terça-feira, 30 de setembro de 2008

HABITAÇÕES DE CONVENIÊNCIA


Quando se zangam as comadres...

O Jornalista Mário Crespo escreveu, no J.N., uma crónica muito oportuna e bem feita sobre o problema, agora na berlinda, da atribuição discutível de habitações pela Câmara de Lisboa, a funcionários seus, ou outros...

Tem razão o Mário Crespo. Os buracos das leis são sempre à medida dos seus eventuais utilizadores.Outras vezes, os buracos não existem, mas os espertos arranjam alçapões por onde se escapam. Os pequeninos, que de leis nada percebem, estão sempre tramados! As cadeias estão cheias de carteiristas, enquanto nelas não há lugar para os grandes infractores, porque estes estão todos legais, ou então, se ilegais, as culpas já prescreveram!

A pergunta que se impõe é esta:

Como se deve dar a volta ao texto, em Portugal, o país da cunha e da venalidade? Provavelmente, responderão alguns, só com a guilhotina de meio mundo. Mas não seria seguro que, no rescaldo, não se voltasse ao mesmo! E era preciso estar certo de que os guilhotinadores fossem incorruptíveis...e que os deixassem levar a cabo a missão. Missão impossível!

O fenómeno da corrupção é transversal à sociedade portuguesa, tem na base o lucro fácil, o laxismo, o oportunismo, a esperteza saloia, a trafulhice, a mesquinhez, exemplos tantas vezes transmitidos, até inconscientemente, de pais a filhos, como se fossem coisas normais. Por isso, não espanta também encontrar entre os nomes de beneficiados desta distribuição, pessoas de todas as tendências políticas e das mais variadas profissões. Devem estar todas legais! De certeza!

Também a Justiça, casos semelhantes, deixa muito a desejar. Preocupa-se demasiado com a vírgula e o artigo, e deixa passar a substância da lei, ao fim de anos de ineficácia, ignorância ou inoperância na condução dos processos.

O jornalismo preocupa-se geralmente com a coscuvilhice, enche páginas de fofoca, não dá profundidade e visos de seriedade a grande parte das notícias. O verdadeiro jornalismo de investigação honesto e em profundidade, salvo raríssimas excepções, não existe. A apreciação de Mário Crespo a esse respeito, só confirma o que venho a dizer, por outras palavra, em muitos dos meus escritos. Ontem mesmo, por exemplo, fiquei a saber que um conhecido jornalista e comentarista, tido como pessoa impoluta e rigorosa nas suas apreciações, personalidade da ponta esquerda do espectro e outrora perseguido pela Pide, estava igualmente entre a rapaziada com casa atribuída.

Deve estar legal, como todos eles! E não me admiraria nada que fossem encontrados também, no mesmo saco, elementos ligados, de uma forma ou de outra, à própria Justiça...

A manjedoura é larga.

Tenho fortes dúvidas quanto ao resultado da devassa, em termos legais, de eventuais castigos ou indemnizações. Mas ficaria muito satisfeito se o António Costa, a H. Roseta e o Sá Fernandes conseguissem a aprovação de normas decentes e rigorosas para as futuras atribuições de casas da Câmara de Lisboa. Do mal, o menos.

Por último, duas perguntas:

Que se passará, neste contexto, quanto às restantes câmaras do País, embora em escala à medida das suas dimensões e importância?

Alguém se importará de averiguar, ou estarão todos à espera, como aconteceu neste caso, como acontece sempre, que se zanguem as comadres para se saberem as verdades?

SISTEMAS RADICAIS DE CONVIVÊNCIA

O capitalismo mal controlado

O capitalismo já deu inúmeras provas de sobrevivência às crises mais diversas, algumas passadas no século XX e que deixaram marcas profundas nas sociedades atingidas. A sua última vitória, talvez a mais importante de sempre, foi a catastrófica, inesperada destruição do sistema comunista soviético que, a certa altura, parecia invencível e ameaçava fazer ruir a organização tradicional da economia mundial. Mas algumas lições deveriam ter sido extraídas dessa luta de sistemas que opunham a liberdade plena dos mercados ao seu total dirigismo. Pelo contrário, entrou-se no elogio simplório que decorre sempre das vitórias difíceis.

Poderia ter-se escolhido, hipoteticamente, uma terceira via ou coisa semelhante, com agora está na moda dizer-se. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Nem capitalismo selvagem, nem comunismo feroz. Provavelmente, no meio destes dois pólos estaria a verdade de vida em paz e felicidade que o mundo procura e nunca mais encontra.

Por quê? Talvez porque as criaturas insistem sempre no radicalismo de opiniões, na convicção de que a razão lhes assiste na íntegra, como um dogma, o cúmulo dos tais princípios de que não se deve prescindir, mesmo à custa da própria vida. Esse radicalismo é a razão das razões, o princípio de todas as religiões, a causa de todas as guerras e a origem de todas as desgraças da Humanidade. Foi ele que, desde Adão e Eva até hoje, se serviu de todas as barbaridades em seu proveito.

Milhares de anos decorridos desde sentença radical passada por Caim a Abel, o Género Humano ainda não conseguiu compreender a lição que se impunha e continua a tirar a liberdade a quem não concorda, em proveito da sua própria liberdade total, por vezes selvagem. O método pouco importa.

O capitalismo também parece, ele próprio, nunca mais aprender com as crises que quase periodicamente o acometem. A ânsia de dinheiro e de poder que uns quantos exageram até ao limite, cometendo para isso atropelos imorais engenhosos, sobreleva-se sempre à humildade e ao sofrimento dos milhões de deserdados e esquecidos do costume estes agora, mais que nunca, afundados na sua insignificância e na sua impotência, depois do desastre do seu próprio radicalismo, o soviético ou similares.

Provavelmente, num simples controlo eficaz desse tal exagero de capitalismo imoral poderia estar a solução de muitos males de que a nossa sociedade padece e das crises financeiras que aparecem, com todas as desgraças decorrentes. Da crise actual, igualmente.

Nesta época em que a palavra globalização atinge a sua expressão mais generalizada, com a sua aplicação à informação, à finança, ao comércio, ao desporto, ao ensino, a quase tudo, parece evidente que a vida privada cada vez mais vai deixar de sê-lo, condicionada indirectamente por tantos parâmetros que escapam ao controlo individual. E assim, a curto ou médio prazo, se não acordarmos a tempo, teremos de novo um outro radicalismo vencedor, uma anacrónica e subtil tirania imposta livremente aos cidadãos, em oposição à vencida tirania directa imposta pelos sovietes. E possivelmente de consequências imprevisíveis, muito mais gravosas.

Já cá não estarei para ver.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

JARDIM-DE-INFÂNCIA

Cenário de violência


Numa cidade tranquila de província, logo de manhã, um polícia, ainda jovem, sacou da pistola e matou uma mulher, num jardim-de-infância. Não foi um caso de eficácia passado em algum desses assaltos que vai havendo por aí, nem a mulher era dessas que as notícias, ou os anúncios, expõem à mórbida curiosidade pública.

Àquela hora, ainda não eram oito e meia, o polícia entrou no edifício, onde a sua mulher era funcionária de limpeza e cumpria normalmente as suas obrigações, acompanhada do filho do casal, de sete anos, e disparou-lhe à queima-roupa.

Para além do acto tresloucado do indivíduo, outras circunstâncias impressionam ainda e deixam pensativos os cidadãos comuns: o sangue frio com que ele foi perpetrado, o facto de o homicida ser um polícia de vinte e nove anos, a presença do filho, a insistência, com certa frequência, no crime passional violento, sobretudo contra mulheres.

