domingo, 30 de novembro de 2008

NA VÉSPERA DO PRIMEIRO DE DEZEMBRO


Frio, chuva e neve

Há dois ou três dias, chegou ao meu conhecimento uma sondagem, de triste memória. Uma altíssima percentagem de jovens, adolescentes e mesmo adultos com formação universitária não fazia a menor ideia do que significa o feriado do Primeiro de Dezembro. Porém, no estado de negligência a que o ensino da História Pátria foi votado, nas nossas escolas, já nada é de admirar. E não só nas escolas, mas também na imprensa nacional, com responsabilidades de que não deveria libertar-se, lavando as mãos como Pilatos. Igualmente os poderes públicos não saem bem na fotografia, pondo de parte, por razões económicas, por simples comodismo ou falta de ideias, a comemoração cívica desta data fulcral da Restauração da Independência plena de Portugal, limitada agora, praticamente, ao simplório hastear da bandeira nacional nos edifícios públicos, pelo funcionário de turno.

Por vezes pergunto-me se eu não serei um saudosista enquistado em velhas crenças, não querendo ver o progresso material, a modificação acelerada da sociedade nos tempos que correm, sobretudo depois da ida do homem à lua...Mas sou teimoso e afasto logo essa ideia do meu pensamento.

A tal sondagem, levada a cabo por uma estação de televisão, mostrou que os mesmos que não sabiam o que representa o feriado do Primeiro de Dezembro, também não sabem o que aconteceu no Cinco de Outubro, nem sequer no 25 de Abril, tão próximo, por incrível que possa parecer. Tive dúvidas. Foi-me necessário rever duas ou três vezes as imagens, para ficar convencido de que efectivamente, assim era. Descobri ainda que, não só eles não sabiam o significado dessas datas, como de outras talvez mais importantes, e até imaginavam para elas acontecimentos totalmente estranhos, civis ou religiosos.

Já a propósito das pífias comemorações do 5 de Outubro, escrevi na altura duas linhas sobre a necessidade de informar correctamente os cidadãos sobre esta e outras datas, e dignificá-las para que amanhã não sejamos transformados completamente num país de trânsfugas a quem a calculadora subverte totalmente a alma na compra do prato de lentilhas, sem ficar de fora mais nada que valha a pena.

Um país com oito séculos e meio de existência mantida à custa de tantos heróis, de tanto esforço, de tanto sangue, suor e lágrimas, com dizia o poeta, como poderá manter-se, entregue à irresponsabilidade de uns quantos e ao laxismo da maioria dos seus cidadãos, cada vez mais desenraizados dos seus valores ancestrais?

O apelo que daqui faço aos governantes, à imprensa em geral, aos professores, aos avós e aos pais destas gerações de ignorantes, é que trabalhem incansavelmente na transmissão dos deveres cívicos aos seus educandos, entre os quais a lembrança dos feitos dos nossos antepassados não é um acto menor.

Dias como o Primeiro de Dezembro e os restantes feriados nacionais podiam e deviam facilmente ser transformados num hino de louvor à Pátria, numa demonstração viva de civismo e de orgulho nacional, em todas as localidades deste país de comodistas.

Este ano, o feriado tem lugar numa segunda-feira, fazendo para eles uma ponte de três dias. Que mais poderá interessar-lhes?

E por que haverá o governo, as autoridades e as escolas de maçar-se, se também todos usufruem dessa mesma ponte?

Para cúmulo, o boletim meteorológico anunciou ontem frio, chuva e neve, para estes três dias tão ansiados pela maioria dos portugueses.

-Que chatice! – Suspiram muitos deles.

E no entanto, sem que isso agora lhes interesse já um pepino, cumprem-se no Primeiro de Dezembro 368 anos da data em que um grupo de patriotas, apoiado na nação inteira, restituiu esforçadamente ao país a liberdade de que agora podem usufruir tranquilamente.

sábado, 29 de novembro de 2008

PROFETAS DAS DESGRAÇAS


Os coitadinhos do costume

Comecei a ler o jornal e logo um título me chamou a atenção: a cultura da lamúria.

Gostei do artigo. Estava muito bem feito, escalpelizava detalhadamente o pendor crítico dos portugueses, sempre dirigido no mau sentido, aquilo que em gíria se chama o bota a baixo, sendo que os críticos ocupam a metade do tempo que lhes resta, na lamentação das ocorrências infelizes e na previsão do mal que virá a seguir.

Remédio, nenhum!

Claro que o articulista escrevia a propósito da crise económica, do orçamento apresentado e discutido na Assembleia da República, das fisgadas de comentaristas, políticos e oportunistas atiradas a torto e a direito, com razão ou sem ela, mas sempre com a total ausência do espírito de resolução dos problemas. Mas amplia também estas considerações para o geral dos temas, discutidos ou só apreciados, ou publicados. Pelo meio, a lamúria permanente de que tudo está mal, de que tudo é o pior do mundo, de que estamos sempre a bater no fundo...

Não era preciso ter lido este artigo para me aperceber que assim é, realmente. Já sei, desde a minha adolescência, que os portugueses são pequeninos, humildes, pobrezinhos, desgraçadinhos, coitadinhos. Mais tarde também tive que encaixar na mente, que eram mentirosos, venais, fracos de espírito, mauzinhos, tudo em ponto pequeno, ajustado à nossa dimensão. E agora, já de idade avançada, vejo que somos um país de críticos acérrimos, não de grandes críticos, mas de criticozinhos maldosos, de tudo e de todos, ao virar de cada esquina!

Não sei qual dos defeitos apontados no artigo é o maior, se a crítica feroz e sem espírito construtivo, se a humildade e a lamúria permanente e despropositada. É difícil escolher.

Lembro-me sempre da Bíblia, quando descreve as passagens infelizes do povo judeu reduzido à miséria mais incrível, com os profetas das desgraças atenazando as gentes, lembrando-lhes a cada instante a proximidade de futuros dias ainda piores, se não se portasse bem...

Os nossos profetas das desgraças também não nos largam da mão. São clarividentes. Acertam sempre! Há todos os dias cataclismos à espreita, acidentes, falências, roubos, assaltos e desvios, más sentenças e más decisões, maus resultados, no mínimo erros de perspectiva que até um analfabeto teria antecipado...

Na boca desses oráculos e mentores que pululam por aí, que tudo adivinham e sabem mas nada fazem, que não passam do zero, quando chamados a exame, Portugal, à semelhança dos judeus em cativeiro, é mesmo um país de falhados e de coitadinhos! Os judeus encontravam consolação na vinda do Messias, enquanto nós ainda suspiramos pelo regresso de D. Sebastião!

Volto ao princípio.

Gostei do tal artigo.

Estou em desacordo com os tais profetas das desgraças que provavelmente só concorrem para o afundamento do amor-próprio e da auto estima dos portugueses, coisas que eles, já por si, tão pouco prezam.

É que não faz falta bater mais no ceguinho, mas animar a malta, como cantava o Zeca Afonso, e sobretudo, lembrar a este nobre povo, nação valente, imortal, que é preciso levantar-se com orgulho, como pede o Hino Nacional da República, deixando-nos de ser os coitadinhos do costume.

Mas quem se lembra do Hino? Quantos ainda o sabem?

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

PRESIDENTE DAS DESGRAÇAS


O herói do Natal.

Era uma vez um presidente que só presidia a desgraças. O seu clube até ganhava, de vez em quando, mas o dinheiro das bilheteiras não dava para mandar cantar um cego e os tradicionais anunciantes estavam fartos de adiantar os pagamentos, a perder de vista.

