segunda-feira, 27 de julho de 2009

D. AFONSO HENRIQUES EM OURIQUE

O milagre de uma nação
Foi no dia 25 de Julho, do ano de 1139, assente como referência pela maioria dos historiadores, que D. Afonso Henriques, segundo rezam as crónicas, desbaratou sete reis mouros e resolveu, definitivamente, cingir a coroa de rei de Portugal.
Certo, no entanto que, apesar desta vitória, ainda faltava a aprovação essencial do Papa ao facto consumado, mas isso veio a acontecer, não só pelo efeito da derrota dos infiéis, mas pelo tributo posterior de um número adequado de onças de ouro ao Sumo Pontífice.
Esta vitória do nosso primeiro rei foi muito difícil e esteve mesmo perto de uma derrota total, o que não se consumou pela sua fé inquebrantável na obtenção da independência total do seu condado e na defesa da Cristandade no próprio terreno dos infiéis. Cristo recompensou-o, segundo a lenda, fazendo o milagre de aparecer, no fragor da batalha, dando ânimo aos cristãos e a certeza de que iriam vencer os inimigos, contra todas as perspectivas desanimadoras que se perfilavam…
No Castelo de S. Jorge, em Lisboa e no jardim do Castelo de Ourique, estátuas do guerreiro medieval embelezam os miradouros e, neste último, um painel de azulejos, colocado em local estratégico, lembra o grande milagre, com D. Afonso fervorosamente ajoelhado em oração ante um Cristo crucificado, esplendoroso e complacente.
Mas também, para além da data exacta da batalha, continua sem esclarecimento cabal o local onde foi travada a contenda, arrogando-se o município de Castro Verde de possuir, no seu território, a localização mais provável.
Fiz, em tempos, uma viagem a Castro Verde onde visitei a respectiva basílica mandada construir por D. João V, com as paredes integralmente revestidas a azulejos com diversas cenas imaginárias da Batalha de Ourique. Ali pode ver-se D. Afonso Henriques cortando a cabeça aos mouros, com o seu cavalo pisando infiéis despedaçados, ou recebendo finalmente a sua submissão, numa atitude de vencedor indiscutível, imponente e seguro na sua clemência purificadora de morticínios…
Posteriormente à batalha, Portugal foi reconhecido como nação independente. Desde então até agora, muitos factos históricos tiveram lugar, nestas largas centenas de anos passados. Numerosas figuras mereceram destaque pelos seus feitos, muitas delas colocadas em pedestais ou endeusadas pelos portugueses. Só D. Afonso Henriques, o pai da nacionalidade, parece por vezes esquecido, preterido por personagens de ordem menor.
Em Guimarães, berço da Nação, por exemplo, foi também D. Afonso Henriques homenageado, com uma pequena estátua, à entrada do Monumental Paço dos Duques de Bragança.
Ninguém duvida de que a memória do nosso primeiro rei merecia, na Cidade Berço, como em Lisboa, mais que estátuas de tamanho ridículo, a primeira acantonada uma numa esquina sem valor, na via de acesso ao Paço, e a outra num jardim de visita turística. O contraste é expressivo com as grandes estátuas erigidas a propósito de tudo e de nada, em locais de grande visibilidade, a figuras de quarta ordem, das quais ninguém se lembrará daqui a meia dúzia de anos, muito menos do que fizeram...
A inversão de valores a que os portugueses já se habituaram tem aberrações desta ordem. Será que já não é possível homenagear condignamente o fundador desta velhinha Nação de 870 anos, a mais velha da Europa?
Em Coimbra, possível local do seu nascimento, jaz D. Afonso Henriques, na histórica Igreja do Mosteiro de Santa Cruz, tornada panteão nacional, em sarcófago mandado construir por D. Manuel I e violado pelos franceses de Massena, em busca de preciosidades…
Visitei a Igreja e o Mosteiro, pela primeira vez, quando tinha apenas doze anos, em visita de estudo obrigatória da minha turma do segundo ano do liceu, e nunca mais esqueci, entre outras coisas, o lindo portal carcomido pelas inclemências do tempo, o púlpito rendilhado, os claustros belos e imponentes, e os túmulos de D. Afonso I e D. Sancho I, os dois primeiros reis de Portugal.
Nem os meus filhos e netos puderam usufruir desse privilégio de uma visita de estudo, tal como a grande maioria dos portugueses de hoje em que os pais, os professores e os alunos estão certamente muito mais preocupados com a vitória dos seus clubes de futebol.
A cultura dos valores pátrios parece estar pelas ruas da amargura.
A memória de D. Afonso Henriques deveria merecer mais atenção dos portugueses, porque maior milagre que o de Ourique só o da própria existência desta Nação amnésica.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

