quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

CABELO BRANCO É SAUDADE


Os homens são uns malandros!

Mais um estudo, igual a tantos outros, vem hoje publicitado na Comunicação Social. Pretende demonstrar que são os genes os principais responsáveis pelos cabelos brancos que se vão adquirindo ao longo da vida e que o stress ou a dieta pouco interferem nesta equação, ao contrário do que muita gente pensa.
Ora eu, que sou um ignorante em matéria de cabelos, sejam brancos, pretos ou oxigenados, fiquei a saber, sem margem para dúvidas, que tudo o que até aqui se vem dizendo a este respeito, pelo mundo fora, desde tempos imemoriais, deve ter sido uma invenção de Matusalém transmitida através de gerações incultas, tanto mais que, na época do várias vezes centenário patriarca bíblico não havia universidades nem estudos, nem outras fontes de conhecimento avançado que permitissem à meia dúzia de humanos carecas e barbudos seus compatriotas concluir outra coisa ou o seu contrário. De facto, filosofando um pouco sobre este tema, nem mesmo outra conclusão diferente Matusalém poderia ter sugerido ao mundo porque, no seu tempo, não havia computadores, nem stress, nem Mac Donald´s, e as dietas, se existiam, não eram naturais, mas naturalmente provocadas pela eventual escassez de alimentos, ou mesmo pela fome acidental. Interiorizou e legislou para s vindouros que as dificuldades e as amarguras da vida eram a causa dos cabelos brancos…Só nos nossos dias é que nasceram os stresses e as dietas.
Por outro lado, desde que a descodificação do ADN entrou na berlinda do nosso quotidiano, nada haverá que não seja atribuído aos genes ou às suas potenciais combinações, por cientistas (cada vez em maior número) ou simples cavadores de enxada (quase em vias de extinção).
Para mim, este estudo só peca, pois, por defeito, porque o interessante seria a identificação do gene ou combinação de genes responsáveis pelo aparecimento dos cabelos brancos. E, chegados a este ponto, verificamos que os autores do tal estudo (parece que a maioria era de mulheres) não tiveram estaleca para tanto, e se quedaram pela trivial conclusão agora publicitada num conhecido periódico, entre artigos de caça à droga, violência doméstica ou fofoca do Face Oculta.
Mas foi assim, através da leitura da notícia, que me lembrei de um fado velhinho que o malogrado Alfredo Marceneiro cantava, mesmo sem estudos literários ou outros quaisquer, incluindo o da própria guitarra que o acompanhava, «cabelo branco é saudade» … Nunca foi desmentido, que eu saiba.
A sorte dele e dos actuais fadistas, aliás, é que os fazedores de estudos, que hoje pululam por aí, não gostam nem percebem nada de fado. E, sendo assim, poderão estar descansados. Mal fora, se algum destes investigadores se lembrasse de estudar a relação dos cabelos brancos com a saudade, para concluir, cheio de glória, que isso não passava do efeito de um maldito gene…
Mas há maduros capazes de tudo.
Os genes originam coisas engraçadas, a par de outras que não têm graça nenhuma. Um amigo que conheci, com cabelo mais retinto que a graxa com que tingia os sapatos, foi vitimado por uma terrível doença que, em curtos anos, os deixou quase da cor da cal da parede. É mais que sabido que certos agentes químicos utilizados em terapêutica, em casos como este e outros, podem provocar a descoloração do cabelo ou mesmo o aparecimento de brancas.
O estudo a que me refiro, contudo, foi realizado, segundo a notícia, em duzentas irmãs gémeas, homo e heterozigóticas, de idades entre os cinquenta e nove e os oitenta e um anos, sendo que, segundo uma investigadora, os resultados apenas nas falsas gémeas destoavam um pouco, o que era natural. Porém, a estudiosa, cientista e dermatologista britânica, acrescentava no fim, à cautela, que pode haver excepções…
E assim, ainda não foi desta que os tês biliões de mulheres que há neste mundo ficaram a saber a partir de que idade necessitarão de ir ao cabeleireiro tingir os cabelos, para mudar de visual…
Quanto aos homens, nada é referido, provavelmente porque muitos deles cedo ficam carecas. São uns malandros!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

DA SUCATA À LIPOASPIRAÇÃO

Abusos da estética

As notícias dão conta de que o treinador do Nacional da Madeira está e perigo de vida, depois de ter sido submetido a uma «banal» lipoaspiração.
Este tipo de intervenções está na moda. De há uns anos a esta parte, montes de lipoaspirações são praticadas no nosso país, de tal modo que, especialmente entre as mulheres, fazer uma lipoaspiração é como dizer que vou ali e já volto…
Infelizmente, algumas foram e já não voltaram.
A face oculta destas anomalias, -se é que se pode chamar simples anomalia àquilo que acontece quando executado em cima de outra anomalia que é a vulgarização de uma plástica absolutamente desnecessária, levada a cabo exclusivamente por motivos estéticos, de que não andará certamente afastada a cumplicidade e ganância de alguns executantes menos sérios -reside provavelmente na existência na medicina, como na Política, como na Justiça, como em todas as profissões, de autênticos sucateiros.
Longe de mim tentar denegrir esta profissão que agora está na moda tomar como paradigma para tudo o que de mau venha a lume, por uma imprensa aberrante de sensacionalismos oportunistas, na ânsia pura da sobrevivência ou de fazer negócio, muito mais do que informar simples e honestamente o público. Agora, por exemplo, estão também na moda, pelos maus motivos, os sucateiros, como ontem estiveram os habitantes da Pedreira dos Húngaros, da Bela Vista, do Aleixo ou da Cova da Moura e por aí fora, estigmatizados desde então para cá com um ferrete de que não conseguirão libertar-se, nos próximos cem anos! Ora, sucateiros há muitos e dignos, exercendo uma profissão tão digna como qualquer outra, e o crime de um sucateiro transviado não poderá ser transferido para o seu mister e generalizado de ânimo leve a todos os outros, como se fosse um bando ou uma quadrilha organizada de malfeitores, imagem que é passada aos leitores subliminar e inconscientemente.
Quando chamo sucateiros a alguns profissionais, ressalvo, pois, que não pretendo denegrir aqueles, mas simplesmente dizer que alguns destes não estão à altura das suas responsabilidades na defesa da vida humana e nada mais, coisa que aos homens da sucata não pode exigir-se no mesmo grau.
Várias mortes têm sido anunciadas, na execução da técnica de lipoaspiração, algumas talvez acidentais, mas outras por mera incúria, rotina ou até um certo facilitismo que tende a atribuir a um acto médico desta natureza um alto grau de banalidade inócua. Numa das mortes, por exemplo, averiguou-se que o operador era um habilidoso especialista de Urologia! Muitos dos lipoaspiradores não são especialistas, como reconhece a Ordem dos Médicos, e há já um rol de histórias lamentáveis, na própria Ordem e na Deco. A Justiça, pelo seu lado, parece nunca ter culpado ou penalizado quem quer que fosse.
Não sei o que haverá influenciado o treinador do Nacional, no sentido de efectuar a liposapiração. Mas, muito provavelmente, terá pesado na decisão uma opção estética doentia e o facilitismo de quem o induziu a tomá-la ou a praticou. Num mundo cada vez mais regido por problemas de economia, vulgo lucro criminoso, e pelo abuso de padrões de beleza completamente aberrantes, em prejuízo dos verdadeiros cânones da Moral e da Estética que nos regeram durante milénios, tudo é possível acontecer.
Com a extensão da globalização a Portugal, já vimos médicos ucranianos a fazer de trolhas e portanto, não deverá surpreender-nos agora ver sucateiros a fazer de médicos. Só que, neste caso, a gravidade dos erros cometidos é muito maior…
Não dá para fazer humor negro com estas situações tão bizarras quanto trágicas, mas é caso para lembrar a notícia de um crime hediondo que fez parangonas na Comunicação Social, há uns dias atrás, segundo a qual índios semi-selvagens andinos assassinavam compatriotas para lhes extrair gordura, a negociar eventualmente com laboratórios de cosmética europeus. Se a moda pega por estas bandas, sobretudo depois da vulgarização campeã do fast food, muita gente não escapará.
Pela minha parte, jamais me apanharão. Nem que tenha que morrer de fome!
Não sei se o caso que ocorre com o treinador do Nacional se deve a descuido, a erro de rotina, ou a puro acidente imprevisto mas, desde já, faço votos para que ele escape desta.

sábado, 10 de outubro de 2009

SONDAGENS AOS MOLHOS


A corrida aos comentários

Amanhã irá ter lugar mais uma votação nacional, de acordo com o estrito cumprimento da constituição portuguesa. Ainda bem que assim é e que a democracia se mantém em pleno funcionamento.
Até aqui, nada de novo.
A novidade é que as sondagens postas em prática nos actos eleitorais, passaram, pouco a pouco, de esporádicas a frequentes, quase constantes. E, como as suas margens de erro vão diminuindo, com o aperfeiçoamento das técnicas de execução, qualquer dia já não valerá a pena fazer votações, a não ser para esclarecer um ou outro escrutínio mais duvidoso.
Claro que estou a brincar com o tema. Por mais sondagens que sejam feitas, por mais certeiras que venham a mostrar-se, elas não deixarão nunca de ser sondagens., embora, na sombra, possam influenciar muitas decisões políticas governativas ou autarcas. Mas também, algumas vezes, os resultados finais acabam por ser bastante discordantes das previsões anunciadas, tal como se verificou nas europeias (e depois nas legislativas deste ano), quando foram antecedidas de uma semana ou alguns dias apenas, do acto eleitoral. Pessoalmente, não creio que os eleitores mudem de cor de um dia para o outro. Aceito que alguns erros de apreciação devem ter ocorrido.
E, no entanto, há que atribuir certa credibilidade às sondagens, de um modo geral, se não são encomendadas pelo marketing de entidades interessadas, caso em que haverá que dar-lhes algum desconto. Estarei a exagerar?
Outro problema que se coloca nas sondagens, por mais honestas que sejam, é que cada periódico, de acordo com a sua tendência ou orientação político-profissional, dá maior ou menor relevo às sondagens, colocando-as em letra de forma na primeira página, ou em letra miudinha em página de interior, de acordo com as circunstâncias.
Interessantes são também os resultados das sondagens, poucos minutos depois de encerrado o processo eleitoral, cada vez mais próximas dos resultados reais que irão ser anunciados. Acredito piamente que também desta vez, com as autárquicas, as previsões, pouco depois de encerradas as urnas, não irão divergir muito do escrutínio eleitoral efectivo.
Pondo de parte as previsões, não quero deixar de fazer a minha apreciação sobre dois ou três aspectos da votação que vai ocorrer amanhã.
Em primeiro lugar, penso que os eleitores portugueses irão, mais uma vez, saltar por cima dos alarmes moralistas postos a circular, relativamente a alguns candidatos de diversas forças políticas, mesmo que já tenham sido pré-condenados pela imprensa, pelos partidos, ou até pela justiça. Eles irão premiar, com toda a certeza, a obra feita, pouco lhe importando as meras suspeitas de fraude, ou mesmo o roubo provado do erário publico, praticado pelo candidato da sua simpatia!
Em segundo lugar, aposto que pouco interessará aos eleitores que o «seu» candidato tenha publicado uma lista maior ou menor de apoiantes, de maior ou menor peso social ou político.
Em terceiro lugar, creio ainda que serão reconduzidos, de uma forma geral, todos os autarcas que tiverem feito um mandato a gosto, confirmando o facto, já bem enraizado, de que o principal motivo de reprovação de um candidato não é o conjunto de promessas eleitorais feitas pelos opositores ou a má-língua contra eles, mas a deficiência no desempenho que está a terminar.
Por último, as campanhas dos candidatos, à semelhança das legislativas, não primam pela discussão exaustiva dos temas mais importantes, decorrendo o tempo que antecipa as eleições, num clima de mera propaganda.
Independentemente das sondagens aos molhos, ou de todos os anacronismos que possam ter-se verificado durante o processo eleitoral, oxalá, ao menos, os resultados venham a mostrar uma diminuição da abstenção às urnas. Seria um bom sinal para a democracia portuguesa.
Tudo o resto, com mais ou menos comentários, será o trivial!