Os jogadores, que hoje já não jogam só por amor à camisola, como toda a gente sabe, exigiam o pagamento dos seus salários que já levava um atraso de alguns meses e o presidente, nada! Os jornalistas assediavam-no com perguntas, os jogadores incentivavam os jornalistas a fazer-lhas, o sindicato ouvia as queixas, fazia blá-blá-blá e os salários continuavam por pagar. Resolveu racionar as visitas ao clube, para que não o chateassem.

Até que, fartos de esperar e com a família em casa a reclamar o pão de cada dia, os jogadores resolveram entrar em greve. Fizeram a ameaça do costume, marcaram a data, invectivaram o presidente, mas este refugiou-se estrategicamente em promessas de pagamento na próxima semana. Eles acreditaram e a greve foi desmarcada.

Na semana indicada, dos salários, nem vestígios e do presidente, muito menos!

Os desgraçados foram queixar-se de novo ao sindicato, este mandou uns recados à Liga de futebol, lembrou o que era hábito a Liga fazer nos campeonatos estrangeiros, e aconselhou a greve aos jogadores.

O presidente das desgraças voltou novamente a prometer o pagamento, na segunda-feira seguinte. Apelou aos jogadores para que desempenhassem o seu papel com profissionalismo e garra, no desafio de domingo, com um dos grandes da Terra e os jogadores assim fizeram. Mas, no dia seguinte, o pagamento falhou de novo.

O sindicato ameaçou outra vez com o fantasma da greve.

A Liga ameaçou também com uma possível despromoção do clube.

A tutela ameaçou também com a hipótese da falência pura e simples.

Os adeptos assustaram-se, entraram em polvorosa mas, pobretanas como eram todos, nenhum se decidiu a avançar com as massas necessárias, nem ao menos uma esmolinha! Atiraram-se então contra o presidente que tinha a obrigação de arranjar o dinheiro, fosse onde fosse. Que era um oportunista, um incompetente de todo o tamanho, coisa que toda a gente sabia...

O certo é que o homem tinha praticamente desaparecido da vista de todos esses energúmenos. Tinha dinheiro seu, por isso certamente o haviam elegido, para que entrasse com algum na tesouraria depauperada do clube, mas o que tinha era dele, ponto final! Por outro lado, a falência da Associação Desportiva não interessava a ninguém.

Para a Liga, isso era o descrédito total de uma direcção que se tinha proposto regularizar e moralizar o futebol, metendo na linha clubes, presidentes, jogadores, árbitros e claques, obrigando toda a malta a trabalho são e contas limpas, sob pena de serem afastados dos seus lugares. Descartou para a Federação alguma eventualidade de auxílio financeiro ao clube e assim, resolveu meter a viola no saco, esperar num silêncio cúmplice que a situação se resolvesse por si própria, sem a sua intervenção que, se entrasse a matar, seria fortemente impopular.

O presidente do clube, lá se empenhou a pedir aqui e ali, um empréstimo, mas ninguém queria emprestar nada, dada a aflitiva situação das finanças da agremiação, pelo que continuou a andar de porta em porta, de mão estendida, e a prometer aos jogadores o pagamento, na segunda-feira seguinte, depois de efectuado o jogo importante do fim de semana.

Os jogadores, coitados, lá se iam aguentando, jogando, ameaçando com greves e despedimentos, fazendo visitas ao sindicato, dando entrevistas à imprensa, pedindo fiado aos amigos e conhecidos.

Os outros clubes da divisão principal também estavam nas lonas, não tinham dinheiro para contratar, em última instância, os jogadores que renunciassem, mesmo com salários baratinhos.

A imprensa, que a princípio fazia parangonas com o caso e dizia cobras e lagartos do presidente malvado, acabara de entrar nos comunicados rotineiros, de duas ou três linhas, sem comentários, indicando apenas a data da próxima promessa de concretização dos reembolsos.

E foi assim que, após tanto reboliço, apenas algumas coisas bizarras restaram a toda essa gente.

Em primeiro lugar, esperar pela eventual solução que o presidente viesse a obter.

Em segundo lugar, aguardar o aparecimento da promessa seguinte.

Em terceiro lugar, aspirar pelo eventual cumprimento da promessa feita.

Em quarto lugar, rezar para que, cumprida a promessa, mesmo a meias, daqui a um ou dois meses, não volte a acontecer o mesmo repertório, o que é o mais certo.

Em quinto lugar, que o presidente se mantenha por mais uns bons tempos a presidir a todas estas desgraças, já que dificilmente os sócios do clube conseguirão outro, nos tempos mais próximos. Afinal o homem lá irá conseguir, com toda a certeza, as massas para ir pagando aos jogadores, mesmo ao retardador, até que se farte.

Foi insultado pelos adeptos, chamado incompetente, oportunista, e muitas outras coisas feias, mas vai ser, no final desta novela, tenho a plena certeza, um herói, pelos jogadores, o herói do Natal!

Ainda que fique algum remanescente dos salários para pagar no próximo ano...

Sorte maldita!

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A QUADRATURA DO CÍRCULO


Opiniões, miragens e diversões

Toda a gente sabe que a Economia hoje comanda o desenvolvimento dos povos e o seu bem-estar. Toda a gente sabe, mas toda a gente desconfia. Ora a confiança é a base do sucesso da Economia.

Eis aqui a quadratura do círculo.

Mas o problema da quadratura do circulo é apenas uma expressão de linguagem de quem nada percebe de matemática. Matematicamente falando, a solução é, porém, de uma grande simplicidade, pelo menos desde o tempo da Antiga Grécia. Se tomarmos uma roda de hula-up e tratarmos de achatá-la de igual maneira, partindo de dois lados opostos, obteremos um quadrado perfeito. O contrário também é verdadeiro.

Só que na Economia, as coisas não se passam assim. Tratando-se de uma Ciência com fortíssima base Matemática, utiliza e manipula tantas variáveis que os resultados são tantos como as cabeças que os encontram. Mesmo na economia caseira, mais acessível ao comum dos mortais, muitas vezes nem sempre é linear a conclusão a que se chega. É como antecipar o feitio da roda de uma bicicleta, após um acidente!

Ora a Economia Nacional ou a Economia Mundial, como Ciências, são exemplos de interpretação de realidades com a obtenção de resultados pressupostos que as próprias realidades verdadeiras desmentem a cada passo, como a Futurologia de um mago. Mas a Futurologia do Mago geralmente só indica um caminho ao consulente e portanto é mais simples de contraditar. A Ciência da Economia apresenta normalmente várias soluções para o mesmo problema e, o mais incrível, é que muitas vezes até são contraditórias entre si!

Se transportarmos todas estas «pepineiras» para a política do dia-a-dia, encontrar-nos-emos, a breve trecho , num enredo colossal. É como se permanecêssemos todos, num barco a meter água, no meio de um oceano agitado e com poucos meios de sobrevivência, na dependência de cem especialistas de navegação, sábios, atordoados e confundidos, passando estupidamente o tempo a discutir entre si, cada solução considerada absoluta e indiscutível por cada um deles. Seria um milagre, que conseguíssemos salvar-nos sem eles chegarem a um acordo, com a onda gigante assassina já à vista.

A crise da economia mundial é uma realidade indesmentível e a economia nacional para lá caminha. E, entretanto, os políticos e os economistas de serviço continuam a discutir, não em face dos parâmetros e da sua equação adequada, mas em face dos seus interesses, fazendo com eles futurologia pura, ou ameaçando o cidadão com cenários delineados sobre o joelho.