JUSTIÇA NO CAMPUS


Deformações corporativas

Ficou célebre o aforismo romano «dura lex, sed lex», tão célebre que figura por aí, a torto e a direito, na maioria dos Palácios da Justiça deste belo País tão adorado por uns e simultaneamente vilipendiado por outros tantos. Durante anos e anos, sobretudo desde o afastamento das ordens religiosas, a Justiça assentou arraiais nos conventos deixados vagos, que aliás serviram também para albergar Quartéis, Serviços Camarários, Hospitais, Delegações de Finanças, até Pousadas e Hotéis de Charme e muitas outras coisas mais. Poucos foram os que permaneceram sem uso.
A pouco e pouco, não obstante as numerosas remodelações, os conventos foram-se tornando obsoletos para as funções em que foram inicialmente aproveitados, e assim começaram lentamente a proliferar os tão pomposamente denominados Palácios da Justiça.
Era necessário dignificá-la, por isso não podia continuar a funcionar em conventos e outros edifícios adaptados segundo as circunstâncias. Há que louvar todos os profissionais da Justiça que, durante largos anos, exerceram o seu mister em condições menos adequadas, mesmo assim, em paralelo com o nível de vida das outras instituições e da população portuguesa em geral.
Com altos e baixos, a Justiça lá foi sendo aplicada e, por último, após quase meio século de subserviência ao poder político, ressuscitou para a independência total da Magistratura, com a Constituição saída do 25 de Abril. A política de construção de Palácios de Justiça por esse País fora, iniciada nos tempos de Salazar, continuou, para agrado dos profissionais e das gentes que a eles recorriam, mas alguns conventos ou dependências permaneceram até aos dias de hoje, alguns com uma carga emblemática tremenda, apesar das condições de trabalho exigidas. Aguentaram todos com estoicismo e raras vezes se queixaram disso, porque o brio e a independência da Magistratura a isso obrigavam. Mas os tempos foram mudando.
Com as vantagens do uso dos automóveis, dos telemóveis e dos computadores, os Senhores Juízes, sem abdicar do seu estatuto de Quarto Poder do Estado, mas à semelhança dos outros mortais com muito menos poderes e prerrogativas, não puderam resistir à tentação de criar e explorar cautelosamente um sindicalismo de feição corporativa e reivindicativa. Não só.
Desde há algum tempo a esta parte, vimos os próprios Juízes reclamarem, ameaçarem com greves ou simples paralisações de «révanche» contra os poderes governamentais, por motivos puramente corporativos que não abonaram nada em favor de uma Justiça que a população se habituara a ver sempre bem de fora e muito acima destas trapalhadas.
Agora, depois de muito sangue, suor e lágrimas passadas nos celebérrimos claustros do Tribunal da Boa-Hora e noutros espécimes inadequados dispersos pela Capital, engolindo queixumes e dificuldades de toda a ordem, 16 destes Senhores resolveram não comparecer à inauguração do moderno Campus da Justiça, na igualmente moderna Urbanização da Expo, onde eles mesmos, num universo de 2400 funcionários irão exercer a sua actividade, alegando defeitos na construção com falhas de segurança na circulação de Juízes e presos, enfim, condições de instalação, funcionamento e a sua própria falta de privacidade. «Desculpas esfarrapadas», como já comentou o Bastonário da Ordem dos Advogados.
O que sobressai desta atitude, tomada numa cerimónia de inauguração do que há tanto tempo foi uma ambição de sucessivos governos, é apenas mais uma tentativa de boicote, mais um aspecto de baixa politiqueira, do «confronto aberto com as instituições do Estado de Direito». Para o Bastonário, esta «guerra aberta» não é a forma de resolver os problemas da Justiça, defendendo que é necessário existir «espiríto de colaboração».
Estão no seu próprio direito! Mas a sua atitude não é própria de Juízes. No mínimo, perderam uma boa ocasião de demonstrar o seu respeito pelas regras de urbanidade social e, sobretudo, pela lei não escrita mas consensual da sua própria superioridade moral que está acima de direitos ou simples reivindicações corporativas. A Justiça das consciências, deviam sabê-lo, não é a mesma de uma certa Justiça virgulista de gabinete alcatifado, ainda que os romanos tenham deixado escrito para a posteridade que «dura lex, sed lex».
Passados os discursos de circunstância, assisti, no noticiário duma estação de TV, aos comentários dum repórter, finalizado o acto da inauguração do conjunto dos 11 edifícios do Campus da Justiça. Dizia ele, entre várias coisas, que todos os edifícios possuíam fachadas envidraçadas e não proporcionavam elevadores privados aos Juízes, o que eliminava completamente a privacidade necessária à sua função. Acrescentava ainda que, ali ao lado, havia um bonito lago, do fundo do qual, mesmo ao alcance da mão, era possível apanhar bonitas e roliças pedras, como exemplificou…
Moral da história: mesmo nos tempos que correm (em que até desapareceram os óculos sobre as vedações das bancadas das repartições), a Justiça, em Portugal, tem enorme dificuldade em fazer-se de forma transparente, enquanto a Comunicação Social, por sua vez, dispõe de grande facilidade em encontrar armas de arremesso.
Que outra coisa, aliás, poderia acontecer a uma Justiça enclausurada e domesticada anos e anos em conventos e a uma Comunicação Social que apenas há trinta e cinco descobriu que podia, finalmente, atirar pedras?

