sábado, 31 de janeiro de 2009

SÓCRATES SEM FREEPORT

O filósofo, o sol e a cicuta


Agora que o nome de Sócrates está na berra, ocorreu-me a figura do filósofo grego, a sua simplicidade, os seus ensinamentos através da incomparável maiêutica que Platão conseguiu transmitir tão bem às gerações vindouras, já que Sócrates não deixou nada escrito e preferia conversar com os seus alunos, socorrendo-se de exemplos e perguntas cujas conclusões eram por eles próprios tiradas. O professor limitava-se a sugerir e estimular pensamentos, a trazer para a discussão os elementos necessários à obtenção das respostas.

Sócrates deixou Escola, descrita em textos de fama imorredoura como os de Platão e Xenofonte, com registos, conceitos e descrições ainda hoje lidos ou citados com interesse, no mundo inteiro.

Infelizmente, o grande filósofo ateniense cometeu alguns erros perante a sociedade política de Atenas, atreveu-se a aconselhar algumas das suas ideias em discordância com as dos detentores do poder (o governo dos Trinta Tiranos), a quem fariam sombra, e acabou por ser condenado à morte por envenenamento com cicuta. Aceitou humildemente o veredicto, como uma libertação, pôs de lado uma ideia de fuga que lhe foi proposta, e acatou a execução da sentença que é contada por Platão, com todos os pormenores. O colectivo de juízes e políticos arrogantes que o privaram do sol e do ar livre onde gostava de ensinar, num pseudo tribunal popular, condenaram-se automaticamente, eles próprios, no tribunal da humanidade.

O envenenamento pela cicuta ficou célebre, desde então, não escapando também a algumas anedotas que se contavam entre os alunos, nos tempos em que ainda de ensinava História a sério, nos liceus. Citava-se, há largas dezenas de anos que um dia, numa aula, o professor perguntou a um aluno conhecido pela sua cabulice:

-Como morreu Sócrates?

E o colega da carteira de trás, que era o urso da turma e queria ajudar, soprou, baixinho:

-Envenenado pela cicuta!

Ora o cábula, tendo ouvido mal, respondeu ao professor:

-Atropelado por um recruta!

Nada mais verosímil nos dias de hoje, quando os recrutas todos têm carro e frequentemente guiam o veículo de forma acelerada e muito bem bebidos...

A morte por envenenamento, usando a cicuta, não era tão violenta como os processos hoje em voga, nem tão rápida. O condenado, por outro lado, ia desfrutando de todo o processo de arrefecimento progressivo do corpo, lentamente, conversando com os amigos mais próximos, ensinando sempre, descrevendo as próprias fases da ocorrência, até ao seu apagamento final. Assim o descreve Platão.

Mas a Grécia, terra de sol e oliveiras (símbolos do conhecimento e da paz), que inventou e desenvolveu um sistema democrático há dois mil e quinhentos anos, que foi a génese da filosofia ocidental e das maiores conquistas políticas da sociedade, haveria de cometer alguns erros como este, que ficaram igualmente na História, para todo o sempre.

Vale a pena passar alguns momentos a divagar sobre estes temas.

Sobre as notícias de Sócrates e do Freeport, banalidades que agora inundam a nossa imprensa, direi apenas como o grande filósofo ateniense: «só sei que nada sei».

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

VIAGRA DE CONTRABANDO


Levantai hoje, de novo!

O contrabando de medicamentos é uma ocorrência que agora parece estar na moda. Os medicamentos para uso humano são caros, a crise económica tem deixado as bolsas «nas lonas» e os cidadãos cada vez têm mais dificuldades na sua obtenção.

Mas há medicamentos e medicamentos.

Fazer contrabando de aspirinas, ao preço da chuva, não penso que possa ser coisa de grande interesse para os malfeitores. Eles descobrirão sempre coisas de valor superior e de maior procura, no mercado. Isso é das normas que a polícia bem conhece...

Já a contrafacção do Viagra, pelo seu preço e a apetência da sua aquisição, como medicamento de utilização susceptível de gozo e de prazer sexual, é um sério candidato a estar frequentemente na mira muito atenta dos candongueiros.

Por isso, durante o ano que há pouco terminou, foram apreendidas, pelos eficientes funcionários da Alfândega, mais de 20.000 embalagens fraudulentas de medicamentos para a impotência sexual, entre os quais o famoso Viagra que, a terem passado para o mercado subterrâneo, não tenho dúvida de que seriam vendidas num abrir e fechar de olhos, para benefício dos trapaceiros, para pleno gozo de tantos doentes de disfunção eréctil, em Portugal, e indirectamente das suas companheiras.

Muitos portugueses que não têm dinheiro para mandar cantar um cego já estariam à espreita, esperando receber Viagra a preços módicos, para poder exaltar o seu patriotismo e cantar o hino.

Os guardiães do fisco não deixaram que tal acontecesse. E assim, para sua tristeza, tiveram que ficar murchos por mais uns tempos. A crise está para durar e só mesmo os duros poderão aguentar-se nesta onda de dificuldades e tibiezas. Na verdade, com a carestia da vida e a apreensão do contrabando de Viagra, como será possível levantar o patriotismo dos portugueses?