Chegam a ser caricatas algumas das soluções indicadas, porque estão, boa parte das vezes, fora dos contextos da realidade. Porque apresentam os desejos próprios como resultados obtidos, em lugar de simples miragens! E tudo à sombra da Economia ou da Ciência Política.

Assim, para resolver a crise, uns apontam o investimento público, outros apenas o privado. Uns indicam a descida dos impostos e outros a sua manutenção. Uns forçam a imposição de normas fiscalizadoras, outros a descentralização e a liberalização mais acentuada. Uns apontam o fim imediato dos «off-shores», outros exigem a sua defesa e expansão. Uns querem o socorro da banca, como fonte de poupança e de emprego, outros desejam a falência do sistema e o socorro directo dos contribuintes. Uns afirmam que o emprego e os bens sociais estão em primeiro lugar, outros ao contrário, que dependem do capital disponível. Alguns pretendem que só os ricos paguem a crise, e outros que a crise só seja ultrapassada com o apoio dos ricos e o esforço da maioria. Uns dizem que o baixo PIB que temos é uma vergonha e outros afirmam que é um prémio não termos um PIB mais baixo ainda. Uns confirmam que o desemprego sobe muito, outros que sobe pouco, outros ainda que dantes subia muito mais, e os restantes que pouco mais ou menos. Uns descobrem todos os dias que estamos no extremo da cauda da Europa e outros concedem que estamos a fugir para o meio da cauda...

Contradições, citações, diversões, miragens e panaceias como estas davam para rir durante dias e dias, de tanta insensatez, no mínimo de tanto lugar comum contraditado em Reuniões, em Congressos, em Assembleias, com acusações e insultos pelo meio. Mas o mal não é propriamente esse.

O verdadeiro mal é que tudo e o seu contrário são expostos pela rama, publicitados alegremente para ganhar status, dentro e fora dos partidos, dos governos, das corporações patronais ou sindicatos, etc. Entretanto o barco vai-se afundando e quase ninguém sabe o que fazer, no meio de tanta sabedoria contraditória.

O Zé Povinho pergunta já, quando é que todo este pessoal tem juízo e se põe de acordo, quando é que se remete a um estudo sério e aprofundado destes problemas tão difíceis, trocando opiniões entre si para além das capelinhas, aceitando sugestões sem pressupostos, obtendo soluções exequíveis sem perder tempo a atirar pedradas aos vizinhos do lado, só para botar figura ou caçar votos?

Pergunta ainda quando é que conseguirá essa gente alterar a péssima opinião existente sobre os políticos e os economistas, manifestada na fraca participação do povo nos variados actos de cidadania, nos próprios actos eleitorais?

E finalmente, pergunta por que será que, no meio de tanto desperdiçar de tempo e de inteligência, algumas personagens de referência da economia e da política ainda conseguem ter oportunidade e arte para enriquecer fartamente, sem terem ordenados para isso?

Pior que tudo é a apatia geral a este estado de coisas, porque, lá no fundo, todos sabem as respostas, mas iludem as próprias perguntas para não fazer esforço a responder!

E no fim, «quem se lixa é sempre o mexilhão»...

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

ÁRVORES, ESTRELAS E FEIJOADAS

Os heróis do fado

Portugal é um país sedento de heróis e de vitórias, desde que os Filipes fizeram aqui o seu ensaio geral de unificação da Península Ibérica. Os portugueses nunca foram os mesmos, desde então. Até essa altura, o aumento contínuo do poder, dos territórios e de riqueza foram fazendo da gente que povoava este recanto ocidental um povo embalado em êxitos, orgulhoso dos seus feitos que nem as desgraças ocasionais e os naufrágios frequentes conseguiam obscurecer.

Tudo se transfigurou, porém, com a tristeza de Alcácer Quibir e, poucos anos depois, com a perda compartida da Invencível Armada.

Debalde a Restauração tentou levantar o ânimo da população, mas o mal que estava feito era grandioso demais para poder inverter-se, por artes de magia. Eram necessárias condições propícias, a juntar ao esforço sobre-humano requerido, mas as conjunturas internacionais não se mostraram favoráveis e os meios disponíveis foram sempre escassos. O desânimo foi minando as mentes, cada vez mais fundo, com ajuda do Terramoto, qual castigo de Deus amassado depois com as Invasões Francesas e definitivamente cimentado com o ultimato de 1890. Instalou-se na cabeça das gentes uma fatalidade irreversível e sair desse poço tornou-se quase uma impossibilidade.

Então, estes heróis do fado buscaram nas pequenas vitórias do dia-a-dia a sua consolação. Houve, depois do trágico e quixotesco assassinato do rei D. Carlos e da intervenção idealista (ou surrealista) na Grande Guerra, umas últimas réstias de esperança da parte da população rural, a principal guardiã da fé nacionalista.

E deste modo nasceram, durante os anos da ditadura, os Fenómenos do Entroncamento, bastos como cogumelos: as abóboras gigantes, os cabritos de cinco patas, as couves de vários metros, etc...

O 25 de Abril pareceu, a certa altura, acabar com estas especialidades dignas do livro dos recordes e restituir à população entusiasmada o orgulho perdido de ser português. Mas foi sol de pouca dura. Depois da alegria que trouxeram os subsídios da CE, voltou-se à exibição da banalidade, com a feijoada quilométrica da Ponte Vasco da Gama, a caldeirada, a sardinhada, a cataplana monumental do Algarve, o pão-de-ló para milhares, as Feiras Medievais e de Chocolate por tudo quanto é sítio, tornando o Guiness, aos olhos dos portugueses, um livro muito mais importante que o chato de Os Lusíadas!

Mas há mais. Na Quadra Natalícia, vá de instalar, de há três anos a esta parte, a Árvore de Natal mais alta da Europa, desta vez no cimo do Parque Eduardo VII, amplo e de maior facilidade de circulação que o Terreiro do Paço, o local escolhido no ano passado. Os diletantes poderão, à vontade, arregalar os olhos e dizer, de peito inchado, para os turistas espanhóis que saem dos hotéis próximos:

-Hermanos, vocês não têm em Espanha nada parecido com isto!

O Norte da Invicta, ciumento das glórias da Capital, resolveu concorrer este ano com um fenómeno de peso: a construção da Estrela de Natal, também a maior da Europa, na cidade da Maia, aproveitando as mais de novecentas janelas do «Charuto» para segurar as pontas da dita e as luzinhas LED, utilizadas por motivos económicos, mas que farão encher de orgulho todos os maiatos que se prezam.

Até aqui, apenas constatei factos. Acho que não devemos rir destas «novidades» portuguesas, porque o progresso tem destas coisas. No tempo das velas de estearina, por exemplo, não poderiam construir-se árvores ou estrelas assim, temos que concordar.

Com todo este progresso, como parece longínquo o tempo em que os Fenómenos do Entroncamento faziam furor!

E, contudo, não andamos muito longe...

terça-feira, 25 de novembro de 2008

DROGAS, DROGADOS E TRAFICANTES


Alguns oportunismos incríveis

A subida espectacular do preço do petróleo, que há pouco tempo se verificou, trouxe à luz do dia mais fardos da droga que habitualmente, emersos das águas algarvias ou retirados de alfurjas insuspeitas.

As crises económicas trazem sempre à superfície as misérias escondidas e também aqueles que estão muitas vezes por detrás delas, por se julgarem mais seguros, mais requisitados, mais à vontade, mais afoitos na senda das grandes ganâncias.

