segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A EXCELÊNCIA DA CASA PIA


Os maus aproveitamentos jornalísticos

Terminaram, parece, as alegações finais do Processo Casa Pia. A população já está cansada de toda esta novela que dura há vários anos e com antecedentes de muitos mais. Espera apenas que a Justiça acabe com esta vergonha, esclareça de vez os factos e determine a culpabilidade ou inocência dos arguidos.

Entretanto, penso que toda a porcaria que a imprensa tem vindo a publicitar, desde há vários anos, envolvendo a Casa Pia, deveria ter sido mais contida, nas descrições repetidas vezes sem conta nas linhas gradas dos jornais nacionais que se entretiveram a alimentar uma avidez mórbida de notícias condenáveis em que a população portuguesa é altamente viciada. Não vale a pena discutir mais uma vez os factos e os relatos efectuados. A verdade é que a ética profissional dos jornalistas não sai deste enredo muito favorecida e o seu dever pedagógico para com as populações que a mantêm é pouco menos que nulo. Em contrapartida, o marketing, o aproveitamento dessa avidez mórbida das gentes para vender periódicos, é a pescadinha de rabo na boca com que certamente se defendem os publicistas. Difícil, segundo eles, tentar saber quem nasceu primeiro, o ovo, ou a galinha ou, usando o seu próprio sofisma agora tão na moda, é o Povo ou é a Imprensa que assim o querem? As justificações das aberrações são geralmente aberrantes.

Há poucas horas, passei ao lado da Casa Pia de Lisboa e foi com agrado que pude apreciar a movimentação calma, normal dos alunos que entravam e saíam do estabelecimento de ensino, nada fazendo lembrar o processo em curso e os eventuais crimes tão badalados onde é referenciado pessoal menor, alunos e até um médico e um provedor da instituição.

Certo é que, desde que a Casa Pia foi fundada, nos finais do século XVIII, a pedido da rainha D.Maria I, pelo Intendente Geral da Polícia Pina Manique, passaram por ali muitos milhares de jovens órfãos, sem meios económicos de subsistência, muito menos para cursar estudos normalmente, os quais se tornaram depois homens dignos, muitos deles ficando com o nome gravado a ouro nos mais diversos ramos da Ciência, do Ensino, da Administração Pública e até da Governação, em Portugal.

Estes factos muito raramente são lembrados. Pelo contrário, uma onda de descrédito, recriminação e propaganda pelas más razões tem tentado apagar da memória dos portugueses aquela que foi, durante mais de dois séculos, uma Instituição Modelar de referência, a nível nacional, na recuperação de muitos desprotegidos da sorte. A tal ponto essa onda de descrédito foi levada a cabo, inconscientemente ou não, que a maioria da população portuguesa de agora apenas conhece a Casa Pia das bombásticas e vergonhosas notícias que a imprensa divulga continuadamente, sem cuidado e sem vergonha.

Ainda não consegui perceber por que razão as coisas desagradáveis e sujeitas a recriminação têm que ser «obrigatoriamente» exaltadas, e são objecto de muito maior divulgação, nos media, que os acontecimentos verdadeiramente dignos de registo ou de encómio.

Provavelmente por que nasci e vivi numa era em que a ética tinha outro valor, factos dignos de nota ocupavam as páginas principais dos jornais, e todos os crimes, corrupção incluída, sempre mais rápida e eficazmente castigados, vinham sumariamente descritos nos rodapés ou nas páginas interiores dos jornais...

Alguém dirá já com despeito e orgulho que a época é outra, que vivemos em democracia e liberdade. Mas eu contestarei apenas que, por isso mesmo, a responsabilidade da imprensa deve ser muito maior que antigamente.

Infelizmente, não é isso que vejo.

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