Não sei.

Mas penso que H. Lopes de Mendonça, quando escreveu a letra de «A Portuguesa», numa ocasião bem conhecida pela maior onda de patriotismo nacional dos últimos tempos, nunca supôs, certamente, que os portugueses tivessem que recorrer, cento e poucos anos mais tarde, ao Viagra, para conseguirem cantá-la...vendo-se obrigados a usar um produto fabricado na Pérfida Albion.

As voltas que o mundo dá!

PORTUGAL DOS PEQUENINOS

A Medicina das corporações

Longe vão os tempos do João Semana, da Medicina romântica, caritativa e endeusada, apesar de fracos recursos e de eficácia limitada.

A pouco e pouco, à medida que a Medicina ia ganhando em conhecimentos e em eficácia, perdia muito do romantismo tão apregoado no século XIX e princípios de Século XX, com médicos e doentes muitas vezes a serem tratados como números, num grande aviário.

Mas à parte estes exageros de linguagem, a Medicina tornou-se cada vez mais exigente na aquisição e aplicação dos conhecimentos e também mais dependente, tanto no diagnóstico, como na terapêutica e no prognóstico, de outras Ciências como a Física, a Química, a Biologia, as Ciências Farmacêuticas, etc.

O ensino da Medicina foi, por essas e por outras circunstâncias, tornando-se mais complexo, mais difícil, mais exigente e aos alunos pediram-se cada vez mais qualidades, mais trabalho, mais tempo de estudo, melhor utilização prática dos conhecimentos adquiridos, etc.

Até aqui, tudo parece linear e mais ou menos consensual.

Os problemas começaram a surgir com as limitações e as reclamações das Faculdades de Medicina, a massificação dos cuidados de saúde às populações, a extensão e logo a generalização pública do Serviço Nacional de Saúde, de tal modo que a breve trecho começou a tornar-se notória a falta de médicos no nosso país. E a partir daqui, ao pedido de mais clínicos para o SNS respondiam as Faculdades com os seus limitativos numerus clausus, e a Ordem dos Médicos com as suas imposições, mais ou menos corporativas.

Apesar das justificações que sempre são apresentadas, algumas destas situações criadas têm, perante a opinião pública generalizada, o seu quê de exagero corporativo e de caricatura, como a exigência de altíssimos valores para a admissão dos alunos à Faculdade, fazendo supor que só os génios podem entrar na Medicina...ou os «marrões», com resultados nem sempre a condizer! Também a Ordem dos Médicos não fica isenta de alguns remoques da população, porque passa por vezes a ideia de que funciona mais como sindicato, deixando o juramento de Hipócrates para simples fachada.

Durante anos, foram esquecidas as soluções para estes problemas, até que se tornaram insustentáveis, obrigando à contratação de médicos estrangeiros, actualmente mais de 2800 a exercer em Portugal, estando mais de 700 alunos a cursar medicina em universidades estrangeiras, tudo isto com grandes custos para o erário público e as bolsa dos particulares, e sem que venha a terreiro uma explicação cabal, num esforço para tornar perceptível à população em geral, incrédula, uma razão clara e válida para estas aberrações.

Os utentes do S.N.S. agradecem a presença dos médicos estrangeiros, à falta dos nacionais, e até a subvenção de tratamentos em Espanha, Cuba, etc., mas a Ordem protesta sempre contra a usurpação de vagas, o perigo potencial das intervenções lá fora...Até a eventual utilização de médicos na reforma ou sem especialidade, em casos extremos, tem sido posta em causa, com base numa hipotética degradação dos Serviços!

Verdade seja dita que, de há alguns anos a esta parte, algum esforço tem sido feito no sentido de formar um número maior de médicos em Portugal, mas insuficiente, devido à difícil colmatagem de vagas deixadas pela reforma dos mais idosos e o número cada vez maior de atendimentos. O regresso de uns quantos médicos formados no exterior também poderá dar alguma ajuda.

A Ministra da Saúde, médica de profissão, teve a ideia peregrina de convidar os alunos matriculados no estrangeiro a ingressar nas universidades portuguesas, poupando provavelmente ao Estado e aos particulares a exportação de valores em época de crise, reduzindo as dificuldades e o esforço dos alunos que gostariam de regressar e até, possivelmente, a aceleração da finalização dos cursos, com vantagem para a saúde em geral.

Mas, no nosso Portugal dos Pequeninos, as coisas nunca são fáceis.

Ao aplauso dos alunos no estrangeiro, surgiram as reclamações violentas e corporativas. As Faculdades e os Hospitais disseram logo que não comportavam mais alunos. Os estudantes de Medicina acharam-se humilhados com a ultrapassagem provável pelos «estrangeiros» que tiveram dinheiro para cursar no exterior, depois de fracassar na média nacional exigida, e a Ordem reclamou igualmente contra essa «enorme injustiça social», etc.

Nenhum destes intervenientes veio a terreiro propor uma discussão honesta do assunto, apresentar razões ou propor soluções para os problemas que são de todos nós. Vieram imediatamente todos, muito à portuguesa, muito corporativamente, fazer as suas queixas e alarde dos seus problemas. Estão no seu direito.