Quanto maiores são as crises económicas, tanto maiores são os lucros ilícitos dos fora da lei, pouco importa que a sociedade se queixe da falta de valores cívicos ou morais, que os países clamem pelo uso e a implantação da democracia, pela aplicação dos direitos do homem, pela moral e pela paz universal.

A droga é superior a todos esses anseios, a todas essas virtudes ancestrais agora registadas em acta pela ONU, mas tratadas como simples papel sem importância pelos traficantes e tornadas letra morta pelos drogados de vício quase invencível. A tudo isto o cidadão comum reage com extrema dificuldade, cada vez mais enredado também nos meandros que são tecidos à sua volta por este trio de droga, drogados e traficantes profissionais que se julga acima dessas «banalidades».

Há umas horas atrás, ocorreu-me que este mesmo trio dominava grande parte do nosso mundo, com alguma solidariedade e aproveitamento de gente de todos os países, incluídos os mais civilizados.

Assim, no Afeganistão, milhões de pessoas sobrevivem à custa das plantações de papoilas e comércio do ópio para exportação, na maioria para países ocidentais.

Na Bolívia, na Colômbia, no Peru, milhões vivem à custa da recolha das folhas de coca, a sequente indústria e exportação ilícita da cocaína.

Vários países de África e da América do Sul mantêm uma periclitante tranquilidade social e política, devido à cultura e comércio do haschiche de uso abundante no Ocidente.

Todos estes países devem, pois, em boa parte, o fraco equilíbrio das suas finanças e o perigoso sub emprego das populações, à exploração das drogas proibida na lei, mas largamente tolerada na sombra.

Só falta acrescentar que gente menos escrupulosa de alguns países civilizados consegue aproveitar os seus conhecimentos científicos na produção semi-industrial dos derivados do ácido lisérgico...

Parecerá impossível a muito boa gente que tudo seja assim, mas é verdade.

Contudo, são estes países na cúpula da civilização os grandes, os maiores consumidores das drogas referidas, embora sejam igualmente os que mais pregam a luta contra a droga. É nestes países que o preço dessas drogas alcança os valores mais altos, muitas centenas de vezes superiores aos miseráveis valores na origem, de tal modo que, mesmo com apreensões espectaculares, os lucros dos traficantes são enormemente compensadores. Chegam, por esse motivo, a corromper alguma polícia e autoridades postas no seu encalço.

Por tudo isso, e por se tratar de produtos altamente viciantes, o combate às drogas é tão difícil.

Mais preocupante, contudo, é o contrabando de armas a movimentos guerrilheiros, subversivos e mesmo a governos ou facções destabilizadoras, com base na droga. Envolvem muitas vezes, na sombra, agentes de países fabricantes de armamento pagos com a droga que oficialmente eles combatem. È o que acontece na Colômbia, por exemplo, com uma guerrilha vivendo à custa da cocaína que exporta para diversos países mais ricos, aos quais adquire as armas de contrabando com que combate, no terreno, contra as mesmas forças armadas governamentais por eles também legalmente municiadas...

No Afeganistão, o negócio, antigamente quase subterrâneo do ópio e derivados, nunca foi tão extenso e descarado como agora, sob administração das tropas ocupantes.

O nosso mundo tem contradições, oportunismos incríveis.

Em Portugal, felizmente, as coisas ainda são diferentes. Mas a polícia nunca apreendeu tanta cocaína e tanta liamba como este ano, na Costa Algarvia.

À medida que decresce a pesca do atum...

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

MEDICAMENTOS


É só receitar!

Já lá vai o tempo em que as mezinhas resolviam -ou não -a maioria dos problemas da saúde. Não existia, nessa época, inflação de doenças e de medicamentos que há hoje. Na sua completa ignorância, os curandeiros sabiam tudo, acertavam algumas vezes, tinham respostas adequadas para todas as perguntas que os doentes lhes faziam, davam conselhos bizarros mas nunca contestados, eram as pessoas mais requeridas, logo a seguir ao rei e aos padres da freguesia.

Como a longevidade média rondava os trinta e poucos anos, não se colocavam então os magnos problemas de saúde que agora nos preocupam. E as pestes e outras epidemias não tinham remédio, remediadas estavam portanto, logo à partida.

Com a chegada da Indústria Farmacêutica e dos Médicos encartados, tudo mudou. É só receitar!

Agora, descobriu o Infarmed que havia dois medicamentos, de receita médica, com vendas anormais, em Portugal. O caso não teria nada de especial se, de vez em quando, a nível de saúde, não surgissem no nosso país problemas sérios de rastreio dos medicamentos, alguns até com o seu quê de caricato à mistura.

Assim, seria de esperar que certos tipos de medicamentos sujeitos a receita médica fossem consensualmente os mais procurados pela população, mas verifica-se que o consumo excessivo recai, de há uns tempos para cá, sobre o Omeprazol (mais de 1500000 de embalagens já vendidas esse ano) e o Clopidrogel, antes de expansão muito mais limitada. É como se, de um momento para o outro, todo o pessoal estivesse com azia, úlcera péptica ou enfarte de miocárdio, etc. Sem querer entrar numa exposição ou numa discussão extensa, remeto para uma consulta rápida ao Prontuário Terapêutico, o qual permite fazer um retrato perfeito e imediato da situação. Realmente, vê-se logo que os ditos medicamentos são susceptíveis de provocar efeitos secundários nada desprezíveis e é preocupante a forma como são dispensados assim tão facilmente aos utentes, coisa que até há algum tempo não se verificava. Por que será? Há que investigar e foi garantido já que o Infarmed está em campo.

De qualquer modo, como Portugal é um imprevisível país de sábios, quero deixar aqui várias interrogações e a minha sábia opinião final. Aqui vão as interrogações:

Poderemos todos, desde já, supor que a montanha vai parir um rato?

Ou deveremos antes imaginar que há-de ser encontrada, a breve trecho, uma explicação simplista para o caso, como por exemplo, todos terem a sua cota parte de culpa?

Arranjar-se-á a tempo um conveniente bode expiatório?

Poderá acontecer que o problema nem existe...ou não vai a saber-se mais nada sobre o assunto, como por vezes se verifica?

Ora, tratando-se de um inquérito ou investigação oficial, encontrar o verdadeiro culpado não será sempre uma tarefa mais que improvável?

Por último, a minha opinião sábia a levantar a lebre. Quem me diz a mim que se não trata simplesmente de uma contrafacção chinesa? Ocorreu-me esta, porque já imagino por aí todo o pessoal de olhos em bico...

Quero desde já deixar bem claro, por causa das coisas, que em minha casa nunca entrou nenhum desses medicamentos. O diabo seja cego, surdo e mudo!

O Infarmed que se desenrasque, se for capaz.


domingo, 23 de novembro de 2008

QUEM FICA MAL NA FOTOGRAFIA?

Já não depende do fotógrafo

Hoje deu-me para uma certa ironia amarga, depois de mergulhar, desde há vários dias, nas notícias de cenas pouco edificantes apresentadas pelos jornais à opinião pública.

Quando uma pessoa diz algo que supõe verdadeiro e outra desmente, costuma dizer o povo que uma delas vai ficar mal na fotografia. Mas o certo é que, no tal país dos brandos costumes que conhecemos, já nos vamos habituando a reconhecer que ambos acabam por sair em beleza! É o que acontece nos diferendos entre as altas personalidades, as corporações profissionais ou de interesses, e os próprios partidos políticos. As excepções só confirmam a regra e aos pequenos ela não se aplica, porque só tiram a fotografia para o B.I. ou quando, por algum azar, vão parar à choça!