A corrida aos comentários

Amanhã irá ter lugar mais uma votação nacional, de acordo com o estrito cumprimento da constituição portuguesa. Ainda bem que assim é e que a democracia se mantém em pleno funcionamento.
Até aqui, nada de novo.
A novidade é que as sondagens postas em prática nos actos eleitorais, passaram, pouco a pouco, de esporádicas a frequentes, quase constantes. E, como as suas margens de erro vão diminuindo, com o aperfeiçoamento das técnicas de execução, qualquer dia já não valerá a pena fazer votações, a não ser para esclarecer um ou outro escrutínio mais duvidoso.
Claro que estou a brincar com o tema. Por mais sondagens que sejam feitas, por mais certeiras que venham a mostrar-se, elas não deixarão nunca de ser sondagens.
Também, algumas vezes, os resultados finais acabam por ser bastante discordantes das previsões anunciadas, tal como se verificou nas europeias (e depois nas legislativas deste ano), quando foram antecedidas de uma semana ou alguns dias apenas, do acto eleitoral. Pessoalmente, não creio que os eleitores mudem de cor de um dia para o outro. Alguns erros de apreciação devem ter ocorrido.
E, no entanto, há que atribuir certa credibilidade às sondagens, se não são encomendadas pelo marketing de entidades interessadas, caso em que haverá que dar-lhes algum desconto! Estarei a exagerar?
Outro problema que para mim se coloca nas sondagens, por mais honestas que sejam, é que cada periódico, de acordo com a sua tendência ou orientação político-profissional, dá maior ou menor relevo às sondagens, colocando-as em letra de forma, na primeira página, ou em letra miudinha, em página de interior, de acordo com as circunstâncias.
Interessantes são também os resultados das sondagens, poucos minutos depois de encerrado o processo eleitoral, cada vez mais próximas dos resultados reais que irão ser anunciados. Acredito piamente que também desta vez, com as autárquicas, as previsões à boca das urnas, ou pouco depois, não irão divergir muito do escrutínio eleitoral efectivo.
Pondo de parte as previsões, não quero deixar de fazer a minha apreciação sobre dois ou três aspectos da votação que vai ocorrer amanhã.
Em primeiro lugar, penso que os eleitores portugueses irão, mais uma vez, saltar por cima dos alarmes moralistas postos a circular, relativamente a alguns candidatos de diversas forças políticas, mesmo que já tenham sido pré-condenados pela imprensa, pelos partidos, ou até pela justiça. Eles irão premiar, com toda a certeza, a obra feita, pouco lhe importando as meras suspeitas de fraude, ou mesmo o roubo provado do erário publico, praticado pelo candidato da sua simpatia!
Em segundo lugar, aposto que pouco interessará aos eleitores que o «seu» candidato tenha publicado uma lista maior ou menor de apoiantes, de maior ou menor peso social ou político.
Em terceiro lugar, creio ainda que serão reconduzidos, de uma forma geral, todos os autarcas que tiverem feito um mandato a gosto, confirmando o facto, já bem enraizado, de que o principal motivo de reprovação de um candidato não é o fraco conjunto de promessas eleitorais feitas, ou a má-língua contra os seus opositores, mas a deficiência no desempenho que está a terminar.
Por último, as campanhas dos candidatos, à semelhança das legislativas, não primam pela discussão exaustiva dos temas mais importantes, decorrendo o tempo que antecipa as eleições, num clima de mera propaganda.
Independentemente de todos os anacronismos que possam ter-se verificado durante o processo eleitoral, oxalá, ao menos, os resultados venham a mostrar uma diminuição da abstenção às urnas. Seria um bom sinal para a democracia portuguesa.
Tudo o resto, com mais ou menos comentários, será o trivial!

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

ASFIXIA DEMOCRÁTICA


Partidarismo a mais e bom senso a menos

Estou ansioso pelo fim destas campanhas partidárias por atacado que nos têm dado cabo do canastro. Três actos eleitorais, embora de características e objectivos diferentes, acabam por saturar a cabeça do mais pintado.
Não deveria ser assim.
Trata-se de deveres cívicos que a constituição regula e impõe, e aos quais os cidadãos conscientes e patriotas não podem furtar-se. O problema não é esse.
Dizia um comentarista avençado de determinado jornal que não se revia nas teses de nenhum dos partidos, que pensava pela sua cabeça, que provavelmente até estaria, na política, ao arrepio da maioria dos portugueses, etc., etc.
Ocorreu-me, ao ler essas declarações que, também muito provavelmente, andaria afastado dos partidos porque eles não realizariam aquilo que ele pensava ou desejaria que fizessem. Acontece assim com muito boa gente, até com os adeptos do futebol: deixam de ir aos desafios, quando a sua equipa deixa de ganhar e perde com frequência, ou com os dirigentes do seu clube, quando preparam a chicotada psicológica…
Na verdade, o caso deste senhor comentarista não é único. Há por aí uma caterva de «independentes» abstémios que se julgam de raciocínio mais acutilante e certeiro, que não sentem desejo de submeter-se aos desígnios de ninguém, dos partidos muito menos. Estão no seu pleno direito!
Mas isso não os iliba do dever de cumprir as leis da República, nem do civismo do voto que, nalguns países bem democráticos, até é obrigatório e com multas pesadas para os faltosos. Deveriam saber que a abstenção é a oposição ou a negação do próprio regime democrático.
Quem não concorda com os partidos legais registados, pode sempre tornar-se independente ou votar em branco, mostrando dessa maneira o seu descontentamento aos políticos de serviço. Um elevado número de abstenções deve fazer-nos pensar a todos, nesta postura incorrecta dos eleitores, e não apenas às autoridades políticas.
Outro aspecto bem lastimável destas campanhas mais ou menos carnavalescas que inundam o país de norte a sul (incluindo as Ilhas) é o abuso da «politiqueira», da suspeita, do insulto e da má-língua, em completo detrimento da discussão séria dos verdadeiros problemas nacionais. Parece que a imprensa, os responsáveis político-partidários, os cidadãos, todos ficam embriagados por esta onda burlesca que lhes tira a capacidade de raciocínio, o seu próprio senso comum.
Ora, como se isso fosse pouco, os fala-barato do costume inundam o terreiro da luta de puros conceitos anacrónicos de marketing puro, completamente ocos, enchem paredes, ruas e estradas de enormes cartazes inócuos, aberrantes, e as caixas de correio de papel para o lixo, na sua ânsia de caçar os votos dos indecisos ou papalvos. Os indecisos não serão convencidos desta maneira, e cada vez há menos papalvos, em Portugal.
O certo, infelizmente, é que todos pagamos com língua de palmo, este carnaval de disparates porque, além do mais, muito antes das eleições, a grande maioria dos portugueses tem já a sua opinião formada, e sabe que vai votar em quem muito bem entende, dentre os manequins sugeridos nos anúncios ou nos pasquins de circunstância.
Não falando das incidências lamentáveis, das intrigas de circunstância ocorridas entre políticos, partidos e governantes, onde tudo é dito ou apenas sugerido, verdadeiro ou falso, onde cada qual afirma, mente, desmente, declara, esquece, escuta, julga, imagina, suspeita, acusa, vangloria ou afunda tudo e todos, não posso deixar de rir do slogan posto a correr e explorado por certa força política, a asfixia democrática.
Que factos, além desta «politiqueira» de baixo nível, serão capazes de comprovar esta asserção ridícula?
O que verdadeiramente asfixia a democracia autêntica são as intrigas político-partidárias ampliadas sempre em épocas eleitorais, as propagandas carnavalescas e sem nível, mostradas ao cidadão comum envoltas na roupagem de um falso patriotismo. Já cansam, e não convencem ninguém. Sinceramente, começo a estar asfixiado (bem como a maioria dos portugueses, estou convencido), por este verdadeiro tsunami de parvoíces.
Num regime ditatorial, sim, os seus autores há muito tempo já teriam sido asfixiados, sem soltar um queixume…
Há simplesmente partidarismo a mais e bom senso a menos, em Portugal

terça-feira, 6 de outubro de 2009

COMEMORAÇÔES ÀS AVESSAS


A República não idealizada

Quando uns quantos idealistas, descontentes com a situação do País, nos estertores da Monarquia, conseguiram implantar a República, em 5 de Outubro de 1910, estavam longe de imaginar o que viria a seguir.
Efectivamente, o regime imposto aos portugueses atravessaria numerosas vicissitudes, sobretudo de natureza social, política e económica, mas nunca esteve verdadeiramente em causa a sua própria sobrevivência, mesmo após as investidas de Paiva Couceiro, ou na época do Estado Novo em que as liberdades fundamentais foram cerceadas.
Recuperados, depois do 25 de Abril, os ideais democráticos abafados durante 48 anos, estabelecidos laços económicos, políticos e sociais duradoiros com os restantes países da CE, parecia que a Nova República tinha encontrado o caminho para uma fase de estabilidade governativa que a Primeira República desconheceu, por razões de vária ordem. Não há dúvida de que o caminho percorrido, nesse sentido, foi imenso.
No entanto, de vez em quando, ultrapassando a cordura e o civismo que se impõem nas naturais divergências políticas, algumas aberrações afloram, aqui e ali, nas esferas governativas da Nação, provenientes de radicalismos pessoais ou partidários, nem sempre morigerados a tempo, nem sempre ultrapassados, como deveriam sê-lo, pelos superiores interesses nacionais. As intrigas postas a correr por uma imprensa ávida de fofoca, ou simplesmente transformada em veículo aproveitado por partidos ou interesses pessoais, criaram, a pouco e pouco, um clima de desconfiança mútua entre os principais actores políticos e de laxismo cívico entre uma grossa fatia da população, de que é mostra a abstenção cada vez maior, nas urnas onde se escolhem os responsáveis administrativos e governativos da Nação.
Ontem, mais uma vez, desde o 25 de Abril, se comemorou a data da implantação da República. Sempre de forma pífia, cada vez mais pífia a cada ano que passa. Apesar das enormes dificuldades porque passou o regime, durante quase um século, os idealistas de 1910 não mereciam isto.
Como num jogo de capelinhas teimosas e envergonhadas, Presidência da República, Governo e Câmara de Lisboa resolveram fingir, numa comemoração sem brilho, sem patriotismo, sem alegria, mesmo sem grande espírito cívico. Uma birra pura e simples impediu a comemoração tradicional no local da própria proclamação da República (mesmo com justificação duvidosa), com a presença do Presidente. Uma birra pura e simples impediu o Presidente de dizer duas palavras de apelo ao civismo e ao patriotismo dos portugueses, sem farpas, recados ou segundos sentidos encobertos. E manteve calados, num acto sem brilho, o Chefe de Governo e o Presidente da Autarquia. Na verdade, não eram exigidas palavras de apologia ou crítica partidária, mas apenas de enaltecimento do facto a comemorar, e das qualidades cívicas dos seus autores e do povo português.
Pelo contrário, ocorreu em frente do Palácio de Belém, uma parada reduzida da Guarda Nacional Republicana pretendendo render homenagem a uma bandeira que teimosamente caiu três vezes, durante o desajustado discurso do Presidente, no qual não faltaram alguns recados disfarçados aos seus eventuais inimigos políticos de estimação.
Também em frente ao Palácio Municipal, onde o símbolo da República se manteve hasteado, uma ridícula parada de bombeiros fez a guarda de honra, com a presença do Primeiro-Ministro e do Presidente da Câmara em exercício, escutando o discurso pindérico de uma vereadora e Presidente da Assembleia Municipal.
Episódios tristes (uma autêntica comemoração às avessas), talvez resultantes de uma zanga politiqueira que colocou os intérpretes voltados do avesso, mas que a maioria dos cidadãos desaprova. Tenho a sensação de que eles, se pudessem, apresentariam um cartão amarelo aos actores políticos desta peça em dois actos, na qual os superiores interesses da Nação foram subvertidos aos meros interesses pessoais e partidários, sem respeito pelos eleitores.
Os Pais da República, se viessem de novo a este mundo, sentiriam vergonha pela fraca comemoração dos ideais republicanos feita pelos intérpretes de serviço, os mesmos que tanto se fartam de citá-los ao Povo, mas que tantas dificuldades levantam ao seu cumprimento.
Algo falta a estes responsáveis de uma República não idealizada pelos seus fundadores, quando a proclamaram. Talvez necessitem um pouco mais de bom senso e de civismo puro, para se distanciarem das tricas, dos mexericos, das intrigas politiqueiras em que estes logo se afundaram, maus exemplos que infelizmente continuam a ser moda, quase cem anos depois…
Viva a República!

domingo, 4 de outubro de 2009

ESCUTAS, TABUS E PARVOÍCES

A politiqueira, no seu melhor...