O espantoso e anormal deste país, que já foi de grandes e esforçados homens, é que agora está à mercê de grandes valorizações de pequenos nadas, de pequenos interesses, onde o interesse geral pouco conta e o consenso apenas tem lugar sobre o pedido de aumento de ordenado ou de um subsídio. E, mesmo assim...

Pelo que, feitas as contas, muito possivelmente tudo ficará como dantes...quartel general em Abrantes!

É por essas e por outras, seja decidido avançar ou não com a ideia, que o comentário à notícia, pelos utentes da saúde, é já o mesmo de sempre:

-O Zé-Povinho que se lixe!

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

FUTEBOL E LIVRE ARBÍTRIO


Os árbitros que paguem a crise!

Hoje deu-me para escrever algumas considerações de meia tigela sobre árbitros de futebol. Não que considere a arbitragem uma profissão menor, embora até há bem poucos anos ela fosse considerada apenas como puro exercício amador.

Mas, com a arbitragem e com muitas outras profissões, o amadorismo continua subjacente, apesar da capa que inviamente lhe colocaram em cima, de um profissionalismo oportunista e bacoco.

Claro que os árbitros não têm toda a culpa disso. Eles ganham a vida como quaisquer outros, sentem-se meros aproveitadores de uma falsa situação e nada fazem para alterá-la, apesar das jantaradas de homenagem, das luvas recebidas, prometidas ou disfarçadas, do trabalho inglório dos fins de semana, dos apitos de ouro, de prata ou de lata e, sobretudo, das pedras ou das garrafas vazias que os «tifosi» lhes atiram, e dos comentários pífios e manhosos com que a imprensa os crucifica, sobretudo às segundas-feiras.

Mas os árbitros julgam-se, ainda assim, superiores a essas coisas. Sentem-se também protegidos pelas autoridades policiais e administrativas, sabem que os cartões que exibem resultam do seu livre arbítrio e têm quase tanta força como um tribunal porque, à brincadeira do futebol de antigamente, só falta agora uma prisão para ser levado a sério, não obstante alguns estádios, por vezes, na ocasião de certos jogos, se parecerem bastante a campos de concentração onde não faltam malhas de arame, valas protectoras, gases lacrimogéneos, cães polícia e guardas a cavalo no exterior...

Mas estão tramados e à defesa, neste momento!

O ex-árbitro Paulo Paraty e o árbitro Cosme Machado foram esta terça-feira insultados antes do início do debate "Profissionalização dos Árbitros em Portugal" que decorreu na Associação de Futebol de Braga. Cerca de três dezenas de adeptos do Sporting de Braga fizeram questão de marcar presença na sede da AF Braga, apesar do principal "alvo", o presidente da Comissão de Arbitragem (CA) da Liga de clubes, Vítor Pereira, ter cancelado a sua vinda ao debate pelo "momento conturbado do futebol".

Verdade seja dita que os árbitros há muitas dezenas de anos se têm vindo a pôr a jeito, mas se tornaram, apesar disso, os maiores mentores de uma crise do futebol nacional que não tem fim. Os adeptos ainda não se aperceberam dessa incongruência e não conseguem interiorizar que sem árbitros, como sem justiça, não há futebol nem mais nada, nesta terra de sábios convencidos e de pedintes inveterados. Se atirarem muitas pedras aos árbitros, matam o próprio futebol, ficando definitivamente numa tristeza pura! Querem que os árbitros sejam o bode expiatório das suas frustrações clubistas, e está tudo dito. É que não conhecem alternativa...

Mas também, por outro lado, pedir aos árbitros que sejam deuses é pior que a quadratura do círculo, seja ela a extensão dos teoremas de Euclides ou de Pitágoras, ou apenas aquela que passa na TV, para puro divertimento de quem assiste, por não ter mais nada que fazer. Demais sabem eles que errar é próprio dos homens. E, no entanto, há um ridículo profundo em toda esta questão das arbitragens.

Como sabemos todos, os árbitros, segundo os dirigentes do futebol, pouco fazem para diminuir a quantidade e a natureza dos seus erros. Igualmente os adeptos nada fazem para cultivar o civismo e o seu verdadeiro conhecimento das regras de jogo. Os jogadores ainda fazem menos para acabar com o aumento deliberado da matreirice que utilizam nos jogos, cada vez mais refinada e difícil de investigar em questão de segundos, em jogos cheios de picardias. Finalmente, os administradores do futebol não sabem o que devem fazer...e até parece que vão apoiar as novas tecnologias, como forma de passar as culpas aos aparelhos. Mas depois, quem os comanda ou interpreta? A verdade é que tudo isto é um filão inesgotável para a imprensa desportiva, cada vez mais importante, para os adeptos radicais e para os milhares de funcionários a quem o futebol paga ou dá visibilidade política, comercial, etc...

Por todos estes motivos, sem ter a visão alargada de Nostradamus, muito menos fazer de oráculo de Delfos, posso prever, com toda a simplicidade, que os problemas da arbitragem do futebol irão perdurar «per omnia saecula saeculorum», em Portugal, isto é, enquanto houver portugueses!