Embora custe a acreditar a muito boa gente, neste Portugal de coisas bizarras, a verdade e a mentira nunca são a preto e branco. Entre aquele que afirma e aquele que nega existe sempre uma zona invisível ao comum dos mortais onde ambos convergem e se abraçam, às escondidas ou mesmo às claras, depois do espectáculo degradante dos insultos em público, em que só faltou baterem-se. Até acontece, de vez em quando, acabarem num almoço em restaurante a condizer com o estrato social dos contendores. No Parlamento, por exemplo, acontece quase diariamente. Cá fora, demora mais algum tempo.

Também a imprensa tira os seus proventos do diz-que-disse-ou-não-disse para vender mais uns quantos números, enredando o Zé na fofoca ou folhetim diário de quadradinhos, embora seja de destacar, contudo, o seu papel no despoletar de muitas situações anormais que vão acontecendo por aí. Pena que, muitas vezes, fique também ela igualmente enredada nessas histórias, perdendo-se numa série de artigos contraditórios, de acusações e desmentidos, numa luta de todos contra todos que só termina com o lançamento oportuno de outra novela ou nova e longa série de quadradinhos.

Estes casos vão-se sucedendo assim, nos noticiários, com uma regularidade impressionante, alternando o empolamento das situações mais mesquinhas e inverosímeis, com a apresentação bombástica de coisas muito mais sérias e do interesse do cidadão comum...

Acabado o folhetim de turno, o assunto volta à normalidade do esquecimento ou fica em banho-maria, com os verdadeiros e os mentirosos repousando tranquilamente, ou gozando das suas mordomias, enquanto a Justiça se entretém com as suas montanhas de papéis, os seus códigos, os recursos, e as sentenças finais em que tudo é possível terminar, quando as prescrições não acontecem. Nesses casos, embora sempre com visos de legalidade, o Zé desconfia, por sistema.

Os enredos do BCP, do BdP, e agora do BPN, são péssimos exemplos em que os actores de serviço saem pouco dignificados ou mesmo desqualificados. Os portugueses lamentam vivamente, mas lá se vão habituando a estas cenas, aguardando pacientemente os respectivos desfechos, descrendo sempre dos resultados dos inquéritos, da eficácia das comissões, dos meandros da Justiça e até dos veredictos finais que venham a ser proferidos por ela.

É por estas e por muitas outras que os nossos patrícios se tornaram desconfiados, até da própria sombra.

Na verdade, foram-nos habituando a isso, desde que a democracia liberal se instalou, nos meados do século XIX, num refinamento das atitudes opostas cada vez mais agressivas e permanentes, com as consequentes revoltas populares ou militares a que o caciquismo reinante também não foi estranho, tudo em nome da salvaguarda do futuro da Pátria, dos mais sagrados princípios...

Assim acontece ainda, sem a violência física de outrora, não pela defesa da sacrossanta liberdade de voto, mas simplesmente pela caça ao voto, agora exercida com grande eficácia da propaganda e uma violência verbal inusitadas, muito próprias da época que atravessamos!

Também foi pela caça ao voto que a imprensa veio paulatinamente a ser utilizada e a ocupar o lugar dos encontros de ajuste de contas a dois, dos duelos de antigamente. Agora os duelos são públicos, na imprensa, com muita parra e pouca uva, com resultados finais geralmente nulos, com os adversários a saírem todos da contenda com os bolsos recheados, muito felizes e contentes, sempre de consciência tranquila, prontos para a fotografia de família!

Valha a verdade que, há cento e tal anos, havia, ainda assim, um pouco mais de pudor, porque a fotografia ainda dava os primeiros passos e era frequente ficar mal quem não se portasse bem, quem não estivesse muito quietinho. Foi assim que, mesmo em Portugal, alguns mal fotografados terminaram na cadeia, no suicídio ou emigraram de vez...

Mas agora, já não depende do fotógrafo. Na era da tecnologia digital e das velocidades, qualquer um pode disparar o obturador e as fotos saem sempre bem. É muito, muito difícil a alguém sair mal na fotografia, por mais tropelias que faça.

E por isso nunca deixaremos de ser o país a que já nos habituaram...

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

INOVAÇÃO E DESENRASCANÇO


Desde a fundação ao BPN

Veio ontem o Presidente da República recomendar às empresas uma aposta forte na inovação, quando o que mais há por aí é inovação! Fiquei perplexo.

Pois não sabe o Senhor Presidente, apesar de entrado na idade, que os portugueses são peritos em inovação, a todos os níveis, em todas as circunstâncias? Que fizeram o D. Afonso Henriques, o Infante, o Vasco da Gama, o Camões, o D. João VI, o Manuel de Arriaga... e o vigarista Alves dos Reis?

Como passar por alto a inovação tradicional portuguesa, o grande poder de desenrascanço que demonstraram os portugueses ao longo de séculos, desde a nascença, qual característica genética de que mais nenhum povo pode orgulhar-se? Como esquecer que um país pequeno, falto de recursos, rodeado de nações poderosas, se manteve independente, durante mais de oito séculos, senão à custa de inovação, do tal desenrascanço?

Desde a agricultura de subsistência, verdadeira arte de desenrascanço puro, continuando pela gastronomia espectacular onde as invenções e as habilidades culinárias fazem crescer a água na boca aos turistas que nos visitam, até ao comércio das coisas mais bizarras aos preços mais incríveis, coisa a que apenas os chineses conseguem responder, e às indústrias mais artesanais que possamos imaginar, baseadas na mão-de-obra barata ou no trabalho infantil, tudo é inovação permanente e duradoura, em Portugal. Eu penso que existe uma explicação simples para esta aparente incongruência, esta divergência relativamente aos outros países europeus onde este tipo de inovações já passou à História: a nossa falta de cultura.

É ela que nos torna obrigatória e sistematicamente desenrascados, onde os outros são clarividentes, estudiosos e planeadores ante as dificuldades do dia-a-dia. O português não tem cultura suficiente para aperceber a clarividência das situações e a planificação antecipada dos remédios necessários. Daí nasceu o planeamento na hora...a planificação no joelho!

Em nenhum país do mundo esta articulação óssea teve tanta importância como em Portugal. A cabeça também vale qualquer coisa, de vez em quando, mas pouco, nesta Terra em que tudo é feito sobre o joelho, uma inovação tipicamente portuguesa.

O resultado é que em Portugal nunca houve filósofos, nem cientistas, nem artistas, nem inventores de renome, e as raríssimas excepções só confirmam esta regra, porque as cabeças, eventualmente aptas para ganhar esses atributos, foram subvertidas pelo trabalho no joelho!

O joelho dá para tudo, nesta nação paradisíaca, segundo Camões, porque não foi pensada ou planeada a sério. Se o tivesse sido, Portugal não existiria! Este paraíso deve ter sido obra de momentos, de repentes, não de um largo pensamento ou de uma planificação extrema. Em Portugal existe a ideia de que coisas demasiado pensadas e planeadas podem ser muito eficazes, muito rentáveis à distância, mas não são belas nem eficazes a curto prazo. Que teria acontecido a D. Afonso Henriques se ficasse calmamente a pensar, a planear como bater na mãe? Que teria acontecido aos Lusíadas se Camões não tivesse salvo, a nado, num gesto de desenrascanço inaudito, a sua obra inovadora? Se os republicanos, no 5 de Outubro de 1910, ficassem a pensar e a planear até à exaustão como fazer a revolução, ainda hoje estávamos em monarquia...que me perdoe o Almirante Reis que até se suicidou de incredulidade, coitado!

Por isso Portugal é mesmo um paraíso, sem nada de eficaz nem de rentável, notável inovação lusa. Aqui, todas as empreitadas são uma desgraça em termos de eficácia. Todas as empresas vegetam à beira da falência. Todos os empregados se esforçam por fazer o menos possível. Todos os patrões descansam no gozo máximo dos seus rendimentos, por mais magros que sejam. Remédios, todo o mundo tem, mas ninguém usa.Tudo isto existe, etc., e ainda o Senhor Presidente quer mais inovação que esta, nas empresas? É pedir demasiado!

Tenhamos ainda em consideração que a maior invenção portuguesa dos últimos tempos, depois da espantosa trapaça de Alves dos Reis, que ficou célebre no mundo inteiro, deve ter sido a subsídio dependência criada após a nossa entrada na CE! A não ser que as inovações levadas a cabo nestes anos recentes, pelo BPN, tenham ganho já o primeiro prémio da inovação, desde a implantação da República até agora.

O senhor Presidente da República dedicou boa parte da sua vida aos números. Talvez por isso os seus discursos actuais são uma série de lugares comuns, nada inovadores, para agradar a gregos e a troianos.

Mas ficam-lhe bem esses sentimentos. Ele é o Presidente de todos os portugueses e as intenções são boas.

Nessas condições, eu faria o mesmo. Nunca inventei nada, a não ser este artigo. Aposto que até já tenha dito coisas mais acertadas, mas o mal é que ninguém me ouve, como ao Presidente...Porém, mesmo sem qualquer espírito revanchista e para terminar, a minha sensação é que ao Presidente muitos ouvem mas, lá no fundo, poucos fazem caso, porque confiam mais no seu próprio poder de desenrascanço. É típico!

Também os directores do BPN inovaram demasiado, à portuguesa, isto é, confiaram demasiado na sua própria capacidade de desenrascanço, foram longe de mais e deitaram tudo a perder, tal como o Alves dos Reis, na sua célebre fraude de milhões ao próprio Banco de Portugal! E só serão mais inovadores que este senhor, se conseguirem livrar-se da cadeia.

Enfim, tristezas de um País de espertos que fariam D. Afonso Henriques corar de vergonha e arrepiar caminho, se fosse vivo!

Até eu, às vezes, sinto vergonha de viver neste País de trapaça inovadora...

Moral da história: nesta confusão deliberada entre inovação e desenrascanço, cada leitor que se desenrasque do texto e tire as conclusões que quiser, inovando o menos possível.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

O CARRO MOVIDO A AR


Bom, bonito e baratinho

Desde que o petróleo e os seus derivados começaram a subir de preço, não têm parado de aparecer notícias bombásticas, no sentido de aperfeiçoar os motores dos automóveis, de forma a economizar nos respectivos consumos.
O caso não é novo. Desde o começo da utilização dos motores de combustão, movidos a gasolina ou a gasóleo, muitas tentativas levadas a cabo para o seu melhoramento tecnológico têm sido coroadas de êxito, obtendo-se, ao longo dos anos, assinaláveis aumentos de rendimento, com a correspondente diminuição de consumo e razoável descida na emissão de poluentes.
Paralelamente, muitas tentativas têm sido feitas, no sentido de descobrir novos carburantes, com rendimento, preço e poluição inferiores aos derivados do petróleo. À medida que passam os anos e novas crises energéticas têm lugar, essa procura vai sendo incrementada, com resultados mais ou menos animadores. Há muitos combustíveis susceptíveis de serem utilizados nos motores de combustão actuais, ou depois de modificados. Mas os custos ou as circunstâncias de obtenção, armazenagem, distribuição e segurança de utilização nem sempre conseguem convencer a indústria automóvel, as entidades governativas, os ambientalista e os próprios consumidores. Não vale a pena perder tempo a enumerá-los, mas é interessante citar alguns em uso em certos países, com vantagens imediatas, sendo que, a médio ou longo prazo, se transformarão em mais um grande problema para as populações locais ou mesmo para a Humanidade. Assim acontecerá, por exemplo, com o etanol usado no Brasil, com grande sucesso, pela sua origem agrícola ou florestal. Outras propostas caricaturais são o bio etanol, o bio diesel quando obtidos a partir de culturas agrícolas intensivas, numa Terra com água cada vez mais racionada e com milhões de habitantes a morrer de fome, todos os dias.
Propostas interessantes, no entanto, são a obtenção e utilização de combustíveis a partir de resíduos geralmente não reciclados e que terminariam quase sempre na incineração pura e simples. Devem ser acarinhadas, no meu ponto de vista.
Também os estudos tendentes à utilização prática da electricidade como propulsor dos veículos têm vendo a desenvolver projectos muito atractivos, nos quais a economia e a baixa poluição serão de considerar no futuro, se a melhoria de alguns componentes, como as baterias, tiver sucesso.
Também relacionados com as baterias e os sistemas eléctricos estão os chamados carros a hidrogénio, obtido pela decomposição electrolítica da água, e que a imprensa já baptizou com o nome de carros a água, em contraposição com os carros a vinho ou a água-ardente, no caso dos carros utilizando etanol, mais conhecido por alcool etílicol...
E agora noticiam os carros a ar, os quais virão revolucionar todo sistema de transportes e acabar de vez com as crises existenciais do petróleo, segundo os seus inventores e a imprensa que lhes deu crédito.
O ar, até ver, ainda é a coisa mais barata que há no mundo, embora o ar puro cada vez seja mais difícil de gozar. O inventor parece que não dá muita importância ao caso. Comprime o ar a vários quilos de pressão, armazena-o em recipiente adequado, carrega uma certa quantidade no depósito especial do carro e aí está, abre a torneirinha do ar comprimido com a chave, mistura-o automaticamente com um pouco de ar da região, injecta-a no motor, fazendo mover as suas palhetas e, a partir daqui, a viatura... até voa!
Fácil, mesmo muito fácil e nada poluente, até porque o próprio ar rejeitado volta a ser reciclado, num moto contínuo perpétuo. Ao contrário da Lei de Lavoisier, neste processo nada se cria, nada se perde, mas absolutamente nada se transforma! Não há degradação de energia, a solução adequada e radical para todos os males de que enferma a Humanidade...
Não sei por quê, lembrei-me de um tio, já velhote que gostava de me ditar sentenças, quando eu era pequeno. Dizia, convictamente que ser um bom inventor era a melhor coisa a que podia aspirar-se na vida, e eu deveria encarreirar por aí.... Por exemplo, quem inventasse um remédio contra a queda do cabelo e acabasse com os carecas, faria uma fortuna imensa, num instante. Nunca me esqueci deste conselho, mas nem eu nem ninguém conseguiu até hoje pô-lo em prática. Hoje sei por quê, mas já pouco me importa.
Ainda não sou careca, mas gostaria de ter um carro, movido a ar, que fosse bom, bonito e baratinho...só para contrariar as petrolíferas exploradoras e comprazer a todos os sábios inventores que a imprensa nos apresenta todos os dias.
Talvez aproveitando o vento soprando com força numa vela latina colocada no tejadilho...Ou engarrafando o vento formidável dos tsunamis...Como é que ainda ninguém se lembrou disso?

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

RAPAZES SEM NOME


Claques sem honra

Há muito que se desconfiava da respeitabilidade das claques organizadas nos campos de futebol, especialmente dos grandes clubes nacionais. Cenas de pancadaria e agressões injustificadas a espectadores e a polícias, lançamento de verylights, um dos quais mortal, destruição de viaturas, incêndio propositado de um autocarro, etc., foram algumas das últimas manifestações destas claques a que urgia pôr cobro. Umas tímidas determinações foram tomadas pelas autoridades tutelares e ultimamente a obrigatoriedade do seu registo legal, coisa que não era cumprida, bem ao jeito português.