Não sei se existem escutas ou não, a quem quer que seja. Mas num país onde as escutas com ordem judicial ou sem ela, são pão nosso de cada dia, seria uma estultícia pensar que alguém pode ser imune a elas, mesmo que seja o Procurador Geral da República, um Juiz ou Governante de turno ou até o Presidente da República.
Poderão todos fazer gala da sua protecção de guarda-costas, da inspecção da sua própria rede telefónica e presumíveis microfones ocultos, ou mesmo de um sistema pessoal informático inviolável, porque nada resulta, nos dias de hoje em que as escutas às fechaduras das portas se tornaram um método antiquado e definitivamente em desuso.
Vem agora o PR falar de um escuta na comitiva à Madeira, numa possível violação dos seus e-mails e de outras aberrações, num panorama nacional em que todos falam de todos a toda a hora e, pior ainda, passam boa parte do seu precioso tempo na intriga mútua, quais velhotas do soalheiro.
Fiquei perplexo com as palavras do PR, na sua comunicação ao país. Pressupunha que iria tratar-se de uma justificação justificável ou de uma acusação acusatória de verdade, e a «montanha, pariu um rato! Fazer uma comunicação ao País para dizer o que foi dito, é uma pura aberração. O País exige do Presidente a informação de factos importantes, e não temas de autêntica intriga politiqueira. Amanhã, quando o Presidente tiver algo de importante a dizer ao País, quem irá ouvi-lo ou acreditar nas suas palavras?
Imaginara, pois, como a maioria dos portugueses, um Presidente da República muito acima de toda a trapalhada jornalístico-politiqueira, a suprema reserva cívica da Nação e as dúvidas ficaram lançadas em muitos espíritos.
Imaginara-o inteligente, analisador cuidadoso, imparcial e persistente, mas vi apenas um homem obcecado e refém de ideias fixas.
Imaginara-o ainda, há dias, decidido, esclarecedor e fiquei com a sensação plena de vê-lo totalmente metido numa embrulhada da qual soube ainda fechar a sua própria saída.
Imaginara-o interessado, honesto em apresentar um cabal desmentido a um e-mail fatídico, e provas irrefutáveis a sustentar a sua hipótese de virgem ofendida e ouvi apenas suposições vagas.
Imaginara-o, pois, a lembrar factos concretos, e notei que passava ao lado deles, a deixar simplesmente suspeitas no ar…
Imaginara-o, ainda que por momentos, a assumir eventuais falhas do sistema informático da Presidência da República, de que é o único responsável, e tratou de desviar as culpas a terceiros.
Imaginara-o, finalmente, sempre isento e austero, acima de escutas de meia tigela, de ditos, parvoíces, recados, conselhos, receitas, boatos, conversas ou intrigas que circulam na imprensa do dia-a-dia, e eis que, trinta e cinco anos após o 25 de Abril, surge na berlinda uma personalidade discutível.
Não imaginara sequer, no princípio da década de 90, quando vi na Imprensa escrita e na TV o Primeiro-Ministro em Exercício, metido na água até à cintura na sua praia algarvia preferida, rodeado de não sei quantos seguranças, ou o carro oficial rodeado de gorilas correndo, à americana, que o futuro Presidente conservasse ainda os mesmos complexos, os mesmos tabus, como se fossem fantasmas intransponíveis.
Não imaginara um Presidente refém de obstáculos interiores, de preconceitos de natureza político-religiosa.
Não imaginara um Presidente da República calado ou de riso forçado, ensimesmado, macambúzio, sempre rodeado de protectores, com medo de hipotéticas forças de bloqueio, julgando-se vilmente cercado por uma corja de malvados, espiões, violadores de e-mails, e não sei que mais.
Não imaginara, finalmente, ver um Presidente da República como factor de desestabilização política do seu próprio país, numa época de dificuldades em que a congregação de esforços é essencial.
Apesar de tudo, não creio ainda que o Presidente tenha concorrido para isso, de forma intencional determinada. Fê-lo por inépcia, vítima dos seus próprios fantasmas. Mas será só isso? Estarei a ser ingénuo?
No mínimo, não soube agir politicamente, nem no tempo, nem nos objectivos, nem nas razões expostas. Errou em toda a linha.
De qualquer forma, o país não merecia mais esta novela politiqueira que alguns ainda pretendem ampliar alegremente, com adição de novos episódios. Já cheira mal…

domingo, 20 de setembro de 2009

PASSAR O TEMPO, EM PORTUGAL


Os grandes problemas nacionais

As férias foram, para muitos, o prémio a que tinham direito, depois de um ano de trabalho. Para uns quantos, talvez não tenham sido merecidas. Alguns, no entanto, tiveram férias forçadas pelas circunstâncias, enquanto outros nem saberão o que é ter uns meros dias de descanso. A crise global veio também baralhar muitos esquemas anteriormente preparados.
E, no entanto, parece que a famigerada crise já não serve para ocupar o tempo aos portugueses.
Os pobres, mantêm-se de bico calado e de mão estendida, limitando-se a engolir saliva, enquanto têm forças.
Os ricos continuam a divertir-se, como se nada tivesse acontecido.
Os políticos seguem nas suas discussões eternas e inglórias, não encontrando grandes soluções para regenerar o país.
A Justiça continua no seu marasmo corporativo e na sua ineficácia virgulista tradicional.
A Imprensa, pondo de lado a ética e a independência devidas, entretém-se fazendo notícias a esmo, entremeadas de boatos ou acusações politiqueiras, aproveitando a diminuta fofoca do início da nova época do futebol e, sobretudo, o grande filão das campanhas eleitorais, várias para enjoar…
Durante cerca de um mês, fiz uma terapêutica de cura de jornais noticiosos em papel, rádio ou TV, furtando-me assim às páginas corriqueiras habituais, ampliadas por comentaristas nem sempre isentos, de interesses conhecidos, mas bem pagos. Regressado destas «férias», pensava eu, na minha simplicidade, que viria encontrar este mundo português mais sério, mais honesto, menos má-língua, mais interessado na discussão honesta dos graves problemas do país, mas enganei-me redondamente.
De uma penada, vieram ao meu encontro três temas fofoqueiros de terceira ordem, discutidos como sendo de enorme interesse nacional ou capazes de conduzir o país à ruína, senão à sua completa perda de independência. Tudo o que seria de interesse, necessário, real, imperioso mesmo, fora posto de lado (como de costume) ou submerso pela campanha politiqueira sobre uma pretensa asfixia da liberdade de expressão democrática, as sugeridas, reais ou boatescas escutas ao Presidente da República repescadas do ano passado, e o despedimento da corporação que durante alguns anos comandou a informação e a exibição de um jornalismo com bastante a desejar, num determinado canal de televisão. Tudo tem sido bem aproveitado!
São coisas do arco-da-velha que nem me tinham passado pela cabeça há um mês atrás, e não me apetece discutir, sequer. Que o façam aqueles que mais nada fazem. Dar-lhes-á milhões, coitados! A mim sobra a riqueza de uma parca reforma…
Após três dias apenas, nos quais voltei a socorrer-me da leitura, tentando colocar-me a par dos remédios eventualmente aplicados ao país, ou à sua rápida discussão e escolha, fiquei pois, como diz o povo sábio, vacinado!
Esse mal já não se me pega. Será mais fácil adoecer com a gripe A, ou outra maleita qualquer, que voltar a interessar-me pelas patacoadas que são afinal o ganha-pão e o divertimento de uns quantos, à custa dos muitos papalvos que existem também por aí.
Durante muitos anos, censurei intimamente uma grande parte da população deste país de desportistas da má-língua, que se entretinha a ler os títulos dos jornais especializados na fofoca desportiva, em vez de se preocupar com o estudo dos verdadeiros temas de interesse da nação.
Durante não sei quanto tempo, invectivei os próprios familiares que tentavam seguir esses exemplos e incentivei-os a tomar o caminho da seriedade, do conhecimento, do trabalho e do amor à pátria, pondo de lado o acessório e o mexeriqueiro.
Durante décadas, eu próprio resisti o mais que pude a esta avalanche de desperdício que vai submergindo tudo e todos, agora já quase sem encontrar resistência.
Sinto-me só!
A maioria daqueles que, tal como eu, lutavam contra ela, já deram a alma ao Criador, depois de amargarem a sua vida numa lide inglória, e nada lucraram com isso, a não ser levarem consigo a agradável sensação do dever cumprido. Foi muito, e também muito pouco!
O desânimo não irá vencer-me, mas sinto que existe em mim uma ideia de abrandamento nesta campanha, que o pendor dos anos já pesa bastante.
É com mágoa cada vez mais profunda que assisto a esta bandalheira de todos contra todos, como nas antigas e forjadas sessões de luta livre o Parque Mayer, para caçar dinheiro aos pacóvios.
E andamos nós a importar fontes de energia lá de fora, pagas a peso de ouro, com tanta energia desperdiçada cá dentro!
Como é fácil passar o tempo em Portugal, sem produzir nada! As antigas velhotas do soalheiro até coziam as meias rotas dos netos enquanto badalavam boatos falsos, à porta de casa, não eram tão displicentes!
Bem sei que os grandes problemas nacionais continuarão para muitos, na prateleira.
Mas no dia 27, ao contrário de tantos que falam e protestam por aí, mas não cumprem as suas obrigações mais comezinhas, lá irei como bom português, fazendo gala do civismo que os pais e a escola do meu tempo me ensinaram, deixar na urna o voto que a consciência me ditar.
Não haverá desculpas para os faltosos. Nem sequer há futebol! E, mesmo assim…