É que os tais magnos problemas não estão nos árbitros, nos dirigentes do futebol, nem nos jogadores, mas apenas nos portugueses! Falam, falam, mas não dizem nada... Pior, passam dias, meses, anos a discutir coisas estéreis, e nunca sobra tempo para realizar o que deve ser feito... Pior ainda, são especialistas a destruir o pouco que alguns tentam fazer... E, acima destas tristezas que nos afundam, sobra ainda uma onda de maledicência tradicional própria de um provincianismo invencível, bem adequado à nossa pequena e média intelectualidade, como já diziam os anarquistas, nos velhos tempos do PREC.

Também a imprensa rejubila com estas ridicularias. Faz delas objecto de problemas sérios para o país, como se não houvesse nada mais a fazer nesta terra de carências. Torna extremamente sérias muitas ocorrências absurdas e não consegue ridicularizar suficientemente algumas situações bem bizarras que ocorrem no mundo do futebol. Provavelmente porque é difícil, a quem vive da venda de jornais, lutar contra este tsunami que submerge tudo na sua passagem, a imprensa incluída.

Os casos empolgantes e caricatos que despoletaram esta completa «aberração» de ontem foram as arbitragens infelizes dos desafios do Braga com o Benfica e o Porto, perdidos pela equipa local, as quais deixaram uma certa franja da população bairrista e futeboleira da cidade dos arcebispos, em completa polvorosa. Também não escaparam ao ridículo as ligações sempre frágeis e espúrias das autoridades autárquicas com o clube representativo da Terra. Todos concorreram para aumentar essa fúria que conduziu o Presidente da Câmara de Braga a demitir-se já da promíscua Vice-Presidência da Assembleia-Geral da Federação Portuguesa de Futebol!

O motivo, a sua gota de água, foi uma simples frase do Presidente da Comissão de Arbitragem da Liga de Futebol, farto das recriminações dos que já se sentiam desapontados com o futebol segundo a qual, «quem já não gosta, não deve ir aos desafios»...

Aqui d´El Rei!

Volto ao debate que referi no início.

"Chulos, palhaços, ladrões!", ouviu-se dentro do auditório sempre que os nomes dos árbitros eram pronunciados. Também, fora do auditório, Paulo Paraty teve que interromper uma entrevista a um canal de televisão, dados os insultos de que era alvo.
"Estão a roubar o Braga! Gatunos, é o sistema!", ouviu-se, durante o debate promovido pelo "Correio do Minho" e a "Antena do Minho".

O tempo está de chuva e oxalá se mantenha assim por mais quinze dias, para encher finalmente as barragens hidroeléctricas e arrefecer os ânimos escaldantes dos furiosos da bola. Se assim acontecer, é o «dois em um»!

Mas talvez esteja a ser exagerado. As arbitragens continuarão a ser a válvula de escape das populações, ante as derrotas do futebol e as frustrações da vida, sobretudo agora, perante a crise financeira e económica que submerge o País.

Viva o Futebol!

Apeteceu-me, por momentos, parafrasear os anarquistas dos tempos do PREC:

«Os árbitros que paguem a crise existencialista de Portugal!»

Mas era demais!

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A EXCELÊNCIA DA CASA PIA


Os maus aproveitamentos jornalísticos

Terminaram, parece, as alegações finais do Processo Casa Pia. A população já está cansada de toda esta novela que dura há vários anos e com antecedentes de muitos mais. Espera apenas que a Justiça acabe com esta vergonha, esclareça de vez os factos e determine a culpabilidade ou inocência dos arguidos.

Entretanto, penso que toda a porcaria que a imprensa tem vindo a publicitar, desde há vários anos, envolvendo a Casa Pia, deveria ter sido mais contida, nas descrições repetidas vezes sem conta nas linhas gradas dos jornais nacionais que se entretiveram a alimentar uma avidez mórbida de notícias condenáveis em que a população portuguesa é altamente viciada. Não vale a pena discutir mais uma vez os factos e os relatos efectuados. A verdade é que a ética profissional dos jornalistas não sai deste enredo muito favorecida e o seu dever pedagógico para com as populações que a mantêm é pouco menos que nulo. Em contrapartida, o marketing, o aproveitamento dessa avidez mórbida das gentes para vender periódicos, é a pescadinha de rabo na boca com que certamente se defendem os publicistas. Difícil, segundo eles, tentar saber quem nasceu primeiro, o ovo, ou a galinha ou, usando o seu próprio sofisma agora tão na moda, é o Povo ou é a Imprensa que assim o querem? As justificações das aberrações são geralmente aberrantes.

Há poucas horas, passei ao lado da Casa Pia de Lisboa e foi com agrado que pude apreciar a movimentação calma, normal dos alunos que entravam e saíam do estabelecimento de ensino, nada fazendo lembrar o processo em curso e os eventuais crimes tão badalados onde é referenciado pessoal menor, alunos e até um médico e um provedor da instituição.