Há por aí a ideia de que elas estão cada vez mais a ser as vítimas indefesas da brutalidade, também cada vez mais assanhada, dos maridos ou companheiros e não sei se será mesmo assim. De alguns anos a esta parte, a Justiça tem-se ocupado mais a sério destes casos de violência doméstica. Antigamente ela mesma quase sempre desculpava aos machos, nas épocas em que a mulher era objecto, no mínimo escrava de sua inteira propriedade. Aos poucos, essa mentalidade foi-se modificando paralelamente com a educação e a independência económica dos elementos do sexo fraco mas, mesmo assim, nem sempre a força dos argumentos da mulher é suficiente para contrapor aos argumentos da força bruta masculina e a certos preconceitos que ainda perduram. Provavelmente, haverá hoje menos casos de violência doméstica que antigamente mas, em contraposição, são mais noticiados e expostos. Será assim? E, mesmo assim, são muitos.

Seja como for, geralmente, os filhos dos casais, quando não são vítimas directas, fisicamente, acabam sendo vítimas económica, moral, psicologicamente para uma vida inteira. Como poderão esquecer e livrar-se do pesadelo? Os restantes familiares ficarão igualmente marcados pela recordação e os seus trágicos efeitos.

Impressiona também, neste caso, o facto de o agressor ser um jovem, polícia de profissão, e usar, para cometer o crime, a sua arma, embora seja frequente a utilização, pelos homicidas, da sua ferramenta de trabalho, a que está à mão, a mais disponível...

Que terá passado pela cabeça deste psicopata, para tratar tão drasticamente uma situação de recente separação conjugal, ao que parece provocada pelas suas frequentes agressões à consorte? Neste caso, ela não teve sorte nenhuma.

Dá que pensar, igualmente, o facto de tratar-se de um elemento das forças policiais. Ultimamente têm-se registado casos de agressão mortal por agentes da Polícia e da GNR, e até alguns suicídios, situações que vão minando a confiança do cidadão comum nos elementos da sociedade encarregados de ajudá-los, protegê-los e defendê-los.

É humano, dirão alguns. Certo. Que haverá, nesta insondável alma que nos anima, que não seja? E contudo, às vezes, o género humano consegue portar-se pior que muitos animais.

O jardim-de-infância foi encerrado por alguns dias, devido ao estado de choque que se estabeleceu entre os funcionários. Era cedo, as carrinhas que iriam trazer as crianças estavam de partida, quando se deu a ocorrência. Simples coincidência, ou premeditação do homicida? Já pouco importa.

O certo é que não estava previsto que jardins-de-infância viessem a ser cenários de acontecimentos impróprios para adultos, quanto mais para crianças...

domingo, 28 de setembro de 2008

À FALTA DE MELHOR


O que se diz por aí


À falta de melhor, é interessante ir observando o que se faz ou diz por aí, aquilo que os jornais falados e escritos se entretêm a publicitar, para «encher chouriços», como diria o Ti Manel de Alguidares de Baixo, que Deus haja. Claro que, num extenso periódico, as páginas são, por vezes, bem difíceis de encher, mesmo para os profissionais, sobretudo quando não há com quê, mas fatalmente, nessas alturas em que as verdadeiras notícias não abundam, aparece sempre qualquer coisa feita à medida, nem que seja uma daquelas evidências de La Palisse a que muita gente acha graça e a restante engole, muito atenta, veneradora e obrigada, sem dar por ela...

Não devia ser assim, porque tempo é dinheiro, o papel está caro e as notícias, bem escritas e espremidas, cabiam todas numa página só mas, paciência!

Ontem, por exemplo, foi o dia do badalado boicote às bombas de gasolina, com o seu quê de caricatura primária. A coisa não deu para o «pitrol».

Os visados eram principalmente a Galp, a Repsol e a BP, especialmente a primeira, mas os prejudicados seriam, nesta operação e de uma forma mais directa, os revendedores. Claro, no fundo da questão, como ninguém deixa de meter gasolina para as suas necessidades e só muda o dia do abastecimento, o protesto foi a fingir, foi uma autêntica palhaçada! Que me perdoem os promotores e os que caíram na promoção!

Parece que a maioria da população já se apercebeu mesmo disso e descartou a possibilidade de dar protagonismo a uns quantos promotores apressados do anacrónico boicote. Esteve-se ralando para o aviso! Outros automobilistas, para não serem apelidados de «fura-greves», encheram os depósitos na véspera ou no dia seguinte. Ora tudo isto deu um gozo enorme às gasolineiras e aos postos de abastecimento evitando, ainda por cima, o congestionamento habitual do fim-de-semana. Finalmente, uns quantos abencerrages cumpriram religiosamente a greve do sábado e foram, logo de manhãzinha, no domingo, atestar o depósito para o passeio habitual com a família.

Mas há mais! Enquanto a maioria protesta na esquina ou entre paredes, mas não está para se ralar, uma minoria dá-se conta de que assim, com protestos destes, a fingir, não vai longe, e os mais sabichões também começam a interiorizar que essa não é a melhor forma de pressionar o governo a intervir. A pouco e pouco, as gentes vão sabendo que há leis na concorrência, dentro da CE, e há ordens desta que os governos têm que cumprir, ou saem fora da carroça!

Longe vão os tempos em que, na Europa e em Portugal, um governo determinava o preço dos combustíveis, tal como o preço da batata! Hoje os governos da CE não podem fixar o preço da batata, nem o dos combustíveis, a seu bel-prazer. Feliz ou infelizmente.

Só há, pois, duas formas realistas de convencer os senhores das gasolinas a baixar os preços: ou fazer baixar o preço do petróleo bruto, o que não está nas nossas mãos, ou andar a pé, de bicicleta ou de transportes públicos, diminuindo drasticamente o consumo. Mas porque será que ninguém anda?

Certo que muitos não podem, e estão desculpados, mas a maioria, simplesmente, não quer. Habituou-se a andar comodamente de cu tremido, como diz a média baixa, a exibir o seu status, como faz a média alta, e nenhuma delas abdica, a menos que a carteira já não aguente mais. Pode ser que, finalmente, venha a ser este o grande remédio, não haver dinheiro para a gasolina.

Eventualmente, haveria ainda uma terceira forma de o governo fazer baixar o preço dos combustíveis, sem infringir as regras do jogo: baixar os impostos que sobre eles aplica. Mas isso seria entrar antecipadamente na falência do Tesouro, ou obrigar o mesmo Governo a lançar imediatamente outras taxas compensatórias, o que seria bem pior.

O certo é que, quando as carteiras estiverem vazias, a diminuição do consumo fará automaticamente baixar o preço. É assim que funciona a lei da concorrência que os comodistas não querem ver. E, quando os países estiverem falidos, o petróleo bruto descerá fatalmente do seu pedestal, fechando-se o círculo. De certeza, porém que, nessa altura, toda a estrutura de consumismo feroz e a todo o custo que agora conhecemos, e de que não queremos abdicar, já foi pelo cano abaixo! A crise que anda por aí não é só para inglês ver...

Até lá, alguns ainda se vão entretendo com bloqueios, a jogar às casinhas, ao berlinde, à bisca, ao sete e meio...quando não têm mais nada que fazer e enquanto a comidinha não lhes falta no prato. Era bem melhor que pensassem a sério, um bocadinho que fosse, e agissem também mais racionalmente, em vez de se deixar embalar em cantos de sereia. Lembrem-se de que a canção do bandido já soa cada vez mais para os lados das gasolineiras, o que não é bom sinal.

Além do mais, enquanto não ganharem o euromilhões, e embora o não creiam, faz bem, muito bem mesmo, andar a pé. Também é aconselhável poupar gasolina não andando sozinho nos automóveis e preferir, sempre que possível, os transportes públicos alternativos.

À falta de melhor remédio...

Haja Deus, como dizem os nossos irmãos brasileiros!

sábado, 27 de setembro de 2008

MAGALHÃES NA BERLINDA

Volta ao pequeno mundo

Desde que Magalhães, o transmontano de Sabrosa que outras localidades reclamam como seu filho, deu o pontapé de saída para a viagem marítima mais célebre da História da Humanidade, nunca mais o seu nome deixou de ser nomeado, nos quatro cantos da Terra. Mas, já antes dessa viagem espectacular, Magalhães era um andarilho. Tinha viajado, e combatido entretanto, no Brasil, na Índia, em Malaca, em Marrocos...Deixara um amigo para lá de Malaca, nas Ilhas das Especiarias, e enviara-lhe uma carta, propondo-se visitá-lo, mas viajando por Ocidente, dando a volta que Colombo não conseguira!
Coisa evidente, embora de morosa e complicada realização nos dias de hoje, isso era tão difícil, como irreal, à luz dos conhecimentos da época. Mas a História já lá vai e são incontáveis os livros publicados e as referências toponímicas em honra de Magalhães, no Mundo inteiro.
O Governo decidiu baptizar com o nome de Magalhães o novo portátil a introduzir nas Escolas. E, na minha óptica, fez muito bem, muito melhor do que chamar-lhe 325 ou Mata-melgas...ou HP, ou ASUS, ou outra coisa qualquer, porque de falta de autoestima já nós temos a dose suficiente. Mas cometeu uma imprudência infantil e fatal: anunciou o projecto de lançamento como produto nacional, fabricado em Matosinhos!
Mostrou assim o seu desconhecimento completo desse princípio comezinho da maledicência que inquina rapidamente a boa sociedade lusitana, sempre à espreita de oportunidade. Desta vez as vítimas foram o Governo, a ideia, o aparelho e quem o iria fabricar.
Ainda houve alguém que quis chamar a atenção para o genial Magalhães que na sua Pátria não conseguiu mais do que um pontapé no rabo e até teve a infelicidade de vir a ser assassinado nas Filipinas, depois de provar ao mundo, de uma vez por todas, que o Mundo era redondo... e que santos da Casa não fazem milagres.
O aviso não teve sucesso.
O Magalhães foi logo, à partida, tratado como uma propaganda governamental monstruosa, uma fraude completa, sobretudo porque elaborado, ainda por cima, com peças feitas aqui e ali, numa fabriqueta que era uma autêntica chafarica de oportunistas amparados em qualquer jogada ou amizade oculta de algum político, sem nada de nacional além da embalagem, etc...Realmente, nos dias de hoje, nenhuma fábrica de computadores se entretém a fabricar artesanalmente os seus componentes. Nem de computadores, nem de automóveis, nem de máquinas fotográficas! Nem de relógios! Até os suíços, especialistas em relógios artesanais, já deixaram de se ocupar dos modelos correntes, fabricados ao preço da chuva nos quatro cantos da Terra, passando a ocupar o tempo com modelos de altíssima qualidade e inovação tecnológica.
Os computadores são, hoje, imprescindíveis para tudo e para todos.
Ora o Magalhães, utilizando peças da conceituada Intel, como tantas outras marcas, não fez mais que elas, aplicando, sim, a montagem e o softwere próprio da firma de Matosinhos, já fabricante dos computadores da marca Tsunami, provavelmente tida e adquirida por muitos como japonesa! Parabéns à fábrica que concebeu, pôs em prática sem alardes, o sistema e vendeu ao Governo e ao exterior muitos milhares de exemplares de aparelhos, dando emprego a muitos compatriotas, divisas ao País, etc., etc. Alguns dirão ainda que também o faziam, que era fácil...mas não o fizeram!
Também o Magalhães, como ideia de ensino teve os seus contratempos e as suas maledicências. Foi dito à boca cheia que era um perigo, um alto risco moral para as crianças, uma forma de distraí-las da sua aprendizagem normal, mais uma sobrecarga para os professores e até para os pais, uma perda de tempo...finalmente um convite negativo ao desenvolvimento dos hábitos de leitura, e por aí fora.
Mas o Magalhães, tal como o genial e intrépido navegador, vai permitir ligar todas as escolas, mesmo em vários continentes, usando a banda larga em vez das naus, vai ser um auxiliar poderoso e actualizado na educação e na instrução das crianças, dando-lhes acesso e familiarizando-as com as novas tecnologias e com novos conhecimentos, aquilo que os seus avós e muitos dos seus pais nunca sonharam, e tudo com a ajuda preciosa e fundamental do Estado, coisa nunca vista! Argumentar, ainda para cúmulo, que o Magalhães desvia as crianças de hábitos de leitura, nos dias de hoje, é pouco menos que ridículo!
As notícias de hoje contavam que, antes da meia noite, havia filas junto da FNAC do Centro Comercial Colombo, muito antes desta iniciar a distribuição das primeiras unidades a valores de venda promocionais. Já de manhã, outras lojas tinham iniciado também a venda com enorme procura havendo, nas filas, pais que esperavam comprar o aparelho como prenda de anos, para incentivar os filhos mais pequenos...
Logo também alguém se referiu a propaganda bem montada...e mais alguém a caça de votos...e ainda mais alguém a falta de programação eficaz do sistema de distribuição ao público e possivelmente nas escolas...e ao lucro que alguém teria...
Faltará dizer, dentro de dias ou meses, que o computador é de fraca qualidade, que não se tira proveito dele, que faltam peças, que falta rede, que falta formação aos professores...que tudo foi um gasto inútil...
Que mais virá por aí, que ainda estamos no começo da enorme Aventura, do grande Projecto de Magalhães!?
As crónicas da época de 500 bem se referiram às maledicências e aos boatos que corriam em Sevilha e arredores, durante a construção das naus, antes da sua largada e depois dela, e ainda, mesmo depois da chegada de Sebastián del Cano, tentando alguns elementos da tripulação reclamar os louros e outros deitar lama quanto baste sobre Magalhães!
E por cá ainda as coisas foram piores! Durante muitos anos, a memória da família de Magalhães foi quase proscrita, ninguém sabe por quê, imaginando-se alguma rivalidade política. Depois da grande viagem, durante alguns anos, tratou-se ainda Magalhães como traidor, chegando a ocultar-se a verdadeira origem da família.
Aqui ficam algumas das minhas impressões de viagem pelo pequeno mundo português onde Magalhães nasceu, cresceu, se fez homem, estudou e navegou, pelo qual se esforçou e combateu, não conseguindo, no entanto, apesar de todo o seu voluntarismo e coragem, aguentar as dificuldades mais mesquinhas que lhe puseram pela frente, na realização do seu grandioso projecto...
E depois de morto, como sempre acontece...

SÃO ROSAS, SENHOR!


Jardim dos milagres


Segundo uma lenda histórica da qual há várias versões e que vou contar simplesmente à minha maneira, andava D. Dinis muito preocupado com as dádivas que a caritativa Rainha D. Isabel, sua esposa, fazia à socapa, segundo diziam as más-línguas agarradas ao poder, aos desgraçados que encontrava por onde passava. A Rainha era uma mãos largas!

Aquilo era demais.

Havia que pôr termo àqueles exageros de sua esposa que, quando interrogada, negava sempre tal coisa. Até que um dia, D. Dinis caçou a suspeita, quando se dirigia, com o regaço cheio de moedas de ouro, a exercer uma das suas obras de caridade, isto é, com a mão na massa, e increpou-a, entre incrédulo e ansioso, como qualquer marido enganado:

-Que levais aí, escondido no regaço, Senhora?

E ela, com a maior naturalidade que um santo pode ter:

-São rosas, Senhor! São rosas!...

E eram! Fizera-se o milagre de transformar dinheiro em flores, para espanto do rei, dos cortesãos que o acompanhavam, das aias da rainha e dos mendigos que esperavam já a esmola, de mão estendida e ficaram, dessa vez, a ver navios.

Não interessam mais pormenores como, por exemplo, se eram moedas ou pão comprado com moedas, etc. A frase é que interessa!

A Rainha Isabel foi mais tarde (1625) canonizada e é a Santa Padroeira da Cidade de Coimbra, antiga capital do reino, célebre também pela sua Universidade, fundada pelo rei D. Dinis, em Lisboa, no ano de 1290, sob o nome de Estudos Gerais!

Ora foi na Universidade de Coimbra que cursaram, durante mais de sete séculos, os sábios da Nação. E também os homens públicos de maior valor que o país teve, em todos os domínios do saber. Incluindo os políticos!

De qualquer modo, quem não se lembra, para não ir mais atrás, dos numerosos políticos portugueses do século XIX, vilipendiados e elogiados, presos e adorados, eleitos e destituídos à vez? E dos do século XX, entre eles os fundadores da República e um que ocupou as cadeiras do poder por quase cinquenta anos, deixou os cofres cheios de ouro e o país ainda mais cheio de analfabetos?

Foi também no século XX que estudaram em Coimbra, algumas figuras de prestígio da nossa vida política actual, recebendo os diplomas com o selo branco da efígie de D. Dinis.

Mas Coimbra não é conhecida apenas pela Universidade do rei D. Dinis e pela Rainha Santa Isabel ou os Conventos de Santa Clara, mas também, a outro nível, pelos estudantes, as suas repúblicas, as suas borgas, as suas praxes.

E alguns desses estudantes ficaram célebres em Coimbra, uns pelo seu valor nos estudos, outros pelo fado coimbrão que tão bem souberam interpretar e outros ainda, pela sua vida estudantil boémia,durante o curso, as anedotas, etc.

Há dias, uma notícia trivial de um Diário, trouxe-me à memória a Coimbra do milagre das rosas, das cenas da praxe e da vida boémia das repúblicas, a propósito de um antigo estudante coimbrão que há trinta anos comanda sem discussão a nossa Ilha Jardim do Atlântico. Há um tempo que o Ministério Público vem investigando certa promiscuidade entre o Governo Regional e aos clubes de futebol na Madeira. As notícias dão conta de que dirigentes desportivos dos clubes madeirenses são arguidos em processos relacionados com fuga ao fisco e branqueamento de capitais. Um jornalista, apanhando Jardim a jeito, na recepção ao Marítimo, de partida para o jogo da taça UEFA, perguntou como comentava as notícias.

Apanhado em flagrante, como a Rainha Santa, Jardim respondeu com o milagre possível:

-São chachadas, senhor! São chachadas!

Já não se pode levar nada a sério, nos dias de hoje


quinta-feira, 25 de setembro de 2008

ASSALTOS, SALTOS E RESSALTOS

Mais do que permitia a força humana

Agora, infelizmente, os «gangs» estão na berlinda! Os brasileiros chamam-lhes ganga...

Porque andam vestidos de ganga? Não, por certo. Mas, por cá, está a ser utilizada também uma derivação da palavra inglesa que significa bando, quadrilha de ladrões e malfeitores, o gangue. Dantes dizia-se também bandidos, salteadores, etc., etc., mas isso já lá vai.

Ao ler os periódicos da nossa praça, deparamos sempre com as fatídicas letras garrafais, de uma ponta à outra. Baptizaram gangues para todos os gostos: do Multibanco, das gasolineiras, dos ourives, dos telemóveis, da Maria Cachucha, etc.

Gangues para aqui, gangues para ali, as páginas dos ditos vão ficando cheias de gangues, quase tantos como as ruas de Lisboa, Porto e Setúbal, incluindo os arredores, já se vê. Estão na moda por estes sítios! Um pouco menos, mas já se fazendo notados, os gangues começam também a proliferar na Província e estão-se ralando para as questões de linguística, acordos ortográficos e outras pepineiras pois, para eles, valores mais altos se levantam, embora dos Lusíadas e de Luis de Camões não percebam a ponta de um chavelho. Ensinar-lhes, valha a verdade, seria uma pura perda de tempo, talvez como atirar pérolas a porcos, como diz um conhecido ditado popular!

Os valores mais altos, para os gangues de máscara, ganga e pistola, não estão na literatura, mas levantam-se nos bancos e nas carrinhas de valores, e aí vão eles ao assalto desses tesouros...

A polícia vê-se e deseja-se para lhes dar caça. Às vezes tem sucesso, o que nos deixa tristes a todos, porque desejamos ardentemente que tenha sempre!

Em Maio, dois salteadores foram capturados num prédio de apartamentos, quando fugiam, e outros dois tiveram a ideia luminosa de escapar, saltando de um 4º andar, fazendo jus aos altos voos a que se haviam habituado. Mas foi mais do que permitia a força humana, com diria de novo o clarividente Camões, e caíram também nas mãos da polícia. Para um dos saltadores, foi salto mortal. Donde ficou igualmente demonstrado que os salteadores nem sempre são bons saltadores, como acontecia antigamente.

Pois agora, ontem mesmo, no ressalto de outro assalto, foram apanhados os quatro restantes assaltantes encartados da pandilha, que andavam a salto!

Resultado, ficou no chilindró todo o gangue das carrinhas, para utilizar a nova terminologia jornalística agora na moda.

Há modas e gangues do arco-da-velha!

GRANDES NOTÍCIAS


Pequenos factos

Há dias, um periódico noticiava, num oitavo de página, com letra gorda de tamanho médio, no título, um facto bem singular.

Um passageiro da TAP tinha sido apanhado a fumar, na casa de banho do avião.

Seguia-se a descrição completa, cheia de pormenores, desde a desconfiança da hospedeira de bordo, à pesquisa, à descoberta, à surpresa de um passageiro vizinho do criminoso e à recriminação deste, à denúncia e acusação ao comandante, etc.

Dava-se, no final, grande ênfase ao profissionalismo da hospedeira, na fiscalização da observância do rigoroso e louvável cumprimento da lei do tabaco que proíbe o fumo em recintos fechados, ao procedimento laxista do capitão que, ocupado ou atrapalhado com a navegação da aeronave, se limitou a encolher os ombros, como quem diz: não me chateies, tenho mais que fazer!

Mas cumpra-se a lei.

Seguiam-se algumas outras considerações sobre o grandioso evento a que não faltava, a completar a notícia, um comentário sobre a possível perigosidade, para o avião e os passageiros, do fumo no WC do avião. Não se explicava por quê. Outras operações, naquele lugar, fazem mais fumo e nem por isso são consideradas perigosas... Mas posso estar enganado.

Enfim, caricaturas!

Não sei, efectivamente, se o perigo existe ou não, se o capitão temia entrar nalgum poço de ar, naquele momento, se algum passageiro aflito se queixara amargamente dos restos de fumo que eventualmente encontrara no W.C., sem dar tempo a que o exaustor pudesse realizar completamente a sua tarefa, se o criminoso não lavou a boca e as mãos, antes de sair e ir sentar-se na sua cadeira, ou se a hospedeira achou que ele era feio demais para o seu gosto. A verdade é que poderia estar aqui até amanhã a escrever linhas e linhas de interrogações, motivos e respostas a esta e outras questões parecidas, de forma a fazer um texto de várias páginas, seguindo a lógica do jornalista cusco autor da notícia bombástica. Só faltou uma particularidade, à redacção da notícia, que fica no ar, para os leitores descobrirem, nas horas vagas: indicar como é que ele soube do caso. Mas era pedir demais.

Todos sabemos que o segredo das fontes é sagrado, tanto nas grandes como nas pequenas notícias. E nos aviões da TAP creio que ainda não está autorizado o uso dos telemóveis, muito menos, portanto, poderá haver escutas telefónicas. A única excepção são as comunicações do comandante às torres de comando dos aeroportos que ficam registadas também nas caixas negras...Assim, só quando o avião cair, um dia (o diabo seja surdo e mudo!) ou for levado para a sucata, é que ficará a conhecer-se a verdadeira resposta do capitão à zelosa hospedeira de bordo.

O que nos leva a concluir que o país está todo minado de informadores que passam os segredos ao periódico que melhor paga. Provavelmente, como acontecia com os informadores da PIDE-DGS, em que cada agente possuía a sua carteira de servos, os jornalistas devem ter, cada um, a sua agenda cheia de cifras das fontes seguras. A verdade é que, deste modo, nenhum cidadão já está seguro, neste país, desde as mais altas esferas do poder, aos tribunais, às repartições públicas, às escolas, aos restaurantes, aos aviões e às casas de banho! Tudo é vasculhado, a seu tempo! E publicado!

E anda tanta gente preocupada com a defesa dos direitos dos cidadãos que não se apercebe desta intromissão abusiva da imprensa na sua vida particular! Bastavam os tablóides, mas agora também os outros jornais lhe apanharam o jeito. Já um simples peão não pode enviar um fax, tranquilamente, de uma casa de banho se, inadvertida e simultaneamente, se lembrar de dar uma passinha...

Por isso, alguém já disse que, quanto maior é o alarido, menos vale a notícia. É como uma grande parangona publicitária...ou a conhecida publicidade enganosa que só agora, por milagre, foi descoberta. Mas as coisas boas que conhecemos dispensam a publicidade da imprensa.

Tudo evolui, hoje, a uma velocidade espantosa. Os microfones ocultos nos ramos de flores das embaixadas, ou os fios telefónicos encobertos no soalho do gabinete do procurador Cunha Rodrigues há muito passaram à história. E parece que foi ontem.

As histórias agora são outras, mais pequenas, mais mexerucas, mas igualmente de grande publicidade, cada vez de maior publicidade! E ainda há aparelhos de vídeo e sensores por toda a parte, a complementar a tal carteira das fontes...

Mas, se não fosse assim, enchendo os jornais com as coisas menos relevantes, as fofocas, as entrevistas mais ridículas e inúteis, a publicidade erótica e tantas outras aberrações, como arranjariam emprego os novos jornalistas que saem às carradas das nossas universidades, poços insondáveis de cultura e ciência onde a Matemática, a Física, a Química, a Biologia, a Medicina são parentes pobres?

Cumpra-se a lei, às segundas quartas e sextas. Os outros dias são férias.

Força, diários deste país!

Avante, TAP!

Avante, Portugal!

terça-feira, 23 de setembro de 2008

FINLÂNDIA A PRETO E BRANCO

Um atirador frio

A Finlândia é país da Educação exemplar, da Tecnologia avançada, das Finanças equilibradas, da Democracia sem falhas, do pleno Emprego e da elevada Qualidade de Vida. Está situado numa região inóspita, de florestas monótonas, lagos quase intransponíveis ou incómodos, gelos quase eternos, sol de fraca intensidade e dias opacos...
Parte do território afunila-se na direcção do Pólo Norte, só habitada ou quase, por lapões, gente tão silenciosa como as renas e a paisagem que rodeia ambos, no convívio precário apenas estimulado por uma estranha e necessária simbiose, acarinhada pelo sol da meia-noite.
Outra parte do território povoa-se de florestas e lagos, salpicado aqui e ali por raras cidades ou pequenas povoações isoladas fisicamente do resto do mundo, de comunicação difícil entre si.
A parte sul do território, que confina com o Báltico, de clima menos agreste, foi durante séculos disputada entre finlandeses, russos e suecos.
A Finlândia tornou-se independente da Suécia apenas no início do século XX, adoptando oficialmente a língua suomi (o principal dialecto do finlandês), mas mantendo a utilização do sueco como segundo idioma. Na segunda guerra mundial combateu desesperadamente, com o auxílio dos alemães, contra o Imperialismo Soviético, perdendo contudo, para este, uma importante faixa de território do litoral, e ficando sujeita a pesadíssima indemnização.
A luta deste povo de cinco milhões de habitantes contra os gigantescos vizinhos é uma epopeia difícil de igualar. Mesmo depois da guerra, poucos na Europa acreditavam já na sua sobrevivência, e na capacidade de pagamento da pesada dívida imposta. E no entanto, com uma heroicidade e um sacrifício exemplares, a Finlândia sobreviveu, educou-se, progrediu e fez-se respeitada no concerto das nações, através do conhecimento científico promovido pelas suas universidades, da arquitectura, do comércio naval, da alta tecnologia em geral e, ultimamente, da Nokia...a empresa multinacional que criou e desenvolveu de tal maneira o telemóvel de um país de pequena população que desancou a concorrência e invadiu o mundo inteiro!
Em Portugal, como noutros países, a Finlândia tornou-se o paradigma, o exemplo a seguir para a obtenção de uma elevada qualidade de vida, de um PIB elevado...Na reforma do nosso sistema de ensino também isso foi referenciado todos os dias, como o que devia ser copiado, implementado, custasse o que custasse, com o calor necessário que é sugerido pelo nosso clima e que a nossa gente às vezes põe em prática.
Mas o clima e o isolamento das populações, na Finlândia, são provavelmente algumas das razões principais do seu raciocínio, tão frio e determinado. Falta-lhes a cultura de proximidade e o calor que as tornam verdadeiramente sensíveis, eu diria mesmo, humanas, completamente.
Ocorre-me lembrar que, num animado almoço de confraternização em Jonkonping, na Suécia, um conceituado e delicadíssimo engenheiro, natural da Lapónia, quase não abriu a boca, durante mais de duas horas. E os colegas apressaram-se a explicar que lá, nesses confins da Terra, a postura normal, a vida inteira, era mesmo aquela...
Por algum motivo os Nórdicos, com excelentes níveis de vida, são das gentes que maior número de suicídios dá para as estatísticas.
Há cerca de um ano, um aluno, numa escola a cerca de quarenta quilómetros de Helsínquia, matou oito colegas e suicidou-se com uma arma de fogo, sem motivo aparente, colocando todo o país em estado de choque.
Hoje mesmo, um outro aluno, com vinte e dois anos, frequentando a escola superior de Hotelaria e Restauração de uma cidadezinha a duzentos quilómetros da capital, preparou, a frio uma cena semelhante. Fez correr no Youtube um vídeo em que exercitava a sua pontaria com uma pistola semi-automática e, num país de dois milhões de armas registadas para os cinco milhões de civilizados cidadãos, a polícia, depois de um interrogatório de exploração, não deu grande importância ao facto que achou normal. O pior veio a suceder depois.
O indivíduo, vestido de negro e armado da sua arma e vários carregadores de balas de calibre 22, executou, apontando e disparando calmamente o engenho, o assassinato de dez alunos, suicidando-se em seguida.
Qual o motivo, ninguém sabe, pois o director da escola e os colegas deram dele boas referências à polícia.
E porque se vestiu de negro, no país das neves, onde os próprios soldados combatem de fardas brancas?
Nem tudo, na natureza humana, é linear, mesmo nos países que por vezes consideramos mais avançados. É preciso, sempre, dizer em quê.

POLITIQUICE E GOLPES BAIXOS

Está quase a abrir a época de caça


Neste nosso país de brandos costumes, como é dito a torto e a direito, a politiquice e o golpe baixo (sempre juntas) nunca estiveram guardados na gaveta, fechados a sete chaves, como foi afirmado de certo programa, mas foram sempre libertados a conta-gotas durante os tempos de acalmia política.

Tudo funciona como na época de caça.

Guardam-se as armas, depois de bem limpas e oleadas, e os cartuchos, tudo a salvo em lugar seco, numa gaveta bem fechada, num armário seguro, e mandam-se os cães para a casota ou para umas sessões de treino, até à próxima temporada.

Mas, aproximando-se a abertura da caça, é costume dar uma espreitadela ao armário e à gaveta, a ver se está tudo ainda em ordem, vão-se riscando dias no calendário até que...pum!...chega o dia, começam os disparos por aí, a assustar a passarada, os coelhinhos tranquilos e a rara caça grossa que ainda resta.

Os caçadores, às vezes, acertam, que alguns são profissionais de calibre. Mas outros, coitados, são amadores sem estofo ou velhotes que teimam em distrair-se dando alguns tiros para o ar, sem consequências.

São todos muito felizes, nessa altura, fazem as suas patuscadas, contam as suas peripécias, verdadeiras ou inventadas, aos amigos e às esposas. E as infelizes lá cozinham o coelho à caçadora ou os passarinhos fritos...Claro, a verdade é que isso agora está já a passar de moda, e vale mais, pois sai barato e não dá tanto trabalho nem chatices, encomendar tudo no restaurante, típico a fingir, que existe ali à esquina.

Também na política caseira a gaveta das armas e dos cartuchos começa a abrir-se aos soluços, um pouco mais nesta altura, até que fica totalmente escancarada com a época de eleições em pleno.

Os políticos começaram já a ler as instruções e os regulamentos, pondo à vista, memorizando nas horas vagas os papéis escondidos com as dicas religiosamente coleccionadas durante o defeso para usar na próxima oportunidade.

A um ano das eleições legislativas e, para entreter enquanto não abre a época oficial de caça, os espertalhões da política iniciaram já uma temporada de treino de tiro aos pratos...e eventualmente a alguns patos que vagueiam desprevenidos, por aí.

Vale a pena lançar uma olhadela aos cartuchos e ao calibre das armas que vão sendo utilizadas nesta fase, sabendo de antemão que ninguém gosta de perder, mesmo aos pontos, mesmo num jogo a feijões.

Nestes últimos três dias decidi passar pelo clube de tiro e ver como ia o treino, tirando alguns apontamentos. Nestas sessões a que assisti só havia um alvo e várias equipas de atiradores determinados, fazendo a pontaria à rodelinha rosa do centro. Memorizei os seguintes tiros, especialmente o último, o que deu mais pontos ao seu atirador:

PSD: Passos Coelho adverte que a “rentrée” precisa de acelerar 20.09.2008

PSD acusa Governo de não ter “força nem capacidade” para fazer mudanças 21.09.2008

Jerónimo diz que PS deixou de ter legitimidade para pedir voto dos trabalhadores 21.09.2008

António Borges acusa Sócrates de não reconhecer “incompetência” de alguns ministros 20.09.2008

Líder da JS acusa Manuel Alegre de pretender “dar lições de moral” aos jovens 19.09.2008

Ministro da Economia recebeu 300 mil euros do presidente da AdC em adiantamento por apartamento 20.09.2008

Jardim diz que Sócrates é uma "pessoa sem vergonha"

“Ainda há poucos dias, a líder do maior partido da oposição denunciou o clima de falta de liberdade e de intimidação que existe em Portugal. Aqui, nunca houve nada disso mas como o senhor Sócrates é mentiroso, [esta] é mais uma mentira dele”, concluiu.

A politiquice chega, como toda a gente sabe, a todos os partidos, embora em cada um deles haja personalidades mais especializadas nessa arma, muitas vezes lançando mão de golpes baixos, imitando os caçadores furtivos.

Se tiver pachorra para isso, numa outra sessão de tiro a que assista, vou privilegiar a habilidade de um atirador que, segundo rezam as crónicas, faz a pontaria a vários alvos, de cada vez, o que parece, à primeira vista, contrariar as leis da física.

Mas isso é possível, porque estão mesmo a jeito...

E na política não há impossíveis

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

LEITE CONTAMINADO COM MELAMINA

A simbiose indesejada

Todo o mundo desejaria saber como esta estranha substância vem parar ao leite utilizado pelos bebés chineses, mas quem sabe está bem caladinho. As autoridades chinesas, como todas as outras quando estes acidentes acontecem, mandam fazer análises a tudo o que mexe, proíbem o uso de certas marcas de leite, tentam acalmar as populações, mas ficam por aí, ao menos por enquanto, não obstante, ao que parece, a origem do caso já remontar ao mês de Março, não tendo sido publicitado devido aos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Pequim...
Mistérios do Oriente. Influências tradicionais dos mandarins ou de Mao Tze Tung.
A verdade é que a relação entre a tão conhecida melamina e o leite não é assim tão aberrante, porque ela faz parte dos lactoplásticos, obtidos a partir da caseína, por processos químicos há muito conhecidos, etc. Aberrante será a forma como esta inquinação teve lugar e que é preciso investigar. Ou se existe algum acto de malvadez por aí, coisa que igualmente é muito importante saber.
Os analistas descobrem agora que a maioria dos leites tratados industrialmente, na China, contêm até 8 miligramas por litro de melamina, uma dose que só terá efeitos maléficos nos adultos que consumam diariamente 2 litros, mas que nos bebés não é nada inócua, causando distúrbios graves de vária ordem, especialmente no sistema renal.
Alguém, mais esperto e conhecedor que eu, escreveu já, algures, que a adição da melamina, ao leite diluído, mascarava a sua deficiência de proteínas, substâncias alimentares azotadas por excelência e fundamentais ao desenvolvimento das crianças. Tratando-se de uma molécula rica em átomos de azoto, faria aumentar a percentagem deste elemento identificativo das proteínas, dando consistência ao leite e falseando as análises correntes.
Ocorre então perguntar que garantia darão aos cidadãos, no futuro, os Controlos de Qualidade Oficiais dos diferentes países?
Uma notícia de ontem referia que em Hong-Kong fora detectada melamina em quantidades mínimas embora, nos leites preparados e vendidos ali pela Nestlé, companhia conhecida em todo o mundo pela sua dimensão e pelo rigor posto na preparação e análise dos seus produtos. E em face disto, não será lógico suspeitar da extensão do problema ao mundo inteiro? A maioria dos países ocidentais está alerta.
Entretanto, na China, alguns bebés já morreram e largas dezenas de milhar estão internados, sendo enorme e bem compreensível o pânico das populações.
Qualquer que seja a evolução dos acontecimentos e os resultados das investigações que estão sendo levadas a cabo por esse mundo fora, a lição a tirar é a mesma de sempre: as prevenções falham e só depois dos acontecimentos é que as eventuais soluções aparecem. Tarde e a más horas, que as mortes e os sofrimentos não poderão jamais ser redimidos.

sábado, 20 de setembro de 2008

DEPUTADOS SEM COMUNICAÇÕES

Cortaram-lhes o pio!
Só através de uma notícia posta ontem a circular é que soube que a Assembleia da República proporcionava aos senhores deputados o benefício de usufruirem de serviço de telemóvel gratuito, das três redes nacionais: A TMN, a Vodafone e a Optimus. As companhias parece que se têm portado sem lugar a reparos, até ontem, como vamos ver, pela seguinte nota da LUSA:
«Lisboa, 19 Set (Lusa) - Os deputados da Assembleia da República (AR) com telemóveis fornecidos pela operadora móvel Vodafone, viram hoje o serviço ser cortado durante uma parte da manhã por falta de pagamento da factura de Julho.»
Com as Empresas Privadas é assim, ou assim parece que é! Também com os Organismos Públicos parece ser assim...ou é mesmo?
Na verdade, se isto não é caricato, pouco menos! Vejamos o que se passa, na generalidade dos casos.
De um lado, o atraso frequente, quase sistemático e laxista nos pagamentos por parte do Estado, sem a mínima desculpa, é um facto. O Estado tem sempre suspensa da cabeça dos cidadãos a espada de Damocles. Exige o cumprimento na data precisa com coimas previstas à partida, de acordo com a lei (feita por ele próprio), com eficácia, sem um engano. O Estado é a Lei, a Polícia, a Justiça e, finalmente o cangalheiro dos cidadãos, depois de ter tirado proveito de todos eles, com impostos colhidos ao longo de toda a vida!
Do outro lado, humildemente, funciona o esforço, o zelo e a esperteza dos Privados para escapar ao corte do pescoço, espreitando ainda a possibilidade remota e difícil de fazer a sua vingançazinha do chinês...
Na realidade, que poderão eles exigir ao Estado? Quando muito, solicitar os pagamentos atrasados que lhes são devidos, chorar pelo aumento de alguns direitos essenciais, manifestar-se nas ruas, quando não é proibido, e pouco mais.
Sei que não estou a ser cem por cento correcto, nestas afirmações, nem pouco mais ou menos. Mas pouco importa, estou a divertir-me.
Realmente, é necessário ser esperto e aventureiro, para actuar como fez a Vodafone, cortando o pio aos senhores deputados. Não está ao alcance de qualquer um!
Mas foi remédio eficaz, desta vez.
O responsável de Relações Públicas da Assembleia explicou à imprensa: "foi um problema da Vodafone que já foi resolvido. O corte foi efectuado sem qualquer pré-aviso por causa de um atraso no pagamento de uma factura mas já está tudo resolvido".
Por seu lado, «em comunicado, a Vodafone "lamenta o corte" e confirma que este foi realizado "sem qualquer pré-aviso" mas que o "pagamento já se encontra efectuado", tendo transmitido à AR que "só um erro humano dos serviços da Vodafone explica a referida suspensão»...
E ficaram de novo, muito amigos, a Assembleia que não tinha efectuado o pagamento pontual, na ausência do tal aviso prévio, e a Vodafone que acabou quase a pedir desculpas por ter retaliado a falta de pagamento a tempo e horas do que lhe era devido.
Só não sei o que aconteceu ao funcionário zeloso da Vodafone, pois a clientes desta envergadura não se aplicam determinações drásticas, com essa rapidez...isso são trocos para os mais pequenos.
Há sempre alguém que foge ao esquema, sem consequências.
Que sirva de exemplo aos eventuais funcionários zelosos da TMN e da Optimus que tenham a veleidade de repetir a proeza dos seus homólogos da Vodafone. Não devia servir, mas como ser cumpridor já não compensa por aí além...

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

PEQUENA CRÓNICA DE TURISMO


O melhor e o pior


Gosto bastante de passear por este País fora, nesta tira continental estreita e independente há mais de oito séculos. Vou, de cada vez que o faço, rever tempos idos, ou então conhecer o que ainda me falta das Terras e seus monumentos, mas também das gentes, seus costumes, seus problemas, seus anseios. São os locais que habitam, cultivam, fazem progredir esforçadamente ou abandonam, desesperadas, mas dos quais fazem sempre propaganda entusiástica no estrangeiro, para onde emigram, ou aos forasteiros que as visitam, numa mistura de orgulho, cidadania e auto estima de fazer inveja a tantos que por aí circulam macambúzios e maledicentes, embora de carteira recheada...

Esta é uma constatação que faço sempre, nas minhas deambulações, da publicidade encomiástica e gratuita que ouço ou vejo por essas Terras além, sobretudo nas zonas do Interior mais desfavorecidas da sorte, tantas delas pátrias de grandes homens dados à Nação ao longo dos séculos (e ainda hoje!),sem receber, das autoridades e dos compatriotas do Litoral, contrapartidas de jeito...

Muitas localidades, de uma brancura inigualável, vegetam no meio de planícies áridas quase incultas onde o horizonte se estende sempre igual até ao infinito. Outras, na sua rusticidade secular, estão alcandoradas em serranias, implantadas em barrocais imensos, de acessos problemáticos, mal aproveitando já, por falta de braços, as nesgas de terra cultivável, entre calhaus enormes, de que se sustentaram durante séculos. Outras ainda, de uma beleza sem par, escondem-se no meio das vinhas, em vales esquecidos, encostadas a rios maravilhosos, ou ainda abandonadas dentro de muralhas tão velhinhas como a Nação. A descrição poderia continuar, mostrando uma diversidade espectacular, para todos os gostos e feitios, tanto no que se refere às Terras, como às gentes que as habitam

E no entanto, apesar das maravilhas que a natureza oferece, a desertificação lenta e inexorável, à medida que se penetra nas zonas do interior do País, não só tira algo da beleza humana característica aos locais, mas deixa um rasto de tristeza indescritível. É o que sinto, ao passar pelas aldeias históricas, muitas delas recuperadas com os dinheiros da CE, verdadeiros museus ao ar livre, lindas de morrer...mas silenciosas, vazias de pessoas!

Portugal é, aliás, uma terra de contrastes, de uma variedade infinita, de paisagens extraordinárias, de gentes e costumes surpreendentes, de gastronomia característica, revelando por vezes, ainda, sabores da Idade Média. E tudo convive num espaço mínimo de noventa e tal mil quilómetros quadrados, plano ou alcantilado, chuvoso ou seco, branco e azul ou verde e tisnado, de sol radioso e brilhante ou sombreado de florestas e barrocos, marítimo, de locais e praias maravilhosas ou continental, de regiões agrestes e espectaculares...etc., etc. Talvez por isso mesmo seja difícil de percorrer pelos turistas comodistas e endinheirados, apreciadores dos bons hotéis que dão vida à maioria das Agências de Viagem e trazem divisas. A excepção encontra-se em algumas zonas do Litoral, com relevo especial para o Algarve, junto ao mar, repletas de boas condições para recebê-los.

É para ali que os organismos promotores de Turismo orientam de preferência os seus esforços, atraindo alguns milhões de turistas estrangeiros ao ano. A pouco e pouco, contudo, outros menos exigentes, mas mais cultos e aventureiros, ou apenas mais curiosos, vão descobrindo o País Interior meio abandonado e penetrando na sua tranquilidade, nos seus segredos, nos seus encantos. E acabam por gostar imenso, que coisas destas que descobrem por aí, já não existem nos seus países de origem.

Há anos, por exemplo, conheci, em Paris, um engenheiro francês, de invulgar cultura e amigo da natureza, que tinha percorrido Portugal, de lés a lés, de bicicleta, numa experiência inigualável!

De há uns tempos a esta parte, tem-se assistido a um esforço das autoridades nacionais para incentivar o turismo, especialmente o algarvio, mas também o outro, o turismo pobre. Mas ainda há muito, muito a fazer.

A notícia bombástica que ontem descobri, na internet, é a de que «o Turismo de Portugal é o melhor da Europa. Instituição ganhou os Óscares do sector». Numa votação feita num universo de 167.000 profissionais, arrecadou o World Travel Awards 2008, à frente da França, Alemanha, Grécia, Itália, Turquia, Reino Unido...

Fui, a correr, como costumo, ler os comentários dos internautas, à notícia. Nem um, para amostra, denotava o mínimo de auto estima, fazia a menor referência à honra que o facto em si representa, muito menos aos resultados que daí poderão advir, quanto mais não seja pelo incentivo, pela publicidade possível implícita, etc. Podiam até manifestar uma reserva prudente. Mas, pior que isso, demonstravam o espírito derrotista, negativo, de maledicência sistemática e a despropósito das instituições, dos políticos, dos próprios organizadores do evento internacional que, na óptica de um dos comentaristas, até pagam almoços comprometedores...etc.

Fiquei triste. Preferia não ter lido nada.

Mas, pensando bem, por quê incomodar-me?

Demais sei eu que alguns portugueses são assim mesmo, subservientes pela frente e más-línguas pela calada. Geralmente são aqueles que se queixam de tudo e de todos, que nunca fazem nada de jeito em prol da Sociedade e do País.

No próximo fim-de-semana irei revisitar, pela décima vez, a maravilha de Óbidos.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

MÉDICO DENTISTA, NA URGÊNCIA

Preso por ter cão e por não ter


Em Odemira, não admira que não haja médicos! Em primeiro lugar, porque há falta deles e depois porque...quem é que quer ir para ali?

O lugar é bonito. Juntamente com o Rio Mira, a Praia de Vila Nova de Mil Fontes e muitas outras, o Cabo Sardão, etc. forma um cartaz turístico que não é de desprezar. As gentes são agradáveis. Pena que os acessos não sejam os melhores e o Hospital do Litoral Alentejano fique em Santiago de Cacém, a cerca de oitenta quilómetros, alguns deles de curvas impiedosas e acidentadas pela serra.

Segundo a notícia veiculada pelos diários, a Directora do Centro de Saúde local decidiu aproveitar a disponibilidade de um médico dentista, para suprir a falta do médico generalista que não conseguia arranjar para o lugar. Lá para com ela, pensou que sempre era melhor ter um médico para servir as gentes, mesmo sem a especialidade, que não ter nenhum, numa zona desprovida de cuidados médicos que elas vêm reclamando há muito, sem resultado.

Mas os médicos não são coisa que se fabrique por atacado, especialmente depois dos tais numerus clausus impostos há anos pelas Faculdades de Medicina, com a aprovação da Ordem Profissional, sempre na defesa da formação, na prevenção da concorrência excessiva e no resguardo dos proventos. Assim se chegou à falta de médicos em Portugal, à contratação de profissionais espanhóis e de outras nacionalidades, à expatriação de estudantes para universidades estrangeiras e outras calamidades como, por exemplo, a barreira quase intransponível à abertura de novos cursos de Medicina, no País, etc.

Valha a verdade que, neste caso de Odemira, na maioria dos atendimentos, o médico dentista contratado ocasionalmente, serviu sem queixas de maior. Provavelmente, qualquer médico sem formação específica, mas capaz de executar os serviços mínimos, se desenrascaria no cargo, numa emergência, mandando os casos mais graves ou problemáticos para o Hospital, etc., até porque actualmente há meios de comunicação que ainda não existiam há umas dezenas de anos, podendo proporcionar uma boa ajuda ao profissional destacado, etc.

Esta não é, evidentemente a solução ideal, aquela que serviria sem discussão, a todos os interessados, doentes, autoridades, e profissionais. Mas é interessante analisar os três parágrafos da notícia que foi publicada num jornal diário, sob o título: «Médico-dentista assegura Urgências em Odemira

«O médico-dentista é militar reformado e prestou serviço há duas semanas nas Urgências do centro de saúde local sem ter formação em suporte avançado de vida. A Directora do Centro de Saúde, Alda João, disse que no SUB 'não há ninguém com formação' específica para tratar de situações que exijam conhecimentos em suporte avançado de vida.

«A Ministra da Saúde, Ana Jorge, afirmou que 'todo este processo tem de ser analisado, mas penso que ele é médico, que está dentro do que são os requisitos mínimos'. A governante disse que 'qualquer médico tem formação para socorrer e prestar os primeiros cuidados´.

«O Bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, reprovou a contratação de um dentista, por alguns dias, para assegurar o Serviço de Urgência Básica (SUB) de Odemira, o único no distrito de Beja.»

Algumas máximas ou provérbios populares poderão caracterizar perfeitamente as atitudes mostradas pelos personagens intervenientes na notícia.

A Senhora Directora do Centro de Saúde de Odemira, mostrou o seu engenho e o seu esforço na resolução deste problema sério, mas será sempre criticada, por ter cão ou por não ter. Apesar disso, não deverá esquecer nunca que em tempo de guerra, não se limpam armas.

A Senhora Ministra não precisa que se lhe diga que não desanime. Ela bem sabe que, casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. E que deve manter-se de cabeça erguida, pois lá diz o ditado: quem muito se agacha, o traseiro se lhe vê...

Os utentes que uma vez mais se encham de paciência e resignação, que a manta, quando é curta, deixa a cabeça ou os pés de fora...Oxalá vejam as suas dificuldades atendidas com brevidade. Merecem. E com a saúde não se brinca.

Ao Senhor Bastonário lembro apenas uma das máximas de Confúcio que diz o seguinte: «o homem de bem exige tudo de si próprio; o homem medíocre espera tudo dos outros.»

Mais palavras, para quê?

TIROS NO PÉ

Os dois últimos tropeções

Que a Justiça Portuguesa era cega, está escrito nas esculturas e nas pinturas com que a representam, nos Palácios onde exerce. Também alguns acrescentam que é surda e muda, conforme decorrem certos julgamentos ou são proferidos os acórdãos que daí resultam. Mas agora, começa a ver-se que também manqueja e dá tropeções algumas vezes. E por quê? Porque passa a vida a dar tiros no pé...
Ultimamente, o caso do erro grosseiro verificado no caso Paulo Pedroso foi o que chamou mais a atenção. Mas ontem vieram a lume mais dois tiros no pé, provavelmente em pés diferentes, o da Justiça Civil e o da Justiça Desportiva. Seja como for, é um mau prenúncio para a época que agora começa, depois das férias grandes...
Uma das notícias dizia que «o Tribunal da Relação do Porto concluiu que o presidente do F. C. Porto, Pinto da Costa, foi detido irregularmente no âmbito do processo Apito Dourado e decidiu que deve ser indemnizado pelo Estado em 20 mil euros...»
A outra tem cariz desportivo, mas nem por isso é de menor importância: «o Tribunal Arbitral do Desporto acredita que não está provado que Pinto da Costa ou o F. C. Porto tenham cometido actos ilícitos em relação à participação do clube na Liga dos Campeões. O acórdão do T. A. S. põe em causa as decisões da Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol Profissional. O T. A. S., sedeado no Château de Béthusy, em Lausanne, também aceitou a decisão do F. C. Porto de não recorrer da sentença da Liga que o levou à perda de seis pontos no campeonato passado».
E aqui está como, em duas penadas, num dia azarento, a Justiça é posta nas ruas da amargura, por um Tribunal da Relação e por um Supremo Tribunal Desportivo Internacional, quanto aos atribulados casos em que a clubite rocambolesca de algumas entidades desportivas vem assestando baterias ao F. C. P. e ao seu Presidente.
Sem fazer juízos de valor sobre a justeza ou não das queixas apresentadas, nem fazer futurologia quanto ao resultado final do caso Apito Dourado, do Apito Final e quejandos, o que se está a passar seria seriamente preocupante, se não fosse o seguimento de outras anomalias ocorridas nos últimos tempos, nas Justiças Portuguesas. Será que estas situações bizarras são agora mais frequentes que dantes? Ou apenas agora são tornadas mais visíveis, tal como acontece nos casos de insucesso, incúria e erros do exercício da Medicina?
É caso para pensar. Constatações destas não prestigiam nada as Magistraturas Portuguesas. Embora se diga sempre, a propósito, a cada passo dado, que aconteceu justiça, a verdade é que continuamos todos eternamente à espera de que, no fim dos processos, ela seja mesmo feita. E o facto é que, infalivelmente, de cada vez que estes anacronismos acontecem, mais um pouco da nossa confiança se vai perdendo...E é pena.