domingo, 20 de setembro de 2009

PASSAR O TEMPO, EM PORTUGAL


Os grandes problemas nacionais

As férias foram, para muitos, o prémio a que tinham direito, depois de um ano de trabalho. Para uns quantos, talvez não tenham sido merecidas. Alguns, no entanto, tiveram férias forçadas pelas circunstâncias, enquanto outros nem saberão o que é ter uns meros dias de descanso. A crise global veio também baralhar muitos esquemas anteriormente preparados.
E, no entanto, parece que a famigerada crise já não serve para ocupar o tempo aos portugueses.
Os pobres, mantêm-se de bico calado e de mão estendida, limitando-se a engolir saliva, enquanto têm forças.
Os ricos continuam a divertir-se, como se nada tivesse acontecido.
Os políticos seguem nas suas discussões eternas e inglórias, não encontrando grandes soluções para regenerar o país.
A Justiça continua no seu marasmo corporativo e na sua ineficácia virgulista tradicional.
A Imprensa, pondo de lado a ética e a independência devidas, entretém-se fazendo notícias a esmo, entremeadas de boatos ou acusações politiqueiras, aproveitando a diminuta fofoca do início da nova época do futebol e, sobretudo, o grande filão das campanhas eleitorais, várias para enjoar…
Durante cerca de um mês, fiz uma terapêutica de cura de jornais noticiosos em papel, rádio ou TV, furtando-me assim às páginas corriqueiras habituais, ampliadas por comentaristas nem sempre isentos, de interesses conhecidos, mas bem pagos. Regressado destas «férias», pensava eu, na minha simplicidade, que viria encontrar este mundo português mais sério, mais honesto, menos má-língua, mais interessado na discussão honesta dos graves problemas do país, mas enganei-me redondamente.
De uma penada, vieram ao meu encontro três temas fofoqueiros de terceira ordem, discutidos como sendo de enorme interesse nacional ou capazes de conduzir o país à ruína, senão à sua completa perda de independência. Tudo o que seria de interesse, necessário, real, imperioso mesmo, fora posto de lado (como de costume) ou submerso pela campanha politiqueira sobre uma pretensa asfixia da liberdade de expressão democrática, as sugeridas, reais ou boatescas escutas ao Presidente da República repescadas do ano passado, e o despedimento da corporação que durante alguns anos comandou a informação e a exibição de um jornalismo com bastante a desejar, num determinado canal de televisão. Tudo tem sido bem aproveitado!
São coisas do arco-da-velha que nem me tinham passado pela cabeça há um mês atrás, e não me apetece discutir, sequer. Que o façam aqueles que mais nada fazem. Dar-lhes-á milhões, coitados! A mim sobra a riqueza de uma parca reforma…
Após três dias apenas, nos quais voltei a socorrer-me da leitura, tentando colocar-me a par dos remédios eventualmente aplicados ao país, ou à sua rápida discussão e escolha, fiquei pois, como diz o povo sábio, vacinado!
Esse mal já não se me pega. Será mais fácil adoecer com a gripe A, ou outra maleita qualquer, que voltar a interessar-me pelas patacoadas que são afinal o ganha-pão e o divertimento de uns quantos, à custa dos muitos papalvos que existem também por aí.
Durante muitos anos, censurei intimamente uma grande parte da população deste país de desportistas da má-língua, que se entretinha a ler os títulos dos jornais especializados na fofoca desportiva, em vez de se preocupar com o estudo dos verdadeiros temas de interesse da nação.
Durante não sei quanto tempo, invectivei os próprios familiares que tentavam seguir esses exemplos e incentivei-os a tomar o caminho da seriedade, do conhecimento, do trabalho e do amor à pátria, pondo de lado o acessório e o mexeriqueiro.
Durante décadas, eu próprio resisti o mais que pude a esta avalanche de desperdício que vai submergindo tudo e todos, agora já quase sem encontrar resistência.
Sinto-me só!
A maioria daqueles que, tal como eu, lutavam contra ela, já deram a alma ao Criador, depois de amargarem a sua vida numa lide inglória, e nada lucraram com isso, a não ser levarem consigo a agradável sensação do dever cumprido. Foi muito, e também muito pouco!
O desânimo não irá vencer-me, mas sinto que existe em mim uma ideia de abrandamento nesta campanha, que o pendor dos anos já pesa bastante.
É com mágoa cada vez mais profunda que assisto a esta bandalheira de todos contra todos, como nas antigas e forjadas sessões de luta livre o Parque Mayer, para caçar dinheiro aos pacóvios.
E andamos nós a importar fontes de energia lá de fora, pagas a peso de ouro, com tanta energia desperdiçada cá dentro!
Como é fácil passar o tempo em Portugal, sem produzir nada! As antigas velhotas do soalheiro até coziam as meias rotas dos netos enquanto badalavam boatos falsos, à porta de casa, não eram tão displicentes!
Bem sei que os grandes problemas nacionais continuarão para muitos, na prateleira.
Mas no dia 27, ao contrário de tantos que falam e protestam por aí, mas não cumprem as suas obrigações mais comezinhas, lá irei como bom português, fazendo gala do civismo que os pais e a escola do meu tempo me ensinaram, deixar na urna o voto que a consciência me ditar.
Não haverá desculpas para os faltosos. Nem sequer há futebol! E, mesmo assim…