Certo é que, desde que a Casa Pia foi fundada, nos finais do século XVIII, a pedido da rainha D.Maria I, pelo Intendente Geral da Polícia Pina Manique, passaram por ali muitos milhares de jovens órfãos, sem meios económicos de subsistência, muito menos para cursar estudos normalmente, os quais se tornaram depois homens dignos, muitos deles ficando com o nome gravado a ouro nos mais diversos ramos da Ciência, do Ensino, da Administração Pública e até da Governação, em Portugal.

Estes factos muito raramente são lembrados. Pelo contrário, uma onda de descrédito, recriminação e propaganda pelas más razões tem tentado apagar da memória dos portugueses aquela que foi, durante mais de dois séculos, uma Instituição Modelar de referência, a nível nacional, na recuperação de muitos desprotegidos da sorte. A tal ponto essa onda de descrédito foi levada a cabo, inconscientemente ou não, que a maioria da população portuguesa de agora apenas conhece a Casa Pia das bombásticas e vergonhosas notícias que a imprensa divulga continuadamente, sem cuidado e sem vergonha.

Ainda não consegui perceber por que razão as coisas desagradáveis e sujeitas a recriminação têm que ser «obrigatoriamente» exaltadas, e são objecto de muito maior divulgação, nos media, que os acontecimentos verdadeiramente dignos de registo ou de encómio.

Provavelmente por que nasci e vivi numa era em que a ética tinha outro valor, factos dignos de nota ocupavam as páginas principais dos jornais, e todos os crimes, corrupção incluída, sempre mais rápida e eficazmente castigados, vinham sumariamente descritos nos rodapés ou nas páginas interiores dos jornais...

Alguém dirá já com despeito e orgulho que a época é outra, que vivemos em democracia e liberdade. Mas eu contestarei apenas que, por isso mesmo, a responsabilidade da imprensa deve ser muito maior que antigamente.

Infelizmente, não é isso que vejo.

domingo, 25 de janeiro de 2009

PÁSSAROS NA PORTELA


Passarões intranquilos

De tempos a tempos lá aparece um «maduro» qualquer a reclamar do excesso de pombos no Rossio e noutras praças de Lisboa. Já não falo do D. Pedro IV, coitado, há mais de um século a levar com os excrementos dos pássaros na cabeça e nos ombros, de tal forma que já nem se sabe a cor original. Também as ondinhas que a Câmara mandou colocar no pavimento da praça principal da cidade vêm mudando de aspecto e agora, em vez de sugerirem aos numerosos turistas que a visitam os mares que os portugueses abriram ao mundo, mostram a caca acumulada pelas avezinhas, lançando-lhes antes um alerta mudo, mas eficaz. Não é o primeiro que baloiça como um barquinho nessas ondas cremosas e acaba por afundar-se num trambolhão inesperado.

Também já fui vítima desta passarada protegida que inunda e torna imunda a nossa linda praça que os autarcas e os protectores da passarada acham assim mais pitoresca. Talvez tenham razão, mas provavelmente porque a atravessam sempre de carro e não passeiam por ela, a pé, como aconselham aos outros cidadãos...Se lhes acontecesse o mesmo que me aconteceu a mim, já tinham posto fim ao exagero.

Há alguns anos, reconstruído o Chiado e lavadas umas quantas fachadas, entusiasmado com a propaganda comercial feita à Baixa de Lisboa, verdadeiro centro comercial a seu aberto, lindo, higiénico, enorme, provido de todas as mercadorias possíveis, como não se encontravam nos hiper da moda, decidi dar um passeio ao Rossio e imediações a comprar um casaco de pele de camurça que andava a cobiçar há algum tempo. Entretanto, aproveitava para apreciar a paisagem de que andava afastado, devido às dificuldades de estacionamento, à chuva, ao vento, à poluição química e sonora cada vez maior... Nesse dia, fiz o sacrifício, como bom patriota, deixei o carro no caríssimo Parque dos Restauradores e lá fui a pé, pelo Rossio, a caminho da Rua da Prata e da Rua Augusta. O casaco que acabei por comprar, depois de muitas entradas e saídas em lojas atulhadas e sem graça, assentava-me como uma luva e, tão satisfeito como estava, pedi logo ao funcionário de serviço que preferia levá-lo vestido, embrulhando o velhinho que trazia na cuidada embalagem que se prontificava a fazer.

Ora, regressava eu, todo ufano, pela Rua do Ouro, quase a chegar ao malfadado Rossio, quando uma pomba, lá das suas alturas, resolveu aliviar-se, sem cerimónia mas com extraordinária pontaria, de tal maneira que o casaco de pele acabado de estrear ficou irremediavelmente manchado de alto a baixo. Sem concerto! E ainda bem que não tivera a ideia de me sentar a tomar um cafezinho acompanhado do turístico pastel de nata, no centro da Rua Augusta!

Ocorreu-me logo, depois de dizer interiormente dois ou três palavrões, mandar uma carta de reclamação à Autarquia e outra à Associação Protectora dos Animais, mas vi logo que ainda se iriam rir da minha pachorra. Decidi não lhes dar esse gozo, jurando, isso sim, não voltar a pôr os pés naquele reino de passarada protegida e de cidadãos abandonados à sua sorte, que é a Baixa.

