sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

PRESIDENTE DE TODOS OS PORTUGUESES


O meu, o teu e o deles...

A primeira coisa que cada Presidente da República diz, após ser eleito, é que, a partir daquele momento, é o presidente de todos os portugueses. Efectivamente, é assim que manda a Constituição, e eu acredito piamente que ele o sinta, de alma e coração. Acredito também que, ao longo do seu mandato, cada presidente se esforce ao máximo para cumprir a sua missão, a contento de todos, embora de acordo com o seu entendimento, as suas convicções pessoais, os seus conhecimentos da Nação e dos seus problemas em geral.

O simples bom senso diz-nos que é nessa base que o Presidente pauta a sua acção e prepara os seus discursos à Nação, qualquer que seja o motivo porque o faz.

No Ano Novo, qualquer presidente que se preze digna-se dirigir aos seus representados os seus votos tradicionais de Bom Ano, quase sempre acompanhados de algumas palavras de circunstância, geralmente redigidas com o maior cuidado, para não ferir susceptibilidades, numa quadra de paz e de fraternidade universal.

Mas as palavras nem sempre são o que parecem, nem sempre parecem aquilo que se pretende dizer, nem sempre são tão inócuas ou cheias de bondade como se quer. O português é um idioma matreiro que permite interpretações diversas com uma simples entoação, uma simples mudança de vírgula, um simples acento ou alteração de ordem...

E os portugueses também são exímios nas interpretações mais diversas de uma mesma frase, de uma mesma palavra...

Meia dúzia e frases feitas, conhecidos lugares comuns repetidos diariamente por meio mundo, podem assim prestar-se às mais variadas elocuções de retórica barata.

No começo deste ano, as interpretações do discurso do Presidente, feitas pelos vários partidos políticos e pelos comentaristas das diferentes cores e tendências, foram as mais diversas, para não fugir à regra costumeira.

Alguns viram ali recados brandos, outros ameaças veladas, outros ainda conselhos de pessoa avisada, os últimos uma consonância com as suas posições próprias, todos enfim uma forma de aproveitamento das suas intenções, uma subliminar maneira de fazer a sua própria propaganda e o descrédito dos partidos opostos.

É caso para dizer que o discurso de fim de ano do Presidente, redigido como um lugar comum para todos os portugueses aos quais era dirigido, na melhor das intenções, serviu às mil maravilhas, aos politiqueiros de serviço, como arma de arremesso para desferir os golpes baixos habituais nos seus inimigos de estimação e de coroa de louros às suas próprias hipóteses ou propostas.

Nada que não estivesse previsto.

Antes de ouvir as palavras do Presidente, também eu já tinha intuído o que se iria passar. E foi com um sorriso de condescendência que esperei alguns minutos apenas, também previstos, pelas primeiras reacções.

Senti uma onda de riso inicial, na confirmação das minhas suposições, e logo a seguir um sentimento de pena e tristeza pela falta de respeito dos diferentes partidos e comentaristas pelos portugueses em confraternização, os quais têm a infelicidade de os ler e ouvir...

O Presidente não estava a falar em código, não necessitava da intervenção de tais tradutores ou intérpretes, e os portugueses também não são assim tão burros, não haviam pedido a sua intervenção, mas tiveram que gramá-los!

Aposto que, se o presidente dissesse apenas Bom Ano Novo a todos os portugueses, não conseguiria livrar-se dos comentários bizarros de uns quantos, ou de algumas críticas ferozes de outros, pretendendo ver nelas o que Maomé não descobriu no toucinho. Muitos haveriam de criticar ideias que julgariam subjacentes, sem estarem lá, e muitos mais criticariam também a falta de outras tantas no texto.

Afinal, para essa gente da política, o Presidente é meu, é teu, é deles, sempre de cada um à sua maneira, como se encarnasse a fase querida da metamorfose e nunca atingisse o insecto perfeito...

Também a maior parte da imprensa não transmitiu o discurso na íntegra, retirou pedaços e intercalou os seus comentários, nem sempre isentos. Mas é livre.

Por isso, cada um deve possuir a sua boa dose de paciência e fazer o seu quinhão de esforço para conseguir pensar sozinho, sem a ajuda de tais muletas.

A vida é uma opção constante, no meio de mil condicionantes...

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