terça-feira, 20 de janeiro de 2009

FERNÃO DE MAGALHÃES

Para além das «malhas que o império tece»

Já me doíam as costas de estar sentado ao quentinho da lareira, a ler o livro das Viagens de Magalhães pela segunda vez. Mas por quê esta leitura dupla? Porque a vida de Magalhães é uma história apaixonante, mais ainda que as suas viagens em volta da Terra, umas feitas de Ocidente para Oriente, tendo estado em Goa, na defesa de Diu, na conquista de Malaca e chegado perto das célebres Ilhas Molucas, e a última, a chamada de circum-navegação, de Oriente para Ocidente, com fim nas Filipinas, onde foi morto numa emboscada de nativos. Mas, da leitura do livro, escrito por um jornalista «globetrotter», o que de melhor me ficou gravado foi o apagamento tentado da memória dos portugueses, do registo histórico de um homem extraordinário, da maneira de ser deste português de quinhentos, estudioso, persistente, atrevido, valente, defensor das suas ideias, lutador pelas suas convicções e certezas até à morte. Isso deveu-se ao seu quase afastamento compulsivo dos círculos do poder em Portugal, não obstante todo o empenhamento de uma vida ao serviço da pátria e do seu rei, o que o levou até Castela, para pôr em prática a sua ideia brilhante, alicerçada em conhecimentos e navegações extraordinariamente adquiridos ao serviço do Portugal que o punha de lado...

Parece que o poder instalado em Lisboa procurou depois, num desforço, apagar da memória dos portugueses o feito extraordinário levado a cabo por um «traidor», cujo brasão de família foi provavelmente destruído por um pedreiro contratado, a golpes de maceta e os passos da sua vida apagados o mais possível dos arquivos. Mas nem assim conseguiu. Também os espanhóis procuraram desvalorizar o feito maior de Magalhães, em favor do seu Sebastian del Cano, sem resultado. Valeu o diário de bordo escrito por um cronista italiano sobrevivente da gloriosa expedição.

O nome de Magalhães acabou por ficar gravado em letras de ouro no Mundo inteiro, registado nos compêndios escolares, nos livros, universidades e institutos científicos, nas paredes, nas ruas e nas estátuas erguidas por todo o Globo, até na primeira sonda que os americanos enviaram a Vénus. Mais nenhum português conseguiu merecer o reconhecimento mundial, como Magalhães.

Lembro aqui, a propósito, um caso extraordinário que testemunhei na cidadezinha de Ica, no Peru, em 1966. Tendo ficado apeado por umas horas, devido a uma avaria do carro, resolvi, com a família que me acompanhava, dar um passeio pelas ruas da cidade, na direcção da lagoa de águas sulfúreas de Huacachina, cratera de um vulcão extinto. Um garotinho de nove ou dez anos, índio, descalço, aproximou-se de nós e perguntou:

-Les hé escuchado bien. Ustedes son porugueses, no es cierto?

E, ante a nossa surpresa, acrescentou logo:

-Hernán de Magallanes era portugués...

Depois de conversar dois minutos com o miúdo e avaliar os seus bons conhecimentos de história peruana e ibérica, fiquei pensativo por alguns momentos, envergonhado com certo laxismo existente no ensino da História Pátria, no nosso país. Agora ainda é pior.

Magalhães é, provavelmente, o português mais universalmente conhecido, de todos os tempos. E, no entanto, bem à portuguesa também, foi com a ajuda e a intervenção do embaixador de um país sul-americano que uma placa comemorativa foi colocada na casa de Sabrosa, onde possivelmente nasceu. Uma pequena estátua numa Praça de Lisboa, foi oferta do Chile e é da autoria de um escultor chileno, uma réplica menor da que este país mandou erigir na Patagónia, em Punta Arenas, na Província de Magallanes, homenagem ao navegador português que descobriu esta Terra e o Estreito que tem o seu nome, num feito heróico sem par. Magalhães correu ainda a Costa Chilena de sul para norte, até cerca de Valparaiso. Daqui partiu, pela imensidão do Oceano Pacífico, por ele assim baptizado, para Guam e o Arquipélago das Filipinas, onde perderia a vida. Aqui tem igualmente uma estátua de homenagem...

Ganhei ânimo, deitei mais uma acha na fogueira e lá me aguentei, ao calor da lareira, até chegar ao fim da minha leitura. Valeu a pena, apesar de ser a segunda.

Aqui fica, nestas linhas, a minha pequeníssima homenagem a esta figura extraordinária de português, na verdade um génio da Humanidade, muito para além das «malhas que o império tece», como diria Pessoa...

Que tem sido feito, nas escolas e na própria sociedade, para torná-lo mais conhecido e estimado entre os seus próprios compatriotas?

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