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

POLÍTICOS MEDÍOCRES

O dinheiro e a honestidade…

Em Portugal há um hábito bem cimentado de dizer mal de tudo e de todos, de tal modo que já ninguém liga muito ao facto, mesmo que se trate de gente responsável. Agora está na moda dizer que os políticos são medíocres e que a culpa de todos os males de que o país sofre lhes pertence sem apelo nem agravo. Assim é em boa parte, mas não só, e isso não é novidade nenhuma para ninguém.
Mas também é certo que, desde os tempos da consolidação da nacionalidade, o português, sempre que perdia a coragem e não conseguia vencer os inimigos pela força, se fazia valente da língua para fora. Daí deve ter nascido a mania de certas mães, nalgumas zonas menos privilegiadas da fortuna e da educação, chamarem filhos da puta aos próprios filhos que se lhes escapavam da mão. Ora, nem eles nem elas, no íntimo, se julgaram isso, durante a ocorrência…
Assim, comparado com esta e outras especialidades, chamar medíocres aos políticos é quase um elogio, nos tempos que correm. Ouvem-se frequentemente epítetos bem mais soezes e mortíferos.
Por outro lado, também alguns comentaristas sublinham, com certa razão, que os políticos estão mal pagos, pois um presidente da câmara ganha menos do que um gerente bancário, um ministro ganha uma fracção do salário do gestor de empresas que tutela.
Acrescentam ainda que um bom político deve ser bem pago, caso contrário a política só atrairá os medíocres. Um bom político honesto bem pago é milhares de vezes mais barato do que um mau político que tem da ética uma percepção variável e relativa.
O diagnóstico parece bem feito, mas a terapêutica sugerida é muito discutível. Um bom político deve ser bem pago, tal como um bom funcionário, um bom empresário, ou um bom cavador de enxada, não apenas porque é político!
Sucede ainda que os políticos são uma incógnita, tal como os melões, só se conhecem depois de abertos e, sendo assim, nem o Bandarra se atreveria a sugerir um prémio antecipado a um político que acabasse de chegar a um posto importante. Ainda por cima, as consequências de nos sair na rifa um mau político são bem piores que as de termos um melão verde, à sobremesa.
Com bons ordenados ou com maus ordenados, não escaparíamos nunca à lotaria do bom ou do mau político. E por que carga de água um político com bom salário teria que ser obrigatoriamente honesto e eficiente? O mundo está cheio de endinheirados altamente desonestos e ociosos, e de pobretanas cumpridores exemplares, incapazes de roubar um tostão a quem quer que seja. Existem, pois, os mais diversos anacronismos naquilo que se lê ou se ouve por aí.
Por exemplo, em todas as profissões, por mais respeitáveis que sejam, há bons e maus profissionais (políticos incluídos), gente honesta ou afecta a falcatruas, pessoas sérias ou mentirosas, etc., etc. Ora os políticos estão muitas vezes na berlinda porque são os únicos que, por via de eleições, dizem aos cidadãos o que pensam fazer, correndo assim o risco de não conseguirem realizá-lo, quer por incapacidade própria, quer por condicionalismos que não conseguem prever ou controlar.
O mesmo conhecido articulista diz ainda, fazendo-se eco dum sentimento generalizado, que o que degrada a democracia é haver políticos que contratam com privados negócios chorudos e pouco tempo após cessarem funções públicas vão ganhar fortunas e enriquecer ao serviço desses grupos.
É evidente, mas não dou o exclusivo desses malabarismos apenas aos políticos, realmente a face visível do iceberg. Estes são triviais no tecido social português, a partir de certo nível social, nos altos cargos públicos ou privados, tantas vezes difíceis de separar.
Tal como o hábito não faz o monge, não é o salário que faz o político! Indo mais longe, afirmarei mesmo, sem receio de errar, que não é o salário que faz homens honestos ou ladrões. Um bom ordenado poderá disfarçar muitas vigarices, tal como o hábito serviu a muitos monges para enganar o próximo, o que certamente deu origem ao ditado popular…
Pelo contrário, certo é que o dinheiro sempre foi uma isca que atraiu os cidadãos para o anzol, seja na Política, na Magistratura, na Imprensa, até na Agricultura de Subsistência. O simples cavador de enxada é atraído pela isca, tal como o mero funcionário, o gerente bancário, o grande empresário, o autarca, o deputado, o representante da governação. Onde a isca do dinheiro não funciona, sobra a importância do cargo, suficiente para abrir muitas portas e trazer inúmeras vantagens presentes ou futuras. As prisões estão cheias daqueles que comeram a isca do dinheiro, de forma ilícita e gananciosa, porque a natureza humana refinou estes processos ao longo de séculos, tornando a vida cheia de armadilhas, a maior das quais é talvez a ambição coadjuvada pelo supremo pecado da inveja.
O que não dignifica a democracia, diz por fim o articulista, é haver deputados no Parlamento a exercer paralelamente tantos cargos e a acumular tantas avenças que até parecem solicitadores de interesses privados nos corredores do poder.
É outra verdade indiscutível, nua e crua. Mas como poderiam os senhores deputados da nação terem nascido ou serem diferentes do resto dos cidadãos comuns que gostam de acumular, cada um ao seu nível, o seu tachozito? Eu gostaria de saber.
Não resisto a contar a história de um militar medíocre, pobre diabo que se julgava o máximo e com direito a subir de posto. Um dia, o comandante, para animá-lo, já que não passava da cepa torta, disse-lhe uma palavra de amável condescendência, por qualquer insignificância que havia executado e não valia um caracol. Logo, todo inchado, o tenente que ambicionava a promoção, retorquiu intencional e mesureiro:
-É desta massa que se fazem os capitães, meu general!
-Pois, quando houver capitães de massa, tu serás um deles, respondeu este ironicamente.
A historieta mostra bem que a educação, o civismo e o profissionalismo são muitas vezes trocados pela subserviência e a ratice, para a obtenção de objectivos, e é natural que a nossa democracia tenha que passar por maus bocados, durante muitos anos mais, com bons ou com maus políticos.
A questão dos ordenados e da honestidade destes, em Portugal, não é mais que o pano de fundo destas e de tantas outras misérias em que o género humano é fértil…e nem sequer isso é uma originalidade nossa. O problema é difícil, impossível mesmo de resolver a curto prazo. Para mal de todos os portugueses.
Facto indesmentível é que na Política, como em todas as profissões, os bons ordenados se conquistam com inteligência, trabalho e dedicação, embora também, muitas vezes, por vias moralmente menos correctas. Certo é igualmente que a honestidade não se fabrica com dinheiro.
Querer acelerar e cimentar a moralidade pública, e conquistar a honestidade dos políticos (ou de quem quer que seja) com dinheiro, é um puro contra senso, é pior do que pregar no deserto.
De boas intenções está o mundo cheio…

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

DINHEIRO EM CAIXA


Justiça dos tribunais e justiça eleitoral

Os candidatos independentes Isaltino Morais, Valentim Loureiro e Narciso Miranda prevêem receber mais do dobro do dinheiro em donativos e angariação de fundos do que o Bloco de Esquerda e o CDS/PP em conjunto (233 mil euros), refere um artigo do Jornal de Negócios esta quarta-feira.
A notícia continua com mais pormenores que não interessam nem ao Menino Jesus, mas o principal está dito nestas linhas.
No fundo, o essencial, o que dá mais votos a um autarca, é fazer obra!
E, sendo assim, rende muito mais ser independente com processos judiciais às costas, que concorrente honesto de um grande partido às autárquicas de qualquer cabeça de concelho.
Bem pode Marques Mendes esfalfar-se em declarações moralistas, que o resultado é nulo. Bem o compreendeu Manuela Ferreira Leite, a detentora da verdade, ao apoiar, numa autêntica cambalhota eleitoralista, candidatos com marcas da Justiça. Deus para nós e o diabo para os outros!
Tirando estas anedotas de caminho, o certo é que a notícia do Jornal de Negócios é verídica, e os acusados da Justiça estão em grande e a rir-se dos honestos coitadinhos que lhes foram colocados em oposição.
As gentes desses burgos não querem saber das chinesices dos mentores dos partidos e da própria Justiça. Arranjam e entregam a esses «independentes» o dinheiro que querem, e eles irão ganhar de novo as respectivas eleições autárquicas, depois de serem considerados pelas respectivas populações como autarcas modelo. O resto é conversa!
Bem vistas as coisas, a moral tradicional parece perder fôlego, ante a «bom» desempenho dos acusados, no exercício da função pública. Segundo os munícipes, Isaltino, Valentim e Narciso já ganharam o direito à reeleição, por aquilo que fizeram enquanto presidentes de câmara, anos a fio. Amanharam-se, mas fizeram e deixaram obra! Na mesma lógica, ganharam o direito popular de continuar por novo mandato, fazendo mais e melhor…
Que sejam ou venham a ser condenados ou não pela Justiça dos tribunais, é coisa que pouco interessa aos seus munícipes, porque foram bem servidos e vão reelegê-los. Eles são dinheiro em caixa, porque a moralidade eleitoral não é a mesma dos tribunais.
Hoc opus hic labor est!

SÓ FALTAVA MAIS ESTA!


Até tu, meu filho…

A notícia de choque que apareceu nos jornais desta manhã, referindo «despesas no Supremo Tribunal de Justiça sem controlo» e «administrador acusado de 29 crimes», dá que pensar.
Até aqui, eram os políticos, os autarcas, os construtores civis e os grandes criminosos de colarinho branco que ocupavam as primeiras páginas da imprensa nacional, entremeados aqui e ali pelos relatos das acções dos pedófilos, dos assaltantes das bombas de gasolina, dos ladrões de trazer por casa.
Os comentaristas, os juristas, os treinadores de bancada e os pés descalços desesperados juravam, em altos berros, que o mal do país estava nessa corja…
Mas já uma letra da música pimba dizia que afinal havia outra!
E contudo, já nada é para admirar. A História ensina-nos que a natureza humana tem variantes que escapam ao mais pintado. Há dois mil anos, César exclamava, atónito ante os conjurados cujas punhaladas iriam vitimá-lo, entre os quais se encontrava o seu próprio filho adoptivo:
-Até tu, Brutus, meu filho!
Mas para quê buscar exemplos tão longínquos?
Há algum tempo que a Justiça dava mostras de algum descontrolo, nas demoras, nos erros cada vez mais frequentes, no excesso de formalismo, num corporativismo inaceitável para uma Instituição de Topo da República. Faltava apenas a cereja em cima do bolo, o peculato vulgar intra muros.
A notícia em letra gorda de primeira página, do D.N. diz que «Antigo administrador do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) foi acusado pelo Ministério Público de se ter apropriado de 344 mil euros à custa de compras pessoais pagas pelo STJ e pelo Gabinete do Representante da República nos Açores.»
Mais grave, porém, não são os crimes do administrador, mas é o facto de se tratar de um jurista escolhido por um Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e da sua inteira confiança, tendo recebido até um louvor pelo seu desempenho, publicado no Diário da República. As suas aquisições foram aprovadas e autorizadas, de acordo com a lei, pelo Conselho Administrativo do STJ, órgão que integra o Presidente e três juízes conselheiros, a quem competia controlar as contas.
No mínimo, se não se provar serem coniventes com o criminoso nas aquisições feitas, o que sinceramente espero que seja provado, serão meros incompetentes.
A PJ parece ter sido extremamente eficaz na sua investigação que não vou aqui descrever, embora apresente alguns aspectos caricatos quanto aos objectos de roubo e à forma como foram efectuados, ludibriando os «confiantes» controladores oficiosos do Continente e dos Açores…
O Ministério Público, tratando-se de um assunto tão melindroso envolvendo oficiais do mesmo ofício, desculpa-os, pois, com a confiança plena que o criminoso lhes merecia…
Resta agora esperar para ver o filme completo.
Como a nossa Justiça é lenta de morrer, teremos bastante que esperar.
Para já, aqui fica mais uma aberração, se não quisermos chamar-lhe outra coisa mais feia…Dirão os bem intencionados, desvalorizando a situação, que no melhor pano cai a nódoa. Ou então, que atire a primeira pedra quem for isento de pecado…
Mas esta vida está cheia de desenganos, como a História nos ensina. Referi o caso da morte de César às mãos do filho adoptivo e de senadores, os mais altos dignitários da República Romana. É facto histórico comprovado e conhecido de meio mundo, mas poderia citar muitos outros em que supremos poderes, em todas as nações, ao longo de milénios, mancharam as mãos, em benefício dos seus próprios interesses.
Por que carga de água Portugal deveria escapar à regra?
Dirão, os mais honestos, que é triste e nada dignificante a notícia saída em parangona no D.N. de hoje, enquanto a maioria dos portugueses se limitará, pura e simplesmente, a encolher os ombros de indiferença.
Na verdade, trinta e cinco anos depois do 25 de Abril, «lá vamos cantando e rindo, levados, levados sim…»
Quem tal diria, nessa altura?
Só faltava mais esta!

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

MONARQUIA SEM MONÁRQUICOS


República sem republicanos

Logo no início do dia 11 de Agosto, um grupo de patuscos imaginou e pôs em prática um «assalto» à varanda da fachada principal do edifício da Câmara Municipal de Lisboa, arriou a bandeira da respeitável Instituição e colocou no seu lugar a da Monarquia que vigorava há 99 anos.
O interessante da pilhéria foi o facto dela ser levada a cabo pouco depois da meia-noite, por um indivíduo sem disfarce, utilizando uma vulgar escada de três metros por ele próprio encostada calmamente à fachada, com todo o acto a ser tranquilamente filmado por outro compincha. O vídeo foi logo colocado na Net. Mostra como decorreu toda a operação e como, arriada a bandeira camarária, o içar do símbolo da Monarquia foi acompanhado pelos acordes do Hino da Carta… ou da Maria da Fonte.
Mais interessante ainda foi o facto de ter ocorrido na área de maior concentração de edifícios públicos por metro quadrado, com polícia de guarda tradicionalmente postada por tudo quanto é sítio… ou talvez não, nestes tempos de escassez ou de contestações.
Num país onde a Comunicação Social não dispõe de notícias importantes, o impacto desta «brincadeira» não podia deixar de ser por ela aproveitado, por todos os meios ao seu alcance.
O facto foi sendo sucessivamente relatado nos telejornais, uma e outra vez, comentado e servido depois com a adição oportuna de várias entrevistas a personalidades bem conhecidas pelas suas inclinações políticas eventual ou potencialmente relacionadas, como por exemplo o «republicano» António Reis, grão-mestre do Grande Oriente Lusitano e D. Duarte Nuno de Bragança, pretendente ao trono da monarquia portuguesa. Os faz de conta do costume.
Responsáveis da Autarquia, do Ministério Público e da Administração Interna, ainda cheios de sono, foram imediatamente acossados por jornalistas madrugadores e chatos, tentando saber o que iria ser feito aos responsáveis pelo acto de desrespeito ao símbolo da administração republicana na capital, os quais ainda por cima se atreviam a gozar com as autoridades, passando o filme na Net, em blog com acesso a meio mundo onde se prontificavam de imediato a devolver respeitosamente a bandeira da autarquia aos seus proprietários, caso fosse solicitada a troca. Era coisa que os assaltantes republicanos, quase há cem anos, não tinham feito…
Ora, como o 5 de Outubro e as comemorações do Centenário da Implantação da República estão próximos, muitos acham que as coisas não poderão ficar assim.
Mas vale a pena ler as declarações dos autores da proeza, (um grupo denominado «31 da Armada»), as dos principais entrevistados e também as de alguns comentaristas profissionais ou de simples anónimos. Quem não tiver propensão para o choro, vai apanhar uma diarreia de riso. Não sei qual das opções será a melhor.
Ocorre-me, neste momento, lembrar o acto brincalhão do actor de teatro António Feio, cantando a um grupo de crianças, na década de 70, em plena RTP, o hino nacional dos «irozes do mar, nozes podres», etc. Foi veementemente condenado pelos comentaristas políticos apoderados da imprensa da época, afastado do seu programa da TV, e levado a Tribunal…Os tempos eram outros e ridicularizar os símbolos da Pátria, qualquer que fosse o contexto em que isso se verificasse, era um sacrilégio punido por lei. Mas os tempos mudam, como já dizia Camões na era de quinhentos. Vários «brincalhões» foram queimados vivos por muito menos, até há perto de duzentos anos…
Mas agora, como interpretar o facto ocorrido, se não há referências à vista? Este é o magno problema da Comunicação Social, da Autarquia, dos Ministérios da Administração Interna e da Justiça, do Ministério Público, da PJ e dos Tribunais, etc., etc. Que fariam todos, se não fossem os casos como este, num país que há 99 anos era uma Monarquia sem monárquicos e hoje é uma República sem republicanos?
Chegado a esta brilhante conclusão, pergunto a mim próprio qual é o interesse, afinal, desta pepineira onde também eu já perdi uma hora?
Não sei.
O certo é que, se não fosse esta e outras pequenas misérias, seríamos um pais de tristes, ainda mais do que já somos…

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A SENTENÇA SEM FIM À VISTA


O cerco de Lisboa pelos castelhanos

«Quando a juíza presidente do colectivo que julgou Isaltino Morais perguntou aos advogados se tinham algo a opor à leitura resumida do acórdão, muitos dos presentes na sala de audiências do Tribunal de Sintra suspiraram de alívio» …
Foi assim que uma senhora jornalista deu início a interessante crónica, descritiva do evento, com tantos pormenores como a crónica de Fernão Lopes descrevendo as agruras do Cerco de Lisboa pelos castelhanos, nos tempos de El Rei D. Fernando, o Formoso, e da sua querida D.ª Leonor Teles. O retrato da leitura dessa sentença sem fim à vista foi bem feito. Parabéns!
Alguns parágrafos da notícia, no entanto, deram-me que pensar, simultaneamente pelo rigorismo, o absurdo e o ridículo.
A audiência teve início cerca de uma hora depois da marcada, com público e jornalistas a arder de impaciência. Todos perguntaram por quê, sem atinar com a resposta.
Contudo, logo ao abrir a sessão, todos ficaram a saber. O acórdão da sentença constituía um grosso volume que, segundo as regras, teria que ser lido na presença das partes interessadas. Só com a anuência destas poderia ser dispensada essa leitura.
A verdade é que, com a anuência geral, ficou logo decidido pelo colectivo das três juízas, ler apenas um resumo, o que deixou a assistência a respirar fundo e os jornalistas, ávidos de notícias frescas, a preparar os blocos de apontamentos, com frenesim. E assim, deu-se início ao demorado «Cerco de Lisboa», isto é, à leitura do resumo do acórdão da sentença do processo Isaltino ao longo de cinco longas horas, durante as quais foi possível observar um pouco de tudo: dicção cansativa, lenta ou acelerada, em voz alta ou imperceptível por parte das já cansadas senhoras juízas, sonolência nem sempre oculta, de muitos assistentes, impaciência da maioria, incapaz de reter o que quer que fosse dessa verdadeira maratona, qual sermão de Santo António aos peixes…
Tal como no dito Cerco de Lisboa, a violência deste acto, a que felizmente não assisti, deve ter sido inaudita, e as meritíssimas juízas, apesar de habituadas a estas «xaropadas» legais, devem ter saído dali em fanicos. Os senhores jornalistas, também reincidentes em coisas deste género e outras ainda piores, só descansaram quando, em correria desenfreada, começaram a transmitir às redacções as conclusões finais do veredicto. A assistência, impaciente mas persistente na sua «sonolência» tradicional, deu um suspiro de alívio e partiu apressada, para tomar uma bica bem forte no café mais próximo. Até o condenado Isaltino saiu acorrer para o WC, que já não podia aguentar mais…
No fim da empreitada, como se diria em termos corriqueiros mas bem adequados às circunstâncias, todos partiram dali com uma indizível sensação de vazio e de tempo perdido. Todos, menos as meritíssimas juízas, para as quais tudo não passara de mais um dever cumprido, com excelência e rigor absolutos!
Que a investigação de uma suspeita ou de um crime demore o tempo necessário, todos concordamos, embora esperemos e até exijamos sempre o seu encurtamento. Mas não sei o que pensarão disso as meritíssimas juízas de processos intemporais.
Que um resumo bem feito, mesmo de um longo conteúdo, ultrapasse meia dúzia de páginas, é um absurdo para gentes normais. Só as meritíssimas juízas acharão necessário e fabuloso um resumo da duração deste.
Que uma leitura de cinco horas, grande parte imperceptível, possa ter servido para alguma coisa, além do cumprimento de uma formalidade ridícula, todos estamos de acordo. Todos, menos as meritíssimas juízas. Limitaram-se a cumprir o seu dever e, por pouco, não tiveram que ler o grosso volume do acórdão, às partes e à heróica, disciplinada e complacente assistência.
Que o acusado e a sua defesa, ou a acusação, tenham ganho algo com essa prolongada leitura, todos discordamos completamente, tanto mais que podem, legalmente e sempre que quiserem, ter acesso ao acórdão na sua totalidade, lê-lo tranquilamente, estudá-lo, contestá-lo até, para impugnar ou recorrer da sentença aplicada para um Tribunal de instância superior. Só as meritíssimas juízas julgam que sim.
Que a Justiça perca todo o seu precioso tempo em leituras deste tipo que não interessam a ninguém, todos estão em completo desacordo, porque existem muitos milhares de processos à espera de resolução, por falta de tempo, mesmo trabalhando nas férias. Todos, menos as meritíssimas juízas que seguiram à risca a sua super minuciosa interpretação das determinações dos seus códigos e regulamentos, sem se preocuparem absolutamente com mais nada que não fosse a demorada preparação do resumo, a sua correcção e impressão, a sua leitura e arquivamento.
Poderia continuar a citação de absurdos, contra-sensos e ridicularias sobre este evento, que a gente comum como eu não entende, mas provavelmente só terei razão, usando da minha liberdade de expressão, no meu direito à indignação, como qualquer cidadão que se preza. Não sou meritíssimo.
Além disso, as meritíssimas juízas, se soubessem o que aqui escrevo, comentariam logo, no mínimo, que sou um grande ignorante destes temas. E a verdade é que, neste ponto, estou em perfeita concordância com elas, Não percebo mesmo nada dos processos da Justiça. Mas desejaria perceber um mínimo que fosse…
Desejaria saber, por exemplo, por que motivo a Justiça não se adapta à vida real e se faz compreender pelos cidadãos, na era dos computadores e das viagens à Lua, e continua teimosamente agarrada aos processos dos mangas-de-alpaca de XVIII e XIX.
Ora eu, que não sou meritíssimo, como disse, atrevo-me a dizer que não seria por simplificação e aceleração de processos, por utilização de uma linguagem compreensível às populações e abandono de regras ou posturas arcaicas, que perderia a sua importância decisiva na Sociedade, mesmo o seu próprio protagonismo. Antes pelo contrário.
Ao menos os códigos já não são impressos em latim…
Para finalizar, ainda voltando à crónica da senhora jornalista, não resisto a transcrever o parágrafo com que termina:
Quando a juíza ditou a decisão dos sete anos de prisão efectiva, fez-se silêncio na sala, Isaltino saiu directamente para a casa de banho onde se demorou e no meio da confusão da gente que comentava a decisão e dos jornalistas que aguardavam um comentário do autarca, avistei a minha filha (que pretendia encaminhar para Direito). Aliviada com o final da audiência disse-me, zangada, enquanto caminhava para a saída: “Mãe, esquece”.
É o que eu também vou fazer, esquecer o cúmulo das incidências da leitura desta sentença sem fim à vista. Consegue ser muito mais chato que a do Cerco de Lisboa pelos castelhanos, do grande cronista Fernão Lopes, mesmo escrito em português arcaico.
Disse o mesmo Fernão Lopes que só a fome e uma epidemia de peste fizeram levantar o cerco…

CEGOS, CÉGUINHOS E CEGUETAS


A real cegueira dos inquéritos

Já em tempos glosei a tese fantasma de que Portugal era um País de ceguetas, a propósito de uma notícia, tipo sondagem de horas vagas, «assegurando» que uma percentagem elevadíssima de portugueses via mal.
Claro que, quando digo que Portugal é um país de ceguetas, não quero asseverar que se trata de uma nação de cegos, ainda que haja muitos mais do que parece. Alguns que o não são fazem-se por conveniência, outros, que não se julgam, são cegos de todo. E ainda há os céguinhos que pedem esmola, os cegos por ignorância, os cegos profissionais e por ai fora...
Como poderemos classificar, nestes grupos, os responsáveis pelos múltiplos inquéritos que nunca chegam a conclusão nenhuma, ou emitem conclusões bizarras, inofensivas ou tendenciosas?
Há duas semanas, o Departamento de Cirurgia da Oftalmologia do Hospital de Santa Maria foi palco de um acidente em que seis pacientes correm o risco de ficarem cegos permanentemente ou com visão muito limitada, num tipo de intervenção habitualmente praticada com sucesso, utilizando aparentemente os mesmos meios e os mesmos procedimentos que até ali tinham sido coroados de êxito.
Que terá corrido mal? Todos gostaríamos de saber.
Numa primeira fase, os comentários da imprensa, depois de queixas dos doentes e familiares, logo levantaram suspeitas acerca do mau funcionamento da Instituição, de um provável descuido dos clínicos intervenientes, etc., etc. A prática da Medicina, em Portugal, foi acusada, mais uma vez, de todos os males e deu-se início, desta forma simultaneamente ignorante, ingénua e leviana, a mais uma peça que seria cómica e ridícula, se não fosse trágica, nem envolvesse vidas humanas em perigo de cegueira total.
Na segunda fase desta trágica telenovela, os clínicos visados, muito fácil e humanamente atiraram as culpas para o Avastin e o laboratório fabricante (neste caso a malvada ROCHE), e não houve variante crítica que não tivesse lugar, tratando de denegrir o medicamento pelos seus eventuais efeitos tóxicos, buscando-se toda a sua história de resultados clínicos adversos, no mundo inteiro. Seguidamente, procurou envolver-se o Infarmed na questão, assacando-lhe responsabilidades pela aprovação do maldito medicamento em Portugal, apesar de se encontrar em uso no mundo inteiro. O mais caricato desta fase veio do conhecimento dado pela Roche de uma circular enviada aos clínicos e à administração do Santa Maria, alertando-os para as bondades do Avastin e, sobretudo para os cuidados e os riscos e efeitos secundários da sua aplicação. Os médicos negaram, evidentemente, a sua recepção, mas nunca puderam negar o conhecimento das restrições que eram aplicadas ao medicamento.
Por outro lado, verificado que, na realidade, nenhum caso de semelhante gravidade, quer pelos efeitos, quer pelo número de vítimas, era conhecido mundialmente, as atenções voltaram-se de novo para a aplicação do medicamento aos pacientes e para as possíveis deficiências das instalações do Bloco de Cirurgia, pensando até numa eventual contaminação das mesmas ou do fármaco aplicado.
Todas estas suspeitas foram sendo lentamente desmentidas, algumas mesmo pela própria natureza e evidência dos acontecimentos e por algumas análises sumárias, outras pela generosidade, ignorância e corporativismo puro dos intervenientes.
Certo é que a honra dos cirurgiões do Santa Maria esteve em perigo e a Ordem dos Médicos, tão célere a desejar inquéritos aos oftalmologistas espanhóis e cubanos que no ano passado despacharam cataratas aos centos, com eficácia e a baixo custo, limitou-se a fazer um comunicado pífio, evitando simplesmente meter-se num assunto que provavelmente pressentia escabroso…
Pressionados pela publicidade dada aos acontecimentos, as autoridades envolvidas decidiram proceder aos respectivos inquéritos. Por essa via avançaram a Inspecção do Ministério da Saúde, o Infarmed e a Administração do Hospital de Santa Maria. Foram mandadas fazer pelos inquiridores as análises ao lote do medicamento utilizado e a supostas amostras retiradas já fora de tempo, do globo ocular dos pacientes, no Instituto Ricardo Jorge.
Numa terceira fase, que já tardava, uma informação anónima pôs a Justiça em acção, como já é hábito. Será porque, quanto mais não seja, é mais barato e dá menos chatices que mover uma acção de denúncia?
Teria, pois, havido um atentado, uma tentativa deliberada de boicote aos médicos, aos serviços do hospital, a alguém mais em particular…
Certo é que, frequentemente, o telefonema ou a carta anónima funcionam para o Ministério Público como a informação sobre a possível existência de uma bomba, ou uma mochila abandonada no metro, para a polícia, no momento em que para esta já se torna mais fácil colocar o dedo no gatilho. Como acontece com os bebés birrentos, também a PJ ambicionou esforçadamente ser protagonista, manifestando a sua preocupação por ter sido deixada de fora, pela magistratura do MP…
Uma quarta fase foi assim despoletada, com a passagem da culpa para a Farmácia do Hospital. Esta não teria os farmacêuticos necessários, não cumpriria totalmente as regras de armazenagem, não teria tomado as devidas precauções na entrega do medicamento, eventualmente tê-lo-ia trocado por outro ou feito deficientemente a sua preparação…
O Infarmed, já a cantar de poleiro, adiantou então, como poeira para os olhos dos ignorantes, a ausência de algumas normas de bom funcionamento da Farmácia do Hospital, o que a Administração do mesmo se prontificou imediatamente a corrigir para não ficar no rol dos culpados.
Também a Ordem dos Farmacêuticos, ao contrário da calculista Ordem dos Médicos, resolveu intervir e fazer uma inspecção própria, por cinco peritos credenciados, descartando qualquer erro na entrega do medicamento, mas não se responsabilizando pelo seu percurso posterior.
E assim, dada por concluída a investigação a todos os intervenientes no processo, não foi noticiada, por qualquer das entidades inquisidoras, nenhuma irregularidade decisiva quanto à preparação e entrega do medicamento ao Bloco Cirúrgico e à sua aplicação aos doentes. Falta ainda a Investigação dos Magistrados do Ministério Público, os sábios das leis, curiosamente os que menos conhecem destes assuntos e tiveram que recorrer a técnicos terceiros.
Ora, chegados aqui, que mais poderá acontecer, como exclamava a personagem de uma célebre telenovela brasileira que há anos correu entre nós? Não sei.
A quinta fase desta trágica história de quadradinhos irá surgir com a apreciação oficial dos diversos inquéritos. Como é hábito, não irão descobrir o que quer que seja, directamente relacionado com o falhanço dos actos médicos ou que possa ser por eles declarado directamente responsável. O relatório final apresentará certamente pormenores em catadupa, mas será na realidade inconclusivo.
Poderei até concluir, sem grande margem para erro, depois de tanta investigação e da intervenção policial, que irão pôr-se a descoberto várias irregularidades menores ocorridas ao longo de todo o circuito do medicamento, desde a sua expedição à sua aplicação no olho de cada paciente, mas nenhuma delas decisiva, ou à qual possa ser atribuída a tragédia. Também nenhum dos profissionais envolvidos será directamente culpado, muito menos a Administração do Hospital ou o Infarmed. Só as suspeitas irão continuar durante algum tempo nos jornais e no sentimento popular, a par do sofrimento e do julgamento feito pelas vítimas, para toda a vida.
Um médico especialista canadiano com larga experiência veio a Portugal e declarou peremptoriamente que nunca tinha assistido a nada semelhante, desde que usa o medicamento, e ficou perplexo com este caso. Também eu, que estou de fora, já tenho uma opinião formada a este respeito, como qualquer treinador de bancada atento ao jogo.
Que me desculpem os senhores médicos, humanos como eu e a quem muito devo do bom…e também um pouco do mau que tenho passado ao longo da vida. Algo correu mal nalguma alteração determinada por prática, investigação, descuido ou puramente acidental, na sua técnica habitual. Acabo de ler, por exemplo, duas notícias quase contraditórias: a primeira, que uma doente recusou a alta que os Serviços de Oftalmologia do HSM pretendiam dar-lhe, por ter recuperado (?) a visão e a segunda, que um responsável afirmava que os pacientes iriam recuperá-la a largo prazo…
Não acredito em atentados terroristas deste género. Um «corajoso» que se esconde atrás de informações anónimas só merece credibilidade à justiça das hipóteses ou ao jornalismo das fontes secretas. A não ser que se trate da ETA ou dos Taliban…
A terminar, peço antecipadamente desculpa, se errei nas minhas conclusões antecipadas e se algum dia vier a ser encontrado o verdadeiro criminoso.
Como ser humano, posso pensar e errar. Mas ninguém me convence a ser ceguinho à força. E cegueta, muito menos.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

JUSTIÇA MEDIÁTICA NO TOPO


Dificuldades e demoras da Justiça dos Códigos

O ditado antigo diz que a voz do povo é a voz de Deus, mas não especifica pormenores. Tomado assim, à letra, pode servir para tudo. Ora todos sabemos que a voz do povo é bem falível precisamente porque, na maioria dos casos, é ditada pela emoção acalorada, maleável e pouco credível, mais que pela razão pura, fria e dura.
A Comunicação Social de que hoje desfrutamos, em liberdade democrática plena, trouxe até aos cidadãos o conhecimento de factos ou simples suspeições que até há umas meras dezenas de anos não teriam relevância nenhuma entre nós ou mesmo, tendo-a, permaneceriam silenciados para sempre.
Agora, uma imprensa sempre ávida de casos sensacionais, espicaça o sentido crítico e simultaneamente derrotista dos cidadãos, de maneira a julgar seja o que for que saia um pouco do comum, seja verdadeiro ou simplesmente tido como tal. E assim se desenvolve em plenitude uma certa Justiça Popular, amparada numa Justiça Mediática de topo, instigadora e condutora de investigações, comentadora e julgadora rápida e sem recurso, em oposição frequente à Justiça legal, morosa, cuidadosa, virgulista, dos Tribunais.
As duas primeiras justiças têm por base as suspeitas, os boatos, as cartas anónimas, as denúncias feitas por fontes nunca investigadas e mantidas secretas, por investigações superficiais e raramente sem as provas exigidas à terceira para poder exarar um veredicto honesto e credível. Mas, inversamente, têm pelo seu lado a força da persuasão, da emoção e da rapidez de julgamento, da sua própria propaganda ante a opinião pública… A Justiça dos Códigos, obrigada por lei a ser honesta e cumpridora, tornou-se morosa em demasia, com medo de errar, enreda-se na eternizada busca ou confirmação de provas que, à partida, deveriam ser mais concludentes logo na abertura dos processos e, no final, nem sempre consegue ser credível para um número cada vez maior de cidadãos!
Dizia há dias um considerado articulista que «o que o juiz decide não interessa. Temos um país que não acredita na verdade das decisões judiciais em matéria de crime. Não parece, mas é tão grave quanto achar que a polícia não está feita para apanhar bandidos…»
Na verdade, casos como o de Fátima Felgueiras, antecipadamente condenada pelos Media e por uma parte da população, foi absolvida pela Instituição da Justiça que não conseguiu convencer a maioria, da sua justeza, ao fim de uma longa demora de anos e anos de processos, com vários incidentes mediáticos pelo meio.
Outro tanto aconteceu com a maior parte das acusações feitas a Ferreira Torres.
O caso Valentim Loureiro ainda está para durar, no mesmo Tribunal dos Códigos, embora o julgamento mediático já esteja feito há muito.
O certo é que a opinião pública em geral, que cada vez mais descrê da Justiça dos Tribunais, quando se trata de julgamentos da «Alta» ou de políticos, arrasa ambos, mas especialmente os políticos, gozando antecipadamente com a sua eventual condenação, enquanto por sua vez a Comunicação Social, em liberdade plena intocável, lhe vai distribuindo os seus pacotinhos doces ou amargos, mas sempre maliciosos, de amêndoas negras e brancas, atiçando-a, enaltecendo-a ou amesquinhamdo-a, derrotando-a, levando-a sempre à certa...
Hoje, para terminar a revista dos casos mais importantes e recentes relacionados com a administração autárquica, foi conhecida a sentença de Isaltino de Morais, o «dono» exemplar de Oeiras, há muitos anos.
A maledicência geral já cantava epítetos desagradáveis à Justiça, esperando a «anacrónica» absolvição do costume. Mas tal não se verificou. A Justiça desvalorizou os dados apresentados pelos média e pela investigação como corrupção activa ou passiva, mas não pôde absolver o seu crime de fuga ao fisco, a única coisa da administração pública que, desde há algum tempo a esta parte, dá mostras de funcionar eficazmente!
O autarca foi condenado a sete anos de prisão efectiva, perda de mandato, e pesada multa. Vai recorrer, claro está, e daqui a uns anos, se tivermos todos vida e saúde, cá estaremos para ver a sentença definitiva de um qualquer Tribunal Superior, que poderá ser o Supremo Tribunal de Justiça…caso não continuem os recursos até ao Constitucional ou ao Tribunal da UE, quando as nossas barbas forem bem branquinhas ou já estivermos muitos de nós a fazer tijolo.
E, sendo assim, dado o desembaraço e a rapidez das sentenças mediáticas, e as dificuldades e demoras de tantas sentenças legais, como será possível tornar um pouco mais credível a nossa Justiça dos Códigos, aos olhos dos cidadãos?
Ou alguém acredita ainda que mudando os códigos ou deitando-os para o lixo se resolveria o problema?







segunda-feira, 27 de julho de 2009

D. AFONSO HENRIQUES EM OURIQUE

O milagre de uma nação
Foi no dia 25 de Julho, do ano de 1139, assente como referência pela maioria dos historiadores, que D. Afonso Henriques, segundo rezam as crónicas, desbaratou sete reis mouros e resolveu, definitivamente, cingir a coroa de rei de Portugal.
Certo, no entanto que, apesar desta vitória, ainda faltava a aprovação essencial do Papa ao facto consumado, mas isso veio a acontecer, não só pelo efeito da derrota dos infiéis, mas pelo tributo posterior de um número adequado de onças de ouro ao Sumo Pontífice.
Esta vitória do nosso primeiro rei foi muito difícil e esteve mesmo perto de uma derrota total, o que não se consumou pela sua fé inquebrantável na obtenção da independência total do seu condado e na defesa da Cristandade no próprio terreno dos infiéis. Cristo recompensou-o, segundo a lenda, fazendo o milagre de aparecer, no fragor da batalha, dando ânimo aos cristãos e a certeza de que iriam vencer os inimigos, contra todas as perspectivas desanimadoras que se perfilavam…
No Castelo de S. Jorge, em Lisboa e no jardim do Castelo de Ourique, estátuas do guerreiro medieval embelezam os miradouros e, neste último, um painel de azulejos, colocado em local estratégico, lembra o grande milagre, com D. Afonso fervorosamente ajoelhado em oração ante um Cristo crucificado, esplendoroso e complacente.
Mas também, para além da data exacta da batalha, continua sem esclarecimento cabal o local onde foi travada a contenda, arrogando-se o município de Castro Verde de possuir, no seu território, a localização mais provável.
Fiz, em tempos, uma viagem a Castro Verde onde visitei a respectiva basílica mandada construir por D. João V, com as paredes integralmente revestidas a azulejos com diversas cenas imaginárias da Batalha de Ourique. Ali pode ver-se D. Afonso Henriques cortando a cabeça aos mouros, com o seu cavalo pisando infiéis despedaçados, ou recebendo finalmente a sua submissão, numa atitude de vencedor indiscutível, imponente e seguro na sua clemência purificadora de morticínios…
Posteriormente à batalha, Portugal foi reconhecido como nação independente. Desde então até agora, muitos factos históricos tiveram lugar, nestas largas centenas de anos passados. Numerosas figuras mereceram destaque pelos seus feitos, muitas delas colocadas em pedestais ou endeusadas pelos portugueses. Só D. Afonso Henriques, o pai da nacionalidade, parece por vezes esquecido, preterido por personagens de ordem menor.
Em Guimarães, berço da Nação, por exemplo, foi também D. Afonso Henriques homenageado, com uma pequena estátua, à entrada do Monumental Paço dos Duques de Bragança.
Ninguém duvida de que a memória do nosso primeiro rei merecia, na Cidade Berço, como em Lisboa, mais que estátuas de tamanho ridículo, a primeira acantonada uma numa esquina sem valor, na via de acesso ao Paço, e a outra num jardim de visita turística. O contraste é expressivo com as grandes estátuas erigidas a propósito de tudo e de nada, em locais de grande visibilidade, a figuras de quarta ordem, das quais ninguém se lembrará daqui a meia dúzia de anos, muito menos do que fizeram...
A inversão de valores a que os portugueses já se habituaram tem aberrações desta ordem. Será que já não é possível homenagear condignamente o fundador desta velhinha Nação de 870 anos, a mais velha da Europa?
Em Coimbra, possível local do seu nascimento, jaz D. Afonso Henriques, na histórica Igreja do Mosteiro de Santa Cruz, tornada panteão nacional, em sarcófago mandado construir por D. Manuel I e violado pelos franceses de Massena, em busca de preciosidades…
Visitei a Igreja e o Mosteiro, pela primeira vez, quando tinha apenas doze anos, em visita de estudo obrigatória da minha turma do segundo ano do liceu, e nunca mais esqueci, entre outras coisas, o lindo portal carcomido pelas inclemências do tempo, o púlpito rendilhado, os claustros belos e imponentes, e os túmulos de D. Afonso I e D. Sancho I, os dois primeiros reis de Portugal.
Nem os meus filhos e netos puderam usufruir desse privilégio de uma visita de estudo, tal como a grande maioria dos portugueses de hoje em que os pais, os professores e os alunos estão certamente muito mais preocupados com a vitória dos seus clubes de futebol.
A cultura dos valores pátrios parece estar pelas ruas da amargura.
A memória de D. Afonso Henriques deveria merecer mais atenção dos portugueses, porque maior milagre que o de Ourique só o da própria existência desta Nação amnésica.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

JUSTIÇA NO CAMPUS


Deformações corporativas

Ficou célebre o aforismo romano «dura lex, sed lex», tão célebre que figura por aí, a torto e a direito, na maioria dos Palácios da Justiça deste belo País tão adorado por uns e simultaneamente vilipendiado por outros tantos. Durante anos e anos, sobretudo desde o afastamento das ordens religiosas, a Justiça assentou arraiais nos conventos deixados vagos, que aliás serviram também para albergar Quartéis, Serviços Camarários, Hospitais, Delegações de Finanças, até Pousadas e Hotéis de Charme e muitas outras coisas mais. Poucos foram os que permaneceram sem uso.
A pouco e pouco, não obstante as numerosas remodelações, os conventos foram-se tornando obsoletos para as funções em que foram inicialmente aproveitados, e assim começaram lentamente a proliferar os tão pomposamente denominados Palácios da Justiça.
Era necessário dignificá-la, por isso não podia continuar a funcionar em conventos e outros edifícios adaptados segundo as circunstâncias. Há que louvar todos os profissionais da Justiça que, durante largos anos, exerceram o seu mister em condições menos adequadas, mesmo assim, em paralelo com o nível de vida das outras instituições e da população portuguesa em geral.
Com altos e baixos, a Justiça lá foi sendo aplicada e, por último, após quase meio século de subserviência ao poder político, ressuscitou para a independência total da Magistratura, com a Constituição saída do 25 de Abril. A política de construção de Palácios de Justiça por esse País fora, iniciada nos tempos de Salazar, continuou, para agrado dos profissionais e das gentes que a eles recorriam, mas alguns conventos ou dependências permaneceram até aos dias de hoje, alguns com uma carga emblemática tremenda, apesar das condições de trabalho exigidas. Aguentaram todos com estoicismo e raras vezes se queixaram disso, porque o brio e a independência da Magistratura a isso obrigavam. Mas os tempos foram mudando.
Com as vantagens do uso dos automóveis, dos telemóveis e dos computadores, os Senhores Juízes, sem abdicar do seu estatuto de Quarto Poder do Estado, mas à semelhança dos outros mortais com muito menos poderes e prerrogativas, não puderam resistir à tentação de criar e explorar cautelosamente um sindicalismo de feição corporativa e reivindicativa. Não só.
Desde há algum tempo a esta parte, vimos os próprios Juízes reclamarem, ameaçarem com greves ou simples paralisações de «révanche» contra os poderes governamentais, por motivos puramente corporativos que não abonaram nada em favor de uma Justiça que a população se habituara a ver sempre bem de fora e muito acima destas trapalhadas.
Agora, depois de muito sangue, suor e lágrimas passadas nos celebérrimos claustros do Tribunal da Boa-Hora e noutros espécimes inadequados dispersos pela Capital, engolindo queixumes e dificuldades de toda a ordem, 16 destes Senhores resolveram não comparecer à inauguração do moderno Campus da Justiça, na igualmente moderna Urbanização da Expo, onde eles mesmos, num universo de 2400 funcionários irão exercer a sua actividade, alegando defeitos na construção com falhas de segurança na circulação de Juízes e presos, enfim, condições de instalação, funcionamento e a sua própria falta de privacidade. «Desculpas esfarrapadas», como já comentou o Bastonário da Ordem dos Advogados.
O que sobressai desta atitude, tomada numa cerimónia de inauguração do que há tanto tempo foi uma ambição de sucessivos governos, é apenas mais uma tentativa de boicote, mais um aspecto de baixa politiqueira, do «confronto aberto com as instituições do Estado de Direito». Para o Bastonário, esta «guerra aberta» não é a forma de resolver os problemas da Justiça, defendendo que é necessário existir «espiríto de colaboração».
Estão no seu próprio direito! Mas a sua atitude não é própria de Juízes. No mínimo, perderam uma boa ocasião de demonstrar o seu respeito pelas regras de urbanidade social e, sobretudo, pela lei não escrita mas consensual da sua própria superioridade moral que está acima de direitos ou simples reivindicações corporativas. A Justiça das consciências, deviam sabê-lo, não é a mesma de uma certa Justiça virgulista de gabinete alcatifado, ainda que os romanos tenham deixado escrito para a posteridade que «dura lex, sed lex».
Passados os discursos de circunstância, assisti, no noticiário duma estação de TV, aos comentários dum repórter, finalizado o acto da inauguração do conjunto dos 11 edifícios do Campus da Justiça. Dizia ele, entre várias coisas, que todos os edifícios possuíam fachadas envidraçadas e não proporcionavam elevadores privados aos Juízes, o que eliminava completamente a privacidade necessária à sua função. Acrescentava ainda que, ali ao lado, havia um bonito lago, do fundo do qual, mesmo ao alcance da mão, era possível apanhar bonitas e roliças pedras, como exemplificou…
Moral da história: mesmo nos tempos que correm (em que até desapareceram os óculos sobre as vedações das bancadas das repartições), a Justiça, em Portugal, tem enorme dificuldade em fazer-se de forma transparente, enquanto a Comunicação Social, por sua vez, dispõe de grande facilidade em encontrar armas de arremesso.
Que outra coisa, aliás, poderia acontecer a uma Justiça enclausurada e domesticada anos e anos em conventos e a uma Comunicação Social que apenas há trinta e cinco descobriu que podia, finalmente, atirar pedras?

segunda-feira, 20 de julho de 2009

EXPORTAÇÕES EM QUEDA



Ronaldo em alta

De vez em quando, mesmo sem querer, descubro coisas interessantes. Por exemplo, interessante, sob um dado ponto de vista, é o que se passa em determinadas zonas das margens alcantiladas do IC19, cujas barreiras inclinadas estão pejadas de couves, batatas, cebolas e favas, tratadas e humedecidas humildemente a regador, por imigrantes que tentam sobreviver nesta selva que é a nossa sociedade egoísta.
A Câmara da Amadora fecha os olhos, nalguns casos até agradece a estes agricultores ocasionais, cujas culturas, além de servirem para lhes matar a fome, dão um tom verde e menos agreste à terra seca das encostas. De manhã ou à tardinha, sobretudo nos fins-de-semana, encosta acima, encosta abaixo, eles lá se vão equilibrando sem cair, de enxada ou regador na mão, indiferentes ao trânsito ruidoso e infecto que circula ali pertinho, a unas dezenas de metros, apenas.
É a única fixação à terra que conheço, em Portugal, e a custo zero. Noutros pontos do país, gastam-se milhões, e o resultado é que é mesmo zero!
Os sábios economistas, do alto das suas cátedras ou do remanso dos seus sofás acolchoados, bem recomendam mais exportações, como o único meio de resolver todos os problemas da crise, e até das várias crises culpadas do atraso do país.
Dizem que o País deve…o Estado deve…os portugueses devem… Que ninguém os ouve… ninguém faz nada…ninguém trabalha…
O certo é que também eles não dizem nada de novo, porque aquilo que apregoam é voz corrente desde séculos a esta parte. Já ninguém liga nenhuma a essa lenga-lenga.
O que interessaria eventualmente às gentes mais honestas e preocupadas seria saber porque apenas uns quantos imigrantes desesperados se agarram ao cabo da enxada para não morrer de fome, ou porque os portugueses de gema preferem mesmo morrer de fome ou viver à pendura, enquanto os sábios economistas morrem de tédio…
Todos sem excepção olham, nas primeiras páginas, as fotos do Ronaldo e dos seus milhões, apalpam disfarçadamente, nos bolsos, o coiro das carteiras vazias e fazem um esgar de falso sorriso, na esperança de que um dia, a sorte grande lhes bata à porta…
Bem vistas as coisas, talvez a sorte grande do país estivesse na exportação de Ronaldos, Figos, Mourinhos, Quaresmas, Futres, Manuel Josés, e tantos outros, em quantidades industriais e não de casos isolados, de excepções contadas, de ocasional mercadoria de comércio puro. Mas os portugueses não têm mesmo jeito nenhum para a grande indústria, coisa que exige iniciativa, educação, matemática, planeamento e investimento a longo prazo, trabalho, persistência, marketing, etc. Assim, só com uma dúzia de craques, não chega…
Aposto que os sábios economistas ainda não pensaram nessa solução. Eles julgam que dar pontapés na bola é coisa de maltrapilhos incultos, e ganhar milhões é apenas uma questão de sorte. Não é. Como em tudo, para ganhar milhões no futebol, é preciso saber muito, na teoria e na prática dessa arte. É mister sair da bancada e trabalhar no relvado!
Portugal, portanto, como disse, só sairá desta crise, e das outras todas de que falam os tais treinadores de bancada, se conseguir ser bom em qualquer coisa rentável, vendável e exportável, nem que seja a pontapear o esférico com qualidade, em quantidades industriais!
Ora, especializando-se apenas na maldição de tudo e todos, no envio de bocas pela imprensa fofoqueira, ou de recados triviais aos papalvos, nunca chegará a parte nenhuma. Sou eu que o digo, e também muita gente honesta que de economia e de futebol não percebe nada!
Digo também que não basta que os politiqueiros de serviço se matem a discursar para o «pagode» ou a construir estádios de luxo. É preciso interessar o povo, na execução do próprio jogo! Talvez mesmo o mais difícil será interessar o povo na execução, arrastá-lo a colaborar directamente naquilo que ele tanto gosta de criticar.
O Ronaldo, o Mourinho e mais uns quantos agora em alta, com o seu êxito e o seu exemplo, entusiasmam apenas o público nacional, mas apenas a bater palmas.
Mas não é apenas com aplausos ou apupos que se consegue tirar a nossa população do marasmo onde atavicamente se mantém, de há trezentos anos a esta parte. Nem é só com recados ou conselhos de circunstância que se acaba com a queda das exportações e outras desgraças.
Como diria o impagável La Palisse: sem os portugueses, Portugal nunca irá a parte nenhuma!

DISCUTIR, DISCUTIR SEMPRE

DISCUTIR, DISCUTIR SEMPRE

Nunca decidir ou fazer algo, sem discussão…

O dever de discutir todos os grandes temas nacionais na Assembleia da República, e os outros, grandes ou pequenos, nas instâncias decisórias, nas Assembleias Municipais, nos areópagos públicos e privados que povoam o país, é tema que não está consignado na constituição com pontos e vírgulas, mas é aparentemente consensual entre todos os portugueses, depois do 25 de Abril. Os resultados da discussão é que nem sempre são os melhores.
Na verdade, em Portugal, os extremos tocam-se sempre, nos temas mais variados, e este não é excepção: enquanto uns dizem que da discussão nasce a luz, outros afirmam que dela sai a confusão. De uma forma ou de outra, discute-se tudo, por tudo e por nada, e nunca se conclui nada, de tudo o que se discutiu. De tal forma é improfícua a discussão permanente, superficialmente explorada e alongada, na vida corrente, desde a política à administração pública, à educação, à justiça e aos media, que uma boa parte da população está convencida de que não se discute nada, a sério! Este convencimento resulta da falta de resultados dessas eternas discussões, da ausência de obra, finalmente, e talvez por isso mesmo, da premissa de que o calado é o melhor, de que Salazar falava pouco e fazia o que queria sem chatices…Teria sido daí, e da intervenção pidesca de quase cinquenta anos, que o português interiorizou que não valia a pena ir às assembleias ou cooperar nos deveres cívicos mais comezinhos e passar antes o seu precioso tempo em discussões bizantinas mesquinhas, sem objectivo? Também não creio.
Ultimamente verifica-se certo desencanto provocatório sobre este tema, com alguns a acusarem até o governo maioritário de autoritarismo e de não discutir nada, geralmente os mesmos que não intervêm na vida política da nação nem apresentam ideias nem soluções para os problemas. Pensam que, por estarem de fora das rédeas do poder, não têm responsabilidades, só possuem direitos inalienáveis a reclamar, nunca têm deveres a cumprir para com a sociedade, nem quaisquer responsabilidades como cidadãos honestos e intervenientes, ou sequer no mínimo, como votantes!
Dizia um digno comentarista da nossa imprensa diária, que são muitas as experiências frustrantes de cidadãos que se vêem rejeitados quando tentam discutir os problemas do País nas instâncias partidárias. Ficam fora porque não há tempo para discutir ideias. Passa sempre à frente a urgência de tratar da atribuição de um qualquer lugar público.
Sem entrar em mais pormenores, nem fazer ilações sobre o resto do artigo, julgo que está aqui o cerne da questão.
O mesmo cidadão que discute tudo numa superficialidade (ou num excesso de formalismo…) que impede qualquer conclusão, censura asperamente deputados e políticos em geral, porque passam o tempo a discutir, sem fazer nada, e adora os governantes, autarcas ou administradores que mostram obra feita sem discussões, que executam tarefas sem mas nem meio mas, sejam eles honestos ou corruptos…mas não tolera ser posto de lado quando a coisa toca no seu interesse particular!
O mesmo cidadão que, desde a primeira constituição de 1820 até aos dias de hoje lutou arduamente por um emprego público, tantas vezes de favor, que nunca se interessou pela discussão séria e profunda da coisa pública, que votava nos terra tenentes da Monarquia que abriam a pipa de tinto, e depois nos espertalhões da República que ofereciam bacalhau a pataco, manteve-se calado e subserviente durante quase cinquenta anos, quando um professor inteligente e astuto decidiu por eles, acabando de vez com a discussão improfícua, destruidora e retrógrada onde o país fora mergulhado.
Esse mesmo cidadão, depois do 25 de Abril parcialmente recuperado para a democracia, insurge-se agora contra um político que escolhe outro candidato para um lugar que tinha em mira, sem discutir, sem o consultar! Será exagero dizer que o resto da coisa pública pouco lhe interessa?
O mesmo cidadão português que, em geral, não lê, não estuda, nem quer saber de programas político partidários para nada, simpatiza com algumas caretas que, através da televisão, dizem frases que lhe vão no goto, ou abomina outras que molestam os seus interesses mais directos. É tudo. Odeia que se gaste o dinheiro dos impostos que paga (e que evade, se consegue) em grandes cartazes de encher o olho a tentar convencê-lo, a ele que já tudo sabe, que despreza figuras e conteúdos, que manda tudo à fava!
O mesmo cidadão queixa-se de que os partidos são uma choldra, não quer saber deles para nada, nem da própria militância partidária que, medida em números, é uma ninharia, comparada com a dos sócios do Benfica! Sabe que o Futebol arregimenta gente sem qualquer dificuldade (ao contrário da política que necessita de um bom isco), que origina discussões sem fim, a cada canto, compra bilhetes caros mesmo sem ter pão para a família, adquire camisolas e bugigangas do seu clube, faz propaganda delas aos descamisados, gosta dos seus ídolos, insulta os árbitros e, finalmente, dá popularidade e serve de trampolim aos que desejam trepar na política e depois não lhe ligam nenhuma…
Quer lá saber o cidadão português da discussão política séria, para alguma coisa, ele que adora a fofoca, que tudo sabe, que tudo discute, que tudo critica! Tomara ele que os políticos o libertassem até da pepineira das eleições! A maioria já nem vota, apesar dos apelos de todas as cores de que a imprensa se faz eco…
O cidadão português é, em si mesmo, uma contradição pura. Está dito. Nas zonas rurais do norte, as gentes resumem, simplesmente que «a malta só quer putas e vinho verde»!
E agora, neste contexto, aparece a bomba do senhor comentarista: o contributo para o debate político lançado com assinaturas de 25 intelectuais traz um alerta necessário. Nas campanhas eleitorais aposta-se muito mais no marketing do que no esclarecimento.
Grande descoberta a dele e a desses maduros, após trinta e cinco anos de regime democrático! Por causa dum simples boato, o Almirante Reis deu um tiro na testa e teve direito a ruas e avenidas por esse país fora…
Mas a transformação da maneira de ser superficial e instintiva do cidadão para uma forma mais cívica, participativa e responsável de estar na política e na vida corrente, não se faz com alertas pomposos de circunstância dos sábios de sofá, mas com intervenções eficazes, com a colaboração directa e persistente dos mais evoluídos, com uma educação continuada dos deveres de cidadania diariamente cultivada por todos, desde os bancos da primária! Demorará tempo. E estará a ser feita? Talvez não…
A responsabilidade é de todos nós, pais, amigos, profissionais. Mas a dos professores, nesta matéria, é tremenda. E a dos média, por muito que disfarcem, não lhe fica atrás.
Há muitos paliativos, mesmo bem intencionados, mas não vão a parte nenhuma.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

PRESSÕES DIABÓLICAS



A pressão atmosférica e outras

Uma onda de pressões tomou conta da imprensa nacional, tal como a pressão atmosférica tem na mão os especialistas da meteorologia.
Também as ondas do mar exercem sempre uma enorme pressão sobre as costas, e a portuguesa não é excepção. Todos os anos a mesma imprensa faz eco das reclamações e dos gritos da população ribeirinha que vê o mar invadir e roubar areias, casas, e até algumas vidas. Em vão! A violência e a constância da gigantesca pressão das ondas não poderá ser alterada com medidas daqueles que, ainda para mais, passam o tempo a tagarelar ou a discutir aquilo que hão-de fazer, sem fazer nada!
Como disse, a pressão atmosférica deixa com muita frequência os sábios da meteorologia embasbacados, incapazes de prever com segurança as inclemências do tempo e, sobretudo, os cataclismos que assolam esta humanidade que, desde o berço, vive numa permanente pressão, visível ou assolapada.
Se todo o mundo é sujeito a mudança, como dizia o poeta, também é verdade que essa mudança tem origem nas pressões, nas altas pressões que constituem a essência da nossa vida e da própria morte. Alguns não conseguem aguentar as altas pressões do acto de nascimento. Outros vão caindo, ao longo da vida, sob pressões de vária ordem. Viverá até mais tarde quem conseguir resistir, durante mais tempo, às pressões a que está sujeito.
Também a vida profissional de cada um está sujeita a pressões. Ninguém consegue escapar delas, sejam físicas, técnicas ou morais. A fragilidade e a resistência física, a ignorância e os conhecimentos técnicos ou culturais, a debilidade mental e o grande estofo moral de cada um, são os únicos reforços ou contra poderes às pressões que facilitam ou complicam a vida, profissionalmente falando.
Pretender que alguém possa viver num mundo isento de pressões, é pura utopia. Até Cristo e os Santos foram alvo das maiores pressões, de todos os tipos e feitios. Mas souberam sobrepor-se a elas, não se deixando atemorizar nem convencer, nem vencer.
Por isso é que a onda das pressões que ciclicamente invade a justiça, os sindicatos de magistrados, da imprensa, ou dos trabalhadores, as ordens profissionais, as confederações patronais, as empresas, as autoridades, os professores, os alunos, os próprios governos, e por aí fora, me deixa com vontade de sorrir e de chorar ao mesmo tempo. Metade do mundo pressiona ou é pressionada pela outra metade.
Um artigo interessante que li há dias, num matutino, referia-se aos cargos da Magistratura do Ministério Público, escolhidos sob escrutínio de partidos ou entidades governamentais e às eventuais pressões inerentes, etc. As hierarquias, automaticamente, exerceriam pressões sobre os seus dependentes, directa ou indirectamente, nem que fosse com a antevisão das próximas ou longínquas promoções nas careiras profissionais. Ora isto é um assunto trivial do conhecimento geral de qualquer funcionário que obedece a um superior hierárquico, ou não quer esquecer o seu benfeitor…
A justiça, segundo o articulista, estaria dependente, mesmo na sua tentada independência de julgamento!
Discordo totalmente, porque nem os governantes do país são um grupo de déspotas, nem os magistrados um bando de funcionários incompetentes, venais e submissos.
No entanto, algumas situações irregulares ocorrem por aí, neste Portugal desde a Idade Média bem conhecido como o país da cunha onde a lei é contornada diariamente sem cerimónia, terra fértil de gentes permeáveis às pressões, onde o aforismo «antes quebrar que torcer» se refere a umas quantas excepções, cada vez mais passadas de moda.
Há dias, o bastonário da Ordem dos Advogados, numa das suas tiradas «tremendistas», dizia mais ou menos (não sou já capaz de reproduzir a frase) que os juízes bem sabiam que eram os profissionais mais sujeitos a pressões, no desempenho da sua espinhosa missão, mas aqueles que passavam a vida a queixar-se delas, com medo de não lhes ser superiores, não deveriam ter escolhido essa profissão. E no entanto, a História Universal está cheia de maus exemplos de juízes que não tiveram estofo de resistir a cunhas, digo pressões de governantes, de poderosos ou até das próprias mulheres! Verdade seja que também lá se encontram exemplos dignificantes de pessoas imunes a pressões, como Thomas Moore, a quem Hentique VIII mandou cortar a cabeça, por não sancionar a sua relação pecaminosa com Ana Bolena. O que significa que o profissionalismo e a ética, na justiça, devem estar acima dessas trapalhadas. As pressões, venham donde vierem, só podem ter o valor que lhes for dado pelos seus profissionais. Ética e profissionalmente, nunca deveriam ter, para os magistrados, qualquer valor!
Enfim, já se falou demais sobre as pressões, não contando com o papel e a tinta dos jornais que enchem os modernos ecopontos. Tem-se perdido um tempo precioso com a politiquice do costume, com os respectivos inquéritos corriqueiros, por demais ridículos e sempre inconclusivos, e tudo com elevados custos para o país, a juntar a tantos outros gastos improdutivos que por aí abundam.
O certo é que, para além de todas as pressões, verdadeiras ou fictícias, que possa haver sobre juízes, nos mega processos em curso na Justiça Portuguesa, o que toda a população deseja, ardentemente, é que justiça seja feita, doa a quem doer, rápida e eficazmente, sem fofocas, sem queixinhas, sem recados na imprensa, com brio, com profissionalismo, sem medo de pressões de ninguém! Só assim o povo entende a justiça e é para servi-lo, o melhor que puder e souber, que ela existe. Felizmente, as palavras do PGR, ontem proferidas, pedindo aos procuradores que se sobreponham sempre a todo o tipo de pressões, incluindo até as familiares, vão nesse sentido.
Basta de falar de pressões, de pura conversa fiada, de oportunismos, e de tantas outras desculpas, quais tiros no pé de uma instituição que já tanto manqueja. Desejam-se resultados!
Para nos preocupar deveriam ser suficientes as pressões da crise económica, para a qual os entendidos ainda não encontraram a solução, e as suas diabólicas variações de pressão atmosférica, com os respectivos temporais, para os quais a Meteorologia infelizmente ainda não tem remédio.