Porque, se querem protegê-los, nas cidades e arredores, estudem ou inventem um método pedagógico para ensinar os passarinhos a circular por corredores próprios, como nós andamos pelas ruas e passeios. E envio-lhes daqui outra solução, talvez mais poética e de efeitos turísticos inegáveis, nesta época de crise: encher as fachadas de todas as praças e ruas da Capital de gaiolas com pombos, periquitos, canários, quem sabe até, rouxinóis, numa atracção fatal de fotógrafos, pintores e músicos estrangeiros deixando por cá os seus abundantes e tão necessários euros...E, dessa maneira, o D. Pedro IV voltaria à sua cor normal, o comércio da Baixa voltaria a sorrir e os lisboetas já poderiam usufruir tranquilamente da sua cidade.

O que digo de Lisboa, repito para o Porto, onde circular a certas horas pela Praça de Batalha ou pela Praça da Liberdade é uma perfeita aventura. Lá está de novo o D. Pedro IV, desta vez a cavalo, mostrando aos transeuntes o seu chapéu bicorne e as suas dragonas totalmente besuntados. Nem aqui se safa!

Mas o caso não é para graças.

«O Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves registou, num ano, 51 choques de aves com aviões no aeroporto de Lisboa. Os pilotos garantem que a maioria das situações não é reportada e alertam que a Portela está «completamente cercada» de pombais.

«A existência de aves pode provocar problemas como o que aconteceu recentemente em Nova Iorque», avisa o Comandante José Cruz dos Santos, responsável pelo Departamento de Segurança de Voo da Associação Portuguesa dos Pilotos de Linha Aérea (APPLA».

Ora a verdade é que não estaremos livres de que as pombinhas acertem alguma vez num dos motores dos numerosos aviões que levantam voo ou aterram no nosso maior aeroporto.

Os «Passarões» andam intranquilos e afirmam que, «para afugentar as aves da rota dos aviões, a ANA tem vários sistemas: canhões de gás que emitem explosões sonoras, sistemas de ultra-sons só audíveis pelos pássaros e alguns falcões que assim que são soltos afastam toda a passarada.»

Enfim, remédios suaves, à portuguesa, que livram de sezões depois de morto. Parece que nem este desastre recente serviu para alarmar suficientemente essa gente. Agora, com o nosso habitual desenrascanço, «os investigadores estão a conceber uma «tecnologia inovadora» que recorre a um laser de cor verde que a breve prazo deverá estar disponível», revelou Rui Oliveira, da ANA.»

Oxalá seja eficaz e venha a tempo, antes que todos nós fiquemos tristemente verdes com algum desvario de um pombinho azul. Entretanto, nas praças de Lisboa e nos inúmeros pombais de Loures, eles lá se vão multiplicando calmamente, desaguando nas estátuas e nos transeuntes, e assustando pilotos e passageiros das aeronaves. Por enquanto. Faço ardentes votos para que não seja necessário assistir de novo a um desastre perfeitamente evitável (como o da ponte de Entre-os-Rios), para resolver definitivamente um problema tão sério como desvalorizado.

Outras preocupações que ocupam a mente dos responsáveis desta área são de certeza muito menos importantes e poderão ser relegadas para plano menos imediato.

Quero lá saber, agora, do meu casaco de pele de camurça! Isto não é nenhuma brincadeira. A verdade é que começo a ter medo de andar de avião, nestes céus de Lisboa cheios de passarada. Estou a falar a sério!

sábado, 24 de janeiro de 2009

GUERRAS SEM FIM À VISTA


Uma solução radical

Há guerras que passam desapercebidas à grande maioria da população. Não mostram grandes quantidades de armamento, não se resolvem em grandes batalhas, não envolvem as diplomacias e os exércitos de países beligerantes, nem metem bombardeamentos às cidades, mas afectam, sorrateiramente os indivíduos honestos, as famílias, a própria sociedade em geral

Na época da lei seca, nos EUA, as guerras entre gangues tornaram-se frequentes nas grandes cidades, tendo ficado célebres pelos maus motivos, além de muitos outros, Al Capone e o seu bando, na Grande Chicago.

Desde esse tempo para cá, as guerras da Máfia acentuaram-se, não pelo contrabando de álcool, como nessa altura, mas pelo de tabaco e, ultimamente, pelo controlo da droga, ultrapassando em ardil e violência tudo o que era considerado tradicional, no mundo do crime, fazendo os bandidos de Chicago parecer meninos de coro, perante o número, a frequência, a brutalidade, utilizados.

Os artifícios a que recorrem os chefes destes grupos de malfeitores ficam muito acima do que é possível imaginar.

Não sei quem ganha, nestes atributos, na guerra do narcotráfico, se a Colômbia, se o México.

Num artigo bem elucidativo do jornal Público de hoje, fiquei a saber que, no ano passado, por exemplo, morreram 5.700 pessoas, vítimas da guerra do narcotráfico, entre grupos rivais, no México, 700 das quais na área da cidade mais violenta, Tijuana. O mais grave desta hecatombe criminosa é que os cabecilhas conseguem muitas vezes escapar, devido a imaginativas ocultações das provas dos seus crimes, para desespero das autoridades policiais e da justiça.

