quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

FUTEBOL, ARBITRAGEM E DESPORTIVISMO

Justiça, liberdade e parcialidade

Dizer claramente, em duas palavras, tudo o que me apetece sobre tantas questões que o título sugere, é impossível. Seria muito mais difícil que fazer a emblemática quadratura do círculo. Mas vou tentar atirar a conhecida e habitual pedrada no charco onde tudo navega, agora mesmo, na altura em que o Futebol parece estar nas alturas, nesta altura em que o Cristiano subiu ao mais alto e pôs os dirigentes, os simpatizantes da modalidade e os furiosos a deitar foguetes...Foi muito bom para o ânimo dos portugueses, acorrentados pela crise às naturais dificuldades da vida diária.

Agora vemos já, passados que foram apenas dois dias, que tudo eram apenas foguetes de lágrimas, despoletadas muito simplesmente pelo desfecho do encontro Benfica-Braga falseado, segundo os bracarenses, por uma arbitragem «escandalosa» e muito contestada, a beneficiar a equipa que tem mais de seis milhões de adeptos e simpatizantes no país... Já anda toda a gente outra vez em polvorosa.

Poderia ter sido por outro motivo qualquer, desses em que a arbitragem é fértil e os dirigentes dos clubes cantam despeitadamente quando perdem. Tudo tão certo como o fado da Sardinha Assada, no Bairro Alto, parodiando o tradicional acepipe popular mais próprio do pino do Verão do que nestes dias frios.

No fundo, no fundo, tudo na mesma, como a lesma, apesar do Ronaldo!

Depois dos estafados discursos do sistema e dos campeonatos ganhos com a compra das arbitragens, dos julgamentos resultantes em nada e outros em curso de finalização para as calendas, da moralização exigida por todo o mundo e do juramento dos novos dirigentes, passando pelas vergonhas do Conselho de Justiça da Federação, o Futebol lá vai seguindo tranquilamente o seu caminho, mais blá-blá-blá, menos blá- blá-blá, mais golo, menos golo espectacular, duvidoso ou cozinhado, mais penalty menos penalty justa ou injustamente marcado ou não marcado, mais arbitragem, menos arbitragem parcial ou imparcial, competente, incompetente ou fraudulenta, mais declaração, menos declaração bombástica ou não, de algum dirigente pretensamente voluntarioso ou ressabiado, etc., etc.

A verdade é que já ninguém liga nenhuma a essas bombas de meia tigela...

Também, dentro dos clubes, continuam as conhecidas dificuldades económicas com fugas para a frente, ao fisco, à descida de divisão, às chicotadas psicológicas, à perda de adeptos, e por ai fora. Tudo isso não significa nada mais que a possibilidade ou impossibilidade de encontrar um ricaço influente, carola e necessitado de protagonismo para evitar a morte súbita durante os tempos mais próximos. Nada de novo também. Assim nasceram os Bugalhos, os Rochas, os Cintras, e outros de menor estaleca nos pequenos clubes, ou senhores de outro tipo de actividades como o V. Azevedo, o M. Machado, os Valentins e mais alguns que podem estar na calha...tudo gente esperta que se governa excitando as claques ou milhares de tansos para que gritem vivas aos jogadores de estimação e morte aos árbitros caídos na desgraça. Muitos desses adeptos não saberão mesmo fazer mais nada.

Claro que o Futebol não é só isto. É, acima de tudo, um jogo bonito que dá gosto ver, um desporto viril, alegre, saudável mobilizando por isso multidões em todos os países do mundo. E ultimamente movimenta milhões, transforma jogadores em milionários, e cria, paralelamente, milhares de empregos directos e muitos mais indirectos. Não falemos ainda das apostas, dos bingos e jogos de lotaria com prémios altíssimos...

Talvez essa movimentação de milhões seja o principal motivo de tantos problemas que afligem actualmente o futebol, os dirigentes, as arbitragens.

Na verdade, quando os jogos eram disputados a feijões, os jogadores compravam os uniformes, carregavam as balizas e honravam a camisola. Os árbitros nem formação tinham e as suas determinações eram aceites, na generalidade, embora impostas com apitos de lata. A palavra mais citada e celebrada na imprensa era desportivismo.

Só muito mais tarde, com a importância das enormes verbas em jogo, dos prémios, dos campeonatos internacionais, etc., começaram a aparecer as máfias e os «sistemas», passando a imprensa a fazer gala de algumas palavras tão contraditórias como justiça, liberdade e parcialidade, no Futebol, porque o desportivismo foi desaparecendo em troca de um certo profissionalismo bacoco, mascarando um amadorismo que ainda se mantém subjacente. Ainda há poucos anos apenas se obrigaram os clubes a inscrever e a pagar a segurança social aos seus atletas, sob pena de multa ou despromoção, e ainda se discute, neste momento, a possibilidade e a vantagem de passar os árbitros à categoria de profissionais autênticos. Quase o mesmo se passa com a Justiça Desportiva, entregue a juízes reformados e carolas, porque ainda não houve coragem de fazer melhor.

Como as grandes estruturas do Futebol são dominadas pelos três clubes mais poderosos, fica muito periclitante a justiça e a liberdade dos pequenos, e é evidente a parcialidade em favor dos maiores, por mais parágrafos e vírgulas que sejam metidos nos regulamentos, apenas para inglês ver.

Também não custa nada explicar as três épocas, as três vintenas em que se reparte a preponderância do Futebol Português, na Federação e na Divisão Principal: a do Sporting goleador dos cinco violinos, a do Benfica glorioso nacional e europeu, e a do Porto campeão duplo do europeu e múltiplo dos campeonatos nacionais.

Os interesses destes três grandes do Futebol Português condicionarão sempre todo o conjunto de deliberações que possam vir a ser tomadas pelas instâncias desportivas superiores e não se ganhará grande coisa com modificações impostas ou influenciadas por qualquer deles ou apenas por dois, ou até pelos três. Esta última hipótese é difícil, porque aquele que vai ganhando nunca quer mudanças...

No entanto, como o desportivismo, sinónimo de civismo, anda muito decadente, pressinto que as coisas poderão mesmo assim mudar, ainda que ligeiramente, porque o último ciclo dos habituais 20 anos está a chegar ao fim e antevê-se a aproximação de um novo comandante, um novo sistema, com os mesmos vícios...

Será que, no Futebol Nacional, só as moscas é que mudam?

Mas, enquanto não muda mais nada, no Futebol Português, cá nos vamos contentando com a eleição do Cristiano Ronaldo como o melhor jogador de 2008, jogando embora num clube inglês.

Quem me dera estar redondamente enganado nas minhas conjecturas!

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