ontem. Mas qual deles?

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

NOTÍCIAS A METRO


Discussões rasteiras

Ontem à noite resolvi dedicar alguns momentos ao interessante programa «Prós e Contras» que passa, às segundas-feiras, no Canal 1. Digo interessante, porque veio trazer aos telespectadores a possibilidade de observarem em directo discussões sobre temas de actualidade, com interventores abalizados, o que é raro, no nosso país.

Mas, o que, nos primeiros programas era tomado como uma apresentação cordata dos temas e uma intervenção elevada, medida e cautelosa dos intervenientes, foi-se banalizando e tornando cada vez mais num «falatório» trivial, de fraco nível, com poucas novidades ou soluções para os telespectadores, e onde sobressai a má-língua tão afiada como desnecessária, de boa parte dos intervenientes.

Resultado: debates destes, dentro de pouco tempo, não serão muito diferentes dos que podem ter lugar a cada esquina ou a cada canto de café, apenas com mais espectadores embasbacados, ganhando tempo e disposição para uma boa soneca. É pena que assim venha a acontecer.

O tema de ontem era, inevitavelmente, o caso Freeport e, inevitavelmente também, nada de novo foi dito sobre o assunto, a não ser a repetição a metro de uns quantos lugares comuns badalados diariamente na imprensa. Isso era esperado, mesmo com a presença de elementos de nível cultural acima da média, chamados a «depor» pela moderadora. E que mais poderia ser dito, depois da montanha de extrapolações permanentes de situações, provas, testemunhos, conclusões, (a partir de uns escassos factos onde a Justiça anda anos às aranhas), a que vimos assistindo, na criação aprimorada de um clima de telenovela grotesca, em tempos de crise financeira e económica que já não dá vontade de rir a ninguém?

Tenho repetido várias vezes que os portugueses são extraordinários a discutir o que quer que seja, provavelmente, como reconhecem os práticos americanos, os melhores do mundo neste capítulo. Lembram-me bastante os italianos dos filmes do pós-guerra e, por vezes os intriguistas da Itália da Idade Média e do Renascimento...com a diferença de que eles foram, simultaneamente, grandes artistas!

Ora os portugueses não são pequenos nem grandes artistas, mas unicamente simples especialistas na intriga e na má-língua. Pelo que, se existissem por cá novelistas à altura, o país seria um paraíso de autores com exportações garantidas, agora que o vinho do Porto e a Cortiça estão em baixa!

Já estou a ver alguns leitores destas linhas a chamar-me, vingativamente, má-língua...

Mas isto vem só a propósito do referido «Prós e Contras», onde figuras cultas e com responsabilidades acrescidas se entretiveram, boa parte das suas intervenções, a destruir tudo e todos, a dizer, resumidamente, que Portugal era um país de corruptos, de alto a baixo, isto é, desde os legisladores (com a conivência do Presidente da República), aos banqueiros, aos empresários, aos autarcas, aos funcionários e por aí fora, com a única excepção provável deles próprios e dos jornalistas...

Foram ditas ali, por essas «sumidades» coisas espantosas, como a de que todas as leis eram, à partida, feitas por legisladores corruptos ou coniventes com interesses ocultos, e proferidas muitas outras sentenças despropositadas e demagógicas que, à partida, ficariam a matar numa discussão de tasca ou de caserna. O tema, tratado de forma tão corriqueira, deu pano para mangas, como era de esperar.

E a certa altura, já perto do fim, alguém com certo bom-senso, advertiu, por outras palavras, que era bom não enveredar por essas generalizações ligeiras, sob pena de atingir ou desmotivar as muitas gentes sérias e honestas que existem no país, a todos os níveis.

Outra «boutade» interessante veio de outro senhor, também culto e responsável, deitando abaixo as confusas e corruptas leis em vigor no campo ambiental, feitas pelas maiorias de «nabos» e «interesseiros» (as palavras são minhas, mas traduzem as ideias expostas) que povoam a Assembleia da República. A afirmação foi fazendo escola durante minutos até que alguém, com dois dedos de clarividência, disse apenas , a rematar, que a legislação existente era a transposição das leis da CE, em vigor em todos os países europeus!

Enfim, poderia estar aqui horas a comentar as «paródias», as aberrações que foram ditas pela maioria de quem teve direito a alçar a voz. Muito pouco se aproveitou e o público merecia melhor que a transposição, para um grande ecrã de TV, dos lugares comuns da coscuvilhice nacional e da politiquice barata que inundam igualmente a intocável, oportunista, por vezes ligeira, irresponsável e pouco pedagógica Comunicação Social.

Quando o país vive à beira de uma crise, para a minoração (já nem digo resolução) da qual a colaboração e o concurso de todos se tornam cada vez mais imperiosos e decisivos, várias cabeças pensantes fazem exercícios de lógica imaginativa e rasteira, para passar o tempo e mostrar aos portugueses a sua verdadeira e pouco «útil» sapiência...

Enfim, casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. Ainda veremos coisas piores.

Já me esquecia de dizer que, quase a terminar a «chachada», como clamaria o impagável Alberto João, em comício, alguém tirou um coelho da cartola, dizendo que todas aquelas «sentenças» não passavam, afinal, de problemas de Justiça e que, sem Justiça eficaz a tempo e horas, nada feito!

Apoiado! Não teria sido necessário perder tanto tempo, para chegar a esta conclusão óbvia.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

TESES, PLÁGIOS E SANÇÕES


A facilidade da cópia

Um interessante artigo do D.N. chama hoje a atenção de uma determinada classe de leitores para o fenómeno do plágio das teses de mestrado e de doutoramento, cada vez mais frequente, cada vez mais fácil de produzir, cada vez mais difícil de detectar, cada vez mais rendoso para cada vez mais oportunistas. O título do artigo é feito à medida, esclarece logo que há «teses de doutoramento à venda por 50 mil euros». Mas acrescenta logo que haverá negócios para verbas muito mais prosaicas.

Nestes tempos em que a massificação do ensino é um objectivo mundial e começa a ser uma realidade, em grande parte através da massificação da comunicação, a massificação paralela do plágio é um sinónimo de abaixamento da sua qualidade. Não é um fenómeno novo. As acusações de plágio aparecem por aí a cada passo, nos livros didácticos, na imprensa e nas coisas mais corriqueiras.

Provavelmente o plágio é, nesses casos banais, um fenómeno muitas vezes casual, subliminar, ridículo e sem importância nenhuma. Mas no caso de provas de doutoramento, a coisa pia mais fino. Estas provas são o fruto de investigação e de trabalho pessoal original, com o qual a palavra plágio não tem qualquer relação. O plágio não é uma anedota ou uma simples brincadeira de mau gosto, mas o aproveitamento intencional do trabalho de outros que deveria ser punido, de acordo com o seu grau de intencionalidade e o seu raio de incidência.

Segundo o autor do artigo, parece que não é isso que acontece nas universidades portuguesas, onde não raro se faz a anulação simples e se passa uma «compreensível» esponja de esquecimento sobre casos detectados, uma vez que o castigo atingiria, não só do autor do plágio, mas com toda a probabilidade a credibilidade do professor orientador da própria tese em causa, vítima inocente da trapaça. Eu próprio, nos meus tempos de jovem licenciado, há quase cinquenta anos, conheci alguns casos destes.

Verdade seja dita que o orientador da tese cada vez mais estará exposto a estas situações, dadas as facilidades que actualmente existem de aceder a textos com matérias «aliciantes» para plágio. A Internet trouxe novas possibilidades ao plagiador, que anteriormente se socorria das bibliotecas, dos arquivos e pouco mais, mas o grande mal não é esse. O plágio das teses não está nas fontes ou nos métodos utilizados, mas na cabeça dos seus autores. Por isso, à massificação do ensino corresponde logicamente a massificação das teses e a massificação dos plágios, em vez de produzir-se a massificação da excelência!

Deveria corresponder também à massificação das falsas teses, a massificação das penas académicas aplicadas e das coimas a cobrar aos intervenientes, mas isso não se verifica. Será impossível detectar quantos plágios ocorrerão nas teses académicas, no mundo inteiro, e até em Portugal. Será mesmo impossível em muitos casos, mesmo a um júri sabedor e competente, detectar um plágio habilidoso e rebuscado, na floresta de fontes a descoberto existentes e fáceis de consultar. Neste caso, como em tantos outros, a ocasião faz o ladrão, quando não foi o ladrão a fazer a ocasião.

Segundo o articulista, alguns juris de exame, verificando que a pesquisa prévia nem sempre é suficientemente esclarecedora, acompanham-na por interrogatório adequado do doutorando e a apreciação inteligente das suas respostas. Por último, digo eu, em caso de fraude, a aplicação de sanções pesadas aos infractores deveria ser inevitável.

Vejamos, para terminar, o que dizem os dicionários:

Plágio (do grego plágios «oblíquo», pelo latim plagiu) é a apresentação feita por uma pessoa de uma obra ou do trabalho de outrem como se fosse seu.

A origem etimológica da palavra demonstra a conotação de má intenção no ato de plagiar; o termo se origina do latim plagiu que significa oblíquo, indireto, astucioso [1]. O plágio é considerado antiético (ou mesmo imoral) em várias culturas, e é qualificado como crime de violação de direito autoral em vários países.

Creio que estamos todos de acordo com estes parágrafos esclarecedores. Mas já nas consequências, quanto ao plágio das teses de doutoramento, embora muitos barafustem, o caso não parece assim tão consensual.