segunda-feira, 20 de julho de 2009

EXPORTAÇÕES EM QUEDA



Ronaldo em alta

De vez em quando, mesmo sem querer, descubro coisas interessantes. Por exemplo, interessante, sob um dado ponto de vista, é o que se passa em determinadas zonas das margens alcantiladas do IC19, cujas barreiras inclinadas estão pejadas de couves, batatas, cebolas e favas, tratadas e humedecidas humildemente a regador, por imigrantes que tentam sobreviver nesta selva que é a nossa sociedade egoísta.
A Câmara da Amadora fecha os olhos, nalguns casos até agradece a estes agricultores ocasionais, cujas culturas, além de servirem para lhes matar a fome, dão um tom verde e menos agreste à terra seca das encostas. De manhã ou à tardinha, sobretudo nos fins-de-semana, encosta acima, encosta abaixo, eles lá se vão equilibrando sem cair, de enxada ou regador na mão, indiferentes ao trânsito ruidoso e infecto que circula ali pertinho, a unas dezenas de metros, apenas.
É a única fixação à terra que conheço, em Portugal, e a custo zero. Noutros pontos do país, gastam-se milhões, e o resultado é que é mesmo zero!
Os sábios economistas, do alto das suas cátedras ou do remanso dos seus sofás acolchoados, bem recomendam mais exportações, como o único meio de resolver todos os problemas da crise, e até das várias crises culpadas do atraso do país.
Dizem que o País deve…o Estado deve…os portugueses devem… Que ninguém os ouve… ninguém faz nada…ninguém trabalha…
O certo é que também eles não dizem nada de novo, porque aquilo que apregoam é voz corrente desde séculos a esta parte. Já ninguém liga nenhuma a essa lenga-lenga.
O que interessaria eventualmente às gentes mais honestas e preocupadas seria saber porque apenas uns quantos imigrantes desesperados se agarram ao cabo da enxada para não morrer de fome, ou porque os portugueses de gema preferem mesmo morrer de fome ou viver à pendura, enquanto os sábios economistas morrem de tédio…
Todos sem excepção olham, nas primeiras páginas, as fotos do Ronaldo e dos seus milhões, apalpam disfarçadamente, nos bolsos, o coiro das carteiras vazias e fazem um esgar de falso sorriso, na esperança de que um dia, a sorte grande lhes bata à porta…
Bem vistas as coisas, talvez a sorte grande do país estivesse na exportação de Ronaldos, Figos, Mourinhos, Quaresmas, Futres, Manuel Josés, e tantos outros, em quantidades industriais e não de casos isolados, de excepções contadas, de ocasional mercadoria de comércio puro. Mas os portugueses não têm mesmo jeito nenhum para a grande indústria, coisa que exige iniciativa, educação, matemática, planeamento e investimento a longo prazo, trabalho, persistência, marketing, etc. Assim, só com uma dúzia de craques, não chega…
Aposto que os sábios economistas ainda não pensaram nessa solução. Eles julgam que dar pontapés na bola é coisa de maltrapilhos incultos, e ganhar milhões é apenas uma questão de sorte. Não é. Como em tudo, para ganhar milhões no futebol, é preciso saber muito, na teoria e na prática dessa arte. É mister sair da bancada e trabalhar no relvado!
Portugal, portanto, como disse, só sairá desta crise, e das outras todas de que falam os tais treinadores de bancada, se conseguir ser bom em qualquer coisa rentável, vendável e exportável, nem que seja a pontapear o esférico com qualidade, em quantidades industriais!
Ora, especializando-se apenas na maldição de tudo e todos, no envio de bocas pela imprensa fofoqueira, ou de recados triviais aos papalvos, nunca chegará a parte nenhuma. Sou eu que o digo, e também muita gente honesta que de economia e de futebol não percebe nada!
Digo também que não basta que os politiqueiros de serviço se matem a discursar para o «pagode» ou a construir estádios de luxo. É preciso interessar o povo, na execução do próprio jogo! Talvez mesmo o mais difícil será interessar o povo na execução, arrastá-lo a colaborar directamente naquilo que ele tanto gosta de criticar.
O Ronaldo, o Mourinho e mais uns quantos agora em alta, com o seu êxito e o seu exemplo, entusiasmam apenas o público nacional, mas apenas a bater palmas.
Mas não é apenas com aplausos ou apupos que se consegue tirar a nossa população do marasmo onde atavicamente se mantém, de há trezentos anos a esta parte. Nem é só com recados ou conselhos de circunstância que se acaba com a queda das exportações e outras desgraças.
Como diria o impagável La Palisse: sem os portugueses, Portugal nunca irá a parte nenhuma!

