Hoje deu-me para escrever algumas considerações de meia tigela sobre árbitros de futebol. Não que considere a arbitragem uma profissão menor, embora até há bem poucos anos ela fosse considerada apenas como puro exercício amador.
Mas, com a arbitragem e com muitas outras profissões, o amadorismo continua subjacente, apesar da capa que inviamente lhe colocaram em cima, de um profissionalismo oportunista e bacoco.
Claro que os árbitros não têm toda a culpa disso. Eles ganham a vida como quaisquer outros, sentem-se meros aproveitadores de uma falsa situação e nada fazem para alterá-la, apesar das jantaradas de homenagem, das luvas recebidas, prometidas ou disfarçadas, do trabalho inglório dos fins de semana, dos apitos de ouro, de prata ou de lata e, sobretudo, das pedras ou das garrafas vazias que os «tifosi» lhes atiram, e dos comentários pífios e manhosos com que a imprensa os crucifica, sobretudo às segundas-feiras.
Mas os árbitros julgam-se, ainda assim, superiores a essas coisas. Sentem-se também protegidos pelas autoridades policiais e administrativas, sabem que os cartões que exibem resultam do seu livre arbítrio e têm quase tanta força como um tribunal porque, à brincadeira do futebol de antigamente, só falta agora uma prisão para ser levado a sério, não obstante alguns estádios, por vezes, na ocasião de certos jogos, se parecerem bastante a campos de concentração onde não faltam malhas de arame, valas protectoras, gases lacrimogéneos, cães polícia e guardas a cavalo no exterior...
Mas estão tramados e à defesa, neste momento!
O ex-árbitro Paulo Paraty e o árbitro Cosme Machado foram esta terça-feira insultados antes do início do debate "Profissionalização dos Árbitros em Portugal" que decorreu na Associação de Futebol de Braga. Cerca de três dezenas de adeptos do Sporting de Braga fizeram questão de marcar presença na sede da AF Braga, apesar do principal "alvo", o presidente da Comissão de Arbitragem (CA) da Liga de clubes, Vítor Pereira, ter cancelado a sua vinda ao debate pelo "momento conturbado do futebol".
Verdade seja dita que os árbitros há muitas dezenas de anos se têm vindo a pôr a jeito, mas se tornaram, apesar disso, os maiores mentores de uma crise do futebol nacional que não tem fim. Os adeptos ainda não se aperceberam dessa incongruência e não conseguem interiorizar que sem árbitros, como sem justiça, não há futebol nem mais nada, nesta terra de sábios convencidos e de pedintes inveterados. Se atirarem muitas pedras aos árbitros, matam o próprio futebol, ficando definitivamente numa tristeza pura! Querem que os árbitros sejam o bode expiatório das suas frustrações clubistas, e está tudo dito. É que não conhecem alternativa...
Mas também, por outro lado, pedir aos árbitros que sejam deuses é pior que a quadratura do círculo, seja ela a extensão dos teoremas de Euclides ou de Pitágoras, ou apenas aquela que passa na TV, para puro divertimento de quem assiste, por não ter mais nada que fazer. Demais sabem eles que errar é próprio dos homens. E, no entanto, há um ridículo profundo em toda esta questão das arbitragens.
Como sabemos todos, os árbitros, segundo os dirigentes do futebol, pouco fazem para diminuir a quantidade e a natureza dos seus erros. Igualmente os adeptos nada fazem para cultivar o civismo e o seu verdadeiro conhecimento das regras de jogo. Os jogadores ainda fazem menos para acabar com o aumento deliberado da matreirice que utilizam nos jogos, cada vez mais refinada e difícil de investigar em questão de segundos, em jogos cheios de picardias. Finalmente, os administradores do futebol não sabem o que devem fazer...e até parece que vão apoiar as novas tecnologias, como forma de passar as culpas aos aparelhos. Mas depois, quem os comanda ou interpreta? A verdade é que tudo isto é um filão inesgotável para a imprensa desportiva, cada vez mais importante, para os adeptos radicais e para os milhares de funcionários a quem o futebol paga ou dá visibilidade política, comercial, etc...
Por todos estes motivos, sem ter a visão alargada de Nostradamus, muito menos fazer de oráculo de Delfos, posso prever, com toda a simplicidade, que os problemas da arbitragem do futebol irão perdurar «per omnia saecula saeculorum», em Portugal, isto é, enquanto houver portugueses!
É que os tais magnos problemas não estão nos árbitros, nos dirigentes do futebol, nem nos jogadores, mas apenas nos portugueses! Falam, falam, mas não dizem nada... Pior, passam dias, meses, anos a discutir coisas estéreis, e nunca sobra tempo para realizar o que deve ser feito... Pior ainda, são especialistas a destruir o pouco que alguns tentam fazer... E, acima destas tristezas que nos afundam, sobra ainda uma onda de maledicência tradicional própria de um provincianismo invencível, bem adequado à nossa pequena e média intelectualidade, como já diziam os anarquistas, nos velhos tempos do PREC.
Também a imprensa rejubila com estas ridicularias. Faz delas objecto de problemas sérios para o país, como se não houvesse nada mais a fazer nesta terra de carências. Torna extremamente sérias muitas ocorrências absurdas e não consegue ridicularizar suficientemente algumas situações bem bizarras que ocorrem no mundo do futebol. Provavelmente porque é difícil, a quem vive da venda de jornais, lutar contra este tsunami que submerge tudo na sua passagem, a imprensa incluída.
Os casos empolgantes e caricatos que despoletaram esta completa «aberração» de ontem foram as arbitragens infelizes dos desafios do Braga com o Benfica e o Porto, perdidos pela equipa local, as quais deixaram uma certa franja da população bairrista e futeboleira da cidade dos arcebispos, em completa polvorosa. Também não escaparam ao ridículo as ligações sempre frágeis e espúrias das autoridades autárquicas com o clube representativo da Terra. Todos concorreram para aumentar essa fúria que conduziu o Presidente da Câmara de Braga a demitir-se já da promíscua Vice-Presidência da Assembleia-Geral da Federação Portuguesa de Futebol!
O motivo, a sua gota de água, foi uma simples frase do Presidente da Comissão de Arbitragem da Liga de Futebol, farto das recriminações dos que já se sentiam desapontados com o futebol segundo a qual, «quem já não gosta, não deve ir aos desafios»...
Aqui d´El Rei!
Volto ao debate que referi no início.
"Chulos, palhaços, ladrões!", ouviu-se dentro do auditório sempre que os nomes dos árbitros eram pronunciados. Também, fora do auditório, Paulo Paraty teve que interromper uma entrevista a um canal de televisão, dados os insultos de que era alvo.
"Estão a roubar o Braga! Gatunos, é o sistema!", ouviu-se, durante o debate promovido pelo "Correio do Minho" e a "Antena do Minho".
O tempo está de chuva e oxalá se mantenha assim por mais quinze dias, para encher finalmente as barragens hidroeléctricas e arrefecer os ânimos escaldantes dos furiosos da bola. Se assim acontecer, é o «dois em um»!
Mas talvez esteja a ser exagerado. As arbitragens continuarão a ser a válvula de escape das populações, ante as derrotas do futebol e as frustrações da vida, sobretudo agora, perante a crise financeira e económica que submerge o País.
Viva o Futebol!
Apeteceu-me, por momentos, parafrasear os anarquistas dos tempos do PREC:
«Os árbitros que paguem a crise existencialista de Portugal!»
Mas era demais!
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