O incêndio de um autocarro ocorrido há pouco tempo, depois de uma partida de hóquei em patins, colocou a polícia judiciária em campo e a sua acção culminou com uma invasão da «sede» do grupo dos No Name Boys, a apreensão de droga, armas, dinheiro, diversas viaturas, etc. e a prisão de 30 elementos da claque que foram sendo apresentados ao juiz de instrução criminal.

Diz a Rádio Renascença que, «terminadas as audições, dos 30 detidos na operação “Fair Play”, seis ficaram em prisão preventiva, quatro com apresentações periódicas e 20 com Termo de Identidade e Residência

Apetece-me elogiar, desde já, as forças policiais, pela eficácia desta sua acção.

Mas nem tudo são coisas dignas de elogio no rescaldo desta operação, após uma análise mais atenta, e até várias perguntas se impõem às mentes honestas e pacatas dos cidadãos comuns, especialmente aos que gostam de assistir tranquilamente a jogos de futebol.

Como é possível que um grupo de energúmenos se instale durante anos, num armazém localizado no interior de um grande estádio de futebol?

Como foi possível que sucessivas direcções do clube tenham passado por alto essa irregularidade, aleguem agora total desconhecimento e neguem toda e qualquer responsabilidade sobre este grave assunto?

Como foi possível levar para o interior de um estádio privado, com instalações normalmente fechadas e guardadas, onde os espectadores aos desafios são proibidos de levar consigo simples canivetes e sendo revistados dos pés à cabeça, dezenas de armas de fogo sem registo, verylights e matracas de basebol?

Como, à descarada, foi possível transformar ainda este incrível armazém num depósito grossista e distribuidor droga, nas barbas de muitos milhares de pessoas?

Como foi possível alguns adeptos manifestarem-se contra a polícia, à saída do tribunal onde decorriam os interrogatórios? Fariam parte do grupo, ou eram simples adeptos ingénuos e bem intencionadas?

São perguntas que veremos maioritariamente respondidas ou não, no decorrer das audiências do julgamento. A lentidão da nossa justiça ajuda pouco a estes esclarecimentos.

Ainda outras perguntas poderão, entretanto, ser feitas pelas pessoas de bem.

Quantas mais claques sem honra, claques de fachada para outras actividades ilícitas como esta haverá por esse país fora?

No auge de um certo aumento de criminalidade verificado durante os meses de verão, recordo as críticas jornalísticas e partidárias feita às rusgas levadas a efeito pelas forças policiais aos bairros degradados, onde vários meliantes, acoitados no meio de moradores honestos, foram caçados e diversas armas apreendidas. E no entanto, agora que uma rusga policial irrompe no estádio de futebol do clube mais popular do país, o silêncio é de cortar à faca, não se ouve o zumbido de uma mosca! Penso que as forças policiais que intervieram nesta operação deveriam merecer, da imprensa e dos partidos, ao menos uma simples menção honrosa!

Também aos dirigentes desportivos não se ouviu uma palavra de louvor, muito menos de incentivo a outras operações similares noutros estádios, em Lisboa, no Porto, em Guimarães ou noutras cidades....onde é preciso investigar a fundo e desmascarar, se for o caso, os restantes No Name e Super que por aí fazem escola...

Eles que tanto falam, até demais, sobre os problemas das arbitragens!

terça-feira, 18 de novembro de 2008

METER TUDO NA ORDEM


Ironias perigosas

A notícia é do Correio da Manhã:

«A presidente do PSD, Manuela Ferreira Leite, questionou-se hoje, em jeito de ironia, "se a certa altura não é bom haver seis meses sem Democracia, mete-se tudo na ordem e depois venha a Democracia.

'Quando não se está em Democracia é outra conversa, eu digo como é que é e faz-se. E até não sei se a certa altura não é bom haver seis meses sem Democracia, mete-se tudo na ordem e depois então venha a Democracia', afirmou Ferreira Leite para demonstrar, de seguida, como se deve fazer uma reforma em Portugal e num regime democrático.Etc.»

Pensando bem, está fora de causa o pendor democrático de M.F.L. No entanto, apesar da intenção dos comentários efectuados, do local onde foram feitos e do tom irónico utilizado, não deixam de ser preocupantes. Poucos políticos se atreveriam a fazê-los, mesmo desta forma e de uma maneira tão contundente, com medo talvez de que algumas frases como estas pudessem ser tomadas à letra.

É que, em vários países da América Latina, onde a Democracia funciona às segundas, quartas e sextas, as populações já estão habituadas a que uma ditadura oportunista alterne com ela, às terças quintas e sábados, com os domingos reservados para os ofícios religiosos e as necessárias e folclóricas eleições intercalares.

Tudo começa com a desobediência intencional ou tradicional às leis e a discussão permanente, sempre sem resultados, instalada a todos os níveis da administração pública. Logo, criado o clima de ineficácia total, os homens que detêm as armas utilizam-nas em seu proveito, fazendo o golpe militar ansiado pela população ordeira, farta de conversas e de ineficácia. Para dar credibilidade ao acto, prendem ou expulsam os recalcitrantes e opositores mais importantes, prometem o regresso à democracia e a entrega do poder aos civis, dentro de uns seis meses, logo que tudo esteja metido na ordem. Mas as promessas falham, as dificuldades governativas aumentam com o tempo, as finanças e a economia começam a andar para trás e, antes que se instale o caos organizado ou se verifique alguma revolta sangrenta, os militares promovem umas eleições e entregam o governo ao poder civil. A este cumprirá «tirar então as castanhas do lume» e iniciar um novo ciclo, aproveitando o curto prazo de descrença e de expectativa das populações. A fase descendente tomará início dali a meia dúzia de anos ou até antes, e o país aproximar-se-á perigosamente de novo golpe militar, fechando o ciclo. Claro que, nestes ciclos, há sempre as variantes adequadas às circunstâncias.

É impensável um cenário destes em Portugal, apesar das aberrantes declarações partidárias que ouvimos todos os dias, vindas de variados quadrantes. Infelizmente, nenhum partido pode gabar-se de comportamento exemplar, nas suas campanhas permanentes de propaganda para acesso ao poder ou para a sua manutenção. É com alguma frequência que todos resvalam para a acusação fácil, para a contestação sistemática, para a discussão estéril, para a caça ao voto, para a obtenção de mordomias...abusando assim, pelos maus motivos, da paciência dos cidadãos, tudo numa certa lentidão inerente ao próprio processo democrático.

O que significa que, ao chegar o tempo de eleições, uma grande massa de eleitores, cada vez maior, se deixe ficar tranquilamente em casa, cansada de esperar a mudança de atitudes e um tanto desiludida com a política, talvez até com o próprio sistema. Muito da culpa desse desinteresse da população reside na perda de credibilidade dos partidos.

Tudo isto é democracia, dirão alguns. Mas os partidos poderiam melhorar a sua própria actuação, dando da democracia que é a sua razão de ser, uma imagem melhorada e, sobretudo, uma redobrada eficácia. Para o que bastaria colocarem de lado muitas divergências ridículas e elevarem sempre, acima dos seus interesses, o interesse nacional.

Assim dizem que fazem, mas fazem muitas vezes o que não dizem...

Brincar assim impunemente com os sentimentos dos cidadãos pode ser perigoso. Por enquanto eles ainda acreditam que as ditaduras são sempre piores que os regimes democráticos, com todos os seus defeitos. Não os façam mudar de ideias.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

PORTUGAL OU A BARBARIA


Em que país estamos?

Insurjo-me com frequência contra a imprensa noticiosa, pelo abuso que faz das más notícias e a quase sistemática ocultação das notícias que vale a pena ler. Estas não vendem e a exploração da coscuvilhice, da maledicência, do crime, da corrupção ou da simples fofoca são operações de marketing eficaz, com assento em todos os manuais da especialidade.

Em certos dias, a mera leitura dos títulos de primeira página de alguns jornais deixa-me um travo de amargura, uma tristeza que não raro me impede de ler as páginas que seguem.

E outras vezes faço um grande esforço para lê-las. Hoje foi um desses dias.

Depois de referências às manifestações de protesto dos professores contra a avaliação, alegando motivos burocráticos que não convencem ninguém de boa fé, e depois de alunos de pouca idade, arregimentados, fecharem escolas a cadeado e atirarem ovos e tomates a membros do governo, em exercício, a notícia do dia centrava-se numa claque de futebol investigada pela polícia, resultando a descoberta de armas, droga, dinheiro e bilhetes. Pior que isso foi a reacção de outros membros da claque (ou adeptos), agredindo um fotógrafo da RTP e um dos polícias que viera em seu socorro, à saída do Tribunal.

O que me preocupa neste momento é que, nestas notícias, há um denominador comum. Não se trata de criminosos vulgares, como os que enchem as páginas do «Crime», mas de gente geralmente responsável que as circunstâncias tornaram irresponsável, intolerante, agressiva...

Pelo meio há crianças arrastadas na voragem dessa mesma irresponsabilidade dos adultos, dessa falta geral de educação, sobretudo da parte daqueles a quem compete ministrá-la.

No caso da claque, nota-se, além disso, uma ausência total da própria cidadania desportiva. Será por isso que se auto baptizaram «no name boys»?

Está bem claro que a liberdade democrática de todos estes intervenientes é o resultado de um conceito muito mal assimilado e ainda pior utilizado.

Já quase não temos analfabetos e possuímos estádios de primeira. Mas a educação e o civismo são muito mais do que isso.

Ocorre-me perguntar: estamos em Portugal ou na Barbaria?

Por vezes já não sei...

domingo, 16 de novembro de 2008

ACUSAÇÕES, EXIGÊNCIAS, PROTESTOS

ACUSAÇÕES, EXIGÊNCIAS, PROTESTOS

O país de brandos costumes

É interessante folhear desapaixonadamente as páginas da nossa imprensa e atentar na terminologia política ali expressa. Possivelmente poderiam ser outras as palavras vertidas nos títulos, mas a contundência dos artigos não seria a mesma. Pelo menos até que os leitores viessem a fartar-se delas. Provavelmente é o que já está a acontecer neste momento.

Manuela acusa o Governo. O Governo acusa o PSD. O CDS acusa Sócrates. Vitalino Canas acusa Paulo Portas. Jerónimo de Sousa acusa o PS. O BE acusa o Ministério das Finanças. Os Sindicatos acusam o Ministro do Trabalho. Sócrates acusa a CGTP...

Todos se acusam uns aos outros, sem excepção. Agora até Manuela Ferreira Leite acusa a Imprensa.

Também nas notícias da sociedade civil em geral o mesmo acontece. Os dirigentes desportivos acusam os árbitros. Os alunos acusam os professores e os governantes. Os professores acusam os governantes e os pais. Os pais acusam os professores, a polícia, as finanças, quem lhes aparece pela frente. E, no fim da linha, os juízes acusam o poder político e os cidadãos até já acusam a Justiça!...

É um mar de acusações, aquele com que a imprensa diária nos brinda constantemente. Não há afirmações, intenções, averiguações, denúncias até, mas simplesmente acusações!

Não só. Também nos enche os olhos de exigências!

Não há pedidos, não há sugestões, não há ideias, não há conversas, não há ofertas, não há entendimento, conciliação, cedência, harmonia, mas apenas exigências, depois das acusações.

Os professores exigem o fim das avaliações. O Governo exige o cumprimento das leis. Os militares exigem os subsídios. O Ministério das Finanças exige o corte nas despesas. Os bombeiros exigem mais viaturas. A ministra exige melhor cumprimento. O INEM exige mais meios e mais autonomia. A Direcção e a população exigem mais rapidez dos serviços. Os doentes exigem melhor Serviço de Saúde. As Farmácias e a Indústria Farmacêutica exigem os pagamentos da Tutela, em atraso. As Finanças exigem o pagamento das dívidas ao fisco. E por aí fora, numa linguagem parecida com a que utilizam os assaltantes das bombas de gasolina, quando exigem a massa ao funcionário intimado...

É sempre um mar de acusações e de exigências, qualquer que seja a página que estejamos a folhear. Poderia haver discurso directo ou indirecto, palavras alternativas, mas há simplesmente acusações e exigências!

A terceira «palavrota» agora em voga na imprensa é o protesto.

Os deficientes protestam contra a escassez do subsídio. Os trabalhadores protestam contra os baixos salários. Os presos protestam contra as condições da prisão. Os sindicatos protestam contra o novo Código de Trabalho. Os juízes protestam contra a redução das férias judiciais, e assim por diante. A vantagem ou desvantagem, neste caso dos protestos é que os governos nunca protestam, só acusam ou exigem.

A imprensa portuguesa é um mar de acusações, exigências e protestos de todos contra tudo o que mexe.

Mas, neste país que todos clamam de brandos costumes, quem não acusa, nem exige, nem protesta, é um palerma! Se não, vejamos os adágios populares:

Quem não se sente, não é filho de boa gente.

Quem não fala, consente.

E portanto, quem não acusa, não exige, não protesta é um palerma!

Assim se explica por que razão a linguagem da nossa imprensa é tão agressiva, tentando, talvez, fazer dos portugueses, aos olhos dos estrangeiros, um bando de corruptos, de criminosos, de revolucionários, de inconformistas. E afinal, depois de residirem por cá durante algum tempo, eles descobrem a outra face oculta do país, a tal dos brandos costumes que os jornais não mostram, aquela em que Portugal é antes um bando de laxistas, em que a permissividade às leis ou a fuga ao seu cumprimento estão instituídos como lei suprema, indiscutível. Descobrem ainda que a maioria dos portugueses, afinal, não acusa directamente ninguém, mas suspeita de toda a gente, da própria sombra, se for necessário, descrê da política, da imprensa e da própria Justiça. Por último, verificam que as exigências não passam, na maior parte das vezes, de meras intenções e os protestos não passam da boca para fora.

São essas características negativas, tão ausentes das suas terras de origem, que fazem as delícias dos turistas que nos visitam ou por cá residem. Interiorizaram há muito que os portugueses barafustam muito, mas não fazem mal a ninguém. São até, para os mais arrogantes deles, uns pobres diabos simpáticos, numa terra de bom clima, bonitas paisagens e vida barata.

A sorte de muitos desses turistas é não saberem, nem fazerem por saber, uma linha de português. Se conseguissem ler os jornais, cheios de crimes, acusações, exigências, protestos, condenações, fugiriam logo aterrorizados, para os seus países.

A menos que não dessem nenhuma importância, ou dessem o devido desconto às notícias, como fazem os cidadãos nacionais residentes...

Mais não digo.

Só acuso, exijo reparações e protesto contra quem não estiver de acordo comigo.