DISCUTIR, DISCUTIR SEMPRE

DISCUTIR, DISCUTIR SEMPRE

Nunca decidir ou fazer algo, sem discussão…

O dever de discutir todos os grandes temas nacionais na Assembleia da República, e os outros, grandes ou pequenos, nas instâncias decisórias, nas Assembleias Municipais, nos areópagos públicos e privados que povoam o país, é tema que não está consignado na constituição com pontos e vírgulas, mas é aparentemente consensual entre todos os portugueses, depois do 25 de Abril. Os resultados da discussão é que nem sempre são os melhores.
Na verdade, em Portugal, os extremos tocam-se sempre, nos temas mais variados, e este não é excepção: enquanto uns dizem que da discussão nasce a luz, outros afirmam que dela sai a confusão. De uma forma ou de outra, discute-se tudo, por tudo e por nada, e nunca se conclui nada, de tudo o que se discutiu. De tal forma é improfícua a discussão permanente, superficialmente explorada e alongada, na vida corrente, desde a política à administração pública, à educação, à justiça e aos media, que uma boa parte da população está convencida de que não se discute nada, a sério! Este convencimento resulta da falta de resultados dessas eternas discussões, da ausência de obra, finalmente, e talvez por isso mesmo, da premissa de que o calado é o melhor, de que Salazar falava pouco e fazia o que queria sem chatices…Teria sido daí, e da intervenção pidesca de quase cinquenta anos, que o português interiorizou que não valia a pena ir às assembleias ou cooperar nos deveres cívicos mais comezinhos e passar antes o seu precioso tempo em discussões bizantinas mesquinhas, sem objectivo? Também não creio.
Ultimamente verifica-se certo desencanto provocatório sobre este tema, com alguns a acusarem até o governo maioritário de autoritarismo e de não discutir nada, geralmente os mesmos que não intervêm na vida política da nação nem apresentam ideias nem soluções para os problemas. Pensam que, por estarem de fora das rédeas do poder, não têm responsabilidades, só possuem direitos inalienáveis a reclamar, nunca têm deveres a cumprir para com a sociedade, nem quaisquer responsabilidades como cidadãos honestos e intervenientes, ou sequer no mínimo, como votantes!
Dizia um digno comentarista da nossa imprensa diária, que são muitas as experiências frustrantes de cidadãos que se vêem rejeitados quando tentam discutir os problemas do País nas instâncias partidárias. Ficam fora porque não há tempo para discutir ideias. Passa sempre à frente a urgência de tratar da atribuição de um qualquer lugar público.
Sem entrar em mais pormenores, nem fazer ilações sobre o resto do artigo, julgo que está aqui o cerne da questão.
O mesmo cidadão que discute tudo numa superficialidade (ou num excesso de formalismo…) que impede qualquer conclusão, censura asperamente deputados e políticos em geral, porque passam o tempo a discutir, sem fazer nada, e adora os governantes, autarcas ou administradores que mostram obra feita sem discussões, que executam tarefas sem mas nem meio mas, sejam eles honestos ou corruptos…mas não tolera ser posto de lado quando a coisa toca no seu interesse particular!
O mesmo cidadão que, desde a primeira constituição de 1820 até aos dias de hoje lutou arduamente por um emprego público, tantas vezes de favor, que nunca se interessou pela discussão séria e profunda da coisa pública, que votava nos terra tenentes da Monarquia que abriam a pipa de tinto, e depois nos espertalhões da República que ofereciam bacalhau a pataco, manteve-se calado e subserviente durante quase cinquenta anos, quando um professor inteligente e astuto decidiu por eles, acabando de vez com a discussão improfícua, destruidora e retrógrada onde o país fora mergulhado.
Esse mesmo cidadão, depois do 25 de Abril parcialmente recuperado para a democracia, insurge-se agora contra um político que escolhe outro candidato para um lugar que tinha em mira, sem discutir, sem o consultar! Será exagero dizer que o resto da coisa pública pouco lhe interessa?
O mesmo cidadão português que, em geral, não lê, não estuda, nem quer saber de programas político partidários para nada, simpatiza com algumas caretas que, através da televisão, dizem frases que lhe vão no goto, ou abomina outras que molestam os seus interesses mais directos. É tudo. Odeia que se gaste o dinheiro dos impostos que paga (e que evade, se consegue) em grandes cartazes de encher o olho a tentar convencê-lo, a ele que já tudo sabe, que despreza figuras e conteúdos, que manda tudo à fava!
O mesmo cidadão queixa-se de que os partidos são uma choldra, não quer saber deles para nada, nem da própria militância partidária que, medida em números, é uma ninharia, comparada com a dos sócios do Benfica! Sabe que o Futebol arregimenta gente sem qualquer dificuldade (ao contrário da política que necessita de um bom isco), que origina discussões sem fim, a cada canto, compra bilhetes caros mesmo sem ter pão para a família, adquire camisolas e bugigangas do seu clube, faz propaganda delas aos descamisados, gosta dos seus ídolos, insulta os árbitros e, finalmente, dá popularidade e serve de trampolim aos que desejam trepar na política e depois não lhe ligam nenhuma…
Quer lá saber o cidadão português da discussão política séria, para alguma coisa, ele que adora a fofoca, que tudo sabe, que tudo discute, que tudo critica! Tomara ele que os políticos o libertassem até da pepineira das eleições! A maioria já nem vota, apesar dos apelos de todas as cores de que a imprensa se faz eco…
O cidadão português é, em si mesmo, uma contradição pura. Está dito. Nas zonas rurais do norte, as gentes resumem, simplesmente que «a malta só quer putas e vinho verde»!
E agora, neste contexto, aparece a bomba do senhor comentarista: o contributo para o debate político lançado com assinaturas de 25 intelectuais traz um alerta necessário. Nas campanhas eleitorais aposta-se muito mais no marketing do que no esclarecimento.
Grande descoberta a dele e a desses maduros, após trinta e cinco anos de regime democrático! Por causa dum simples boato, o Almirante Reis deu um tiro na testa e teve direito a ruas e avenidas por esse país fora…
Mas a transformação da maneira de ser superficial e instintiva do cidadão para uma forma mais cívica, participativa e responsável de estar na política e na vida corrente, não se faz com alertas pomposos de circunstância dos sábios de sofá, mas com intervenções eficazes, com a colaboração directa e persistente dos mais evoluídos, com uma educação continuada dos deveres de cidadania diariamente cultivada por todos, desde os bancos da primária! Demorará tempo. E estará a ser feita? Talvez não…
A responsabilidade é de todos nós, pais, amigos, profissionais. Mas a dos professores, nesta matéria, é tremenda. E a dos média, por muito que disfarcem, não lhe fica atrás.
Há muitos paliativos, mesmo bem intencionados, mas não vão a parte nenhuma.