Na passada quinta-feira, por exemplo, a policia mexicana deitou a mão a um sujeito de 75 anos de idade que confessou à imprensa ter dissolvido em produtos químicos corrosivos os corpos de 300 elementos de gangues rivais assassinados.

Com grande desfaçatez declarou ainda que não sentia nada na consciência pela solução radical praticada ao longo de dez anos e que consistia em fazer desaparecer os corpos em bidões industriais com soda cáustica, uma tarefa que lhe rendia 600 dólares semanais, pagos pelo patrão do gangue, isto é, cerca de 400 contos mensais!

Por todas estas barbaridades que são cada vez mais frequentes, a população mexicana reclama já a aplicação da pena de morte, que se encontra suspensa, e o Congresso Mexicano parece inclinado a debater o caso, embora uma nova introdução da pena capital represente um grande retrocesso na legislação do país.

Não poderá prever-se o que acontecerá, a este respeito, neste simpático país onde são visíveis, nalgumas áreas, uma extrema pobreza de certas franjas da população e enormes desigualdades sociais, nem até que ponto a Igreja Católica e as Instituições Nacionais conseguirão ser travão bastante a esta onda de crime que alastra de forma assustadora.

A violência gera violência e combater o crime de morte com uma pena de morte não parece ser a melhor forma de castigo ou de erradicação do crime. Também a moral cristã proíbe tirar a vida a quem quer que seja.

Mas o desespero das gentes que são apanhadas neste mar revolto pode levar a soluções menos consensuais, ou até à aplicação individual da velha lei de Talião... A solução para este magno problema é de grande dificuldade e não sei como poderá resolver-se, a não ser, provavelmente, pela intervenção cada vez mais eficaz das autoridades policiais. Mas não poderão estas aumentar a sua eficácia sem a cooperação da própria população. E essa torna-se muito complicada, no clima de corrupção e de medo imposto pelos gangues.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

OUTROS TEMPOS


Novos ventos

Hoje recebi um e-mail muito interessante. Fez-me recordar certas particularidades doutros tempos, deixando no ar, apenas isso, uma eventual comparação com os novos ventos que condicionam e arrasam a nossa vida actual.

Claro que se torna impossível fazer essa comparação exaustiva, na realidade, tantas são as diferenças, para melhor e para pior. Mas, pensar naquilo em que ocupávamos o tempo, há sessenta ou setenta anos, traz-nos fatalmente à memória as dificuldades da vivência da população em geral, numa época ainda não muito longínqua.

O progresso trouxe enormes benefícios e conforto à Humanidade e, por isso, ninguém pretende, apesar dos contratempos de percurso inevitáveis, voltar ao antigamente. E no entanto, uma saudade imensa nos invade, cada vez que alguém ou algum acontecimento nos vêm recordar esses tempos que agora nos parecem de ingenuidade, beleza, solidariedade, felicidade plena...

O e-mail recebido lembrou-me a idade do jogo de berlinde, das cópias trazidas para casa, da caça aos pássaros com fisga, da ida a pé para o liceu, das aulas com as mãos cheias de frieiras, dos jogos com bola de trapo no recreio, mais tarde dos piqueniques no campo ao domingo, das brincadeiras inofensivas de estudante universitário que já ia para a faculdade de eléctrico, do primeiro emprego a ganhar dois mil e quinhentos escudos...

Tudo isto me parece agora, à distância, uma perfeita história que dava para um romance que, vendo bem, não o foi tanto.

Lembro-me muito bem, e não posso esquecer, das crianças descalças a caminho da escola em pleno Inverno, e das mães com a trouxa de roupa à cabeça durante quilómetros, para lavar no rio, com água gelada até ao joelho. Recordo os cavadores de enxada que trabalhavam numa jorna de sol a sol por vinte escudos e um litro de vinho carrascão, os trabalhadores de pá e picareta, atolados nas valas inundadas das cidades, os pescadores em barquitos a remos no mar alto, as ceifeiras curvadas um dia inteiro, sob um sol abrasador, os pastores na serra, ao sol à chuva e à neve, abrigados nos barrocos e mitigando a fome com um naco de pão duro com toucinho.

Quantos quadros, quantos romances não foram escritos, nos séculos XIX e XX, tendo estas «idílicas» imagens como pano de fundo, tentando mostrar a felicidade das personagens?

É caso para perguntar qual felicidade, já que alguns provérbios tentaram, no meio de tanta desgraça, distorcer a realidade, dizendo que a riqueza não traz a felicidade, o dinheiro não é tudo, vale mais ser pobre e feliz...

No Verão passado, fiz uma visita à multissecular Universidade de Salamanca que está transformada em museu, na sua parte mais antiga, e não pude deixar de impressionar-me com a incomodidade dos alunos de quinhentos, nos dias de neve frequente, em salas de aula de vetustas, grossas e graníticas paredes, sem aquecimento, sentados em simples e toscos bancos de castanho sem encosto, quase às escuras ou à luz de tochas, ouvindo perorar o mestre sentado num púlpito, sem direito a qualquer contestação. Naquela época, em Portugal, a Universidade de Coimbra funcionaria de maneira semelhante...

Seriam todos felizes, com esses escassos meios?

Continua a ser difícil saber. Nos tempos de hoje, com tantas comodidades e conforto, novos ventos varrem transversalmente a nossa Sociedade. Ao sair dos claustros da Universidade de Salamanca (como poderia ter sido dos de Coimbra), lembrei-me dos miúdos de dez anos que em Portugal fazem manifestações políticas, contestam os professores quando lhes apetece e fecham as escolas a cadeado, com a complacência dos pais e a indiferença dos professores...

Será que aqui reside a felicidade deles?

Também não sei. Mas, por momentos, enquanto escrevo, sinto-me feliz só de pensar que fiz parte de uma escola diferente, lutando com enormes dificuldades, mas funcionando na base de uma responsabilidade exaltada pelas necessidades diárias, e no respeito mútuo entre pais, alunos e professores.

E não consigo imaginar o que estes ventos de modernidade irão trazer, de bom e de mau, a esta Humanidade eternamente insatisfeita.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

SÁBIOS, TEIMOSOS E INSOCIÁVEIS


Mensageiros falhados

Há sábios que apregoam a sua sabedoria pelos quatro cantos do nosso pequeno país, mas nem mesmo assim conseguem passar uma insignificante mensagem que seja, aos governantes e às populações, de forma eficaz.

Ao contrário, limitam-se a dizer mal de toda a gente, em especial dos governantes, dos autarcas, dos partidos e dos políticos em geral, das instituições públicas e até dos fazedores de riqueza ou de todos aqueles que mostrem desejo real de fazer qualquer coisa, seja bem ou seja mal. Para eles, tudo vale o mesmo. Todos são rotulados de gente incapaz, ignorante, «burros chapados» que não conseguirão nunca levar o país a qualquer lado.

Num vídeo que corre na Internet, retirado de uma entrevista passada na TV, um desses sábios chega mesmo a dizer que, no nosso universo político, só conheceu em toda a vida três políticos sérios, considerando o resto uma «corja» de incompetentes, corruptos, oportunistas...Também compara os nossos políticos de hoje aos do século XIX, valendo-se das tiradas tão bem escritas como demagógicas do Ramalho ou do Eça. Zurzia meio mundo num século em que só o Fontes Pereira de Melo merecia salvar-se do naufrágio, apesar de ter imposto a construção dos caminhos-de-ferro, fiados aos ingleses, contra toda uma oposição que insistia nas carroças a pronto pagamento.

Claro que estas são considerações que este sábio e os outros fazem à distância de cento e cinquenta anos, são sempre fáceis. Já as comparações com os tempos de hoje são altamente tendenciosas, maledicentes e nunca isentas.

São opiniões. Cada um pode ter a sua, mas o peso delas nem sempre é o mesmo. A minha não valerá nada, mas a de um sábio como esses é importante, é passada nos meios de comunicação social, chega a metade da população, e até pode ter consequências.

O principal problema desses tais sábios é que se sentem mesmo sábios, nas suas diatribes e sentenças, coisa que nunca acontece com os grandes sábios, geralmente humildes, passando despercebidos da maioria, nada fazendo para aparecer nos areópagos, na comunicação social, nos «mentideros»...até que a sua obra, a sua sabedoria seja lentamente reconhecida e apreciada pela comunidade. Algumas vezes o reconhecimento da sua inteligência e da sua obra só acontece depois de darem a alma ao Criador...

Também curiosa é a forma de convivência destes Homens Sábios, com letra grande, com a sociedade que os rodeia. Podem ter que defender as suas teses, mas fazem-no inteligentemente, sem insultar ninguém, quantas vezes até perseguidos e insultados pelos ignorantes e os radicais de serviço.

Ora o contraste desses Génios com os nossos pequenos sábios não pode ser mais chocante. A estes não lhes basta expor as suas teses e defendê-las com argumentos e cordialidade, pois são totalmente dependentes de uma certa agressividade insultuosa e malcriada, sobretudo para quem os contraria ou não partilha das suas ideias. A sua sapiência não passa, na verdade, duma capa fina e quebradiça.

Tenho em mente especialmente três destes pequenos sábios cujos nomes não cito por educação, de que uma certa comunicação social se apoderou, ou eles dela, servindo-se desse meio para zurzir tudo e todos, muitas vezes com termos impróprios, como se fossem o supremo «dictator» da República.

Pergunto a mim próprio donde lhes terá vindo esse radicalismo, essa agressividade absurda e constante manifestada na sua maneira de estar e de tratar os outros que não concordam com eles, em especial os políticos dos principais partidos, e parece-me ter encontrado a resposta adequada.

É que todos três foram políticos, na Assembleia ou no Governo, sem deixar sequer vestígios de obra feita. Culpa de outros e não deles, dirão para quem os interrogar sobre isso...

Mas não deixaram de ser uma nódoa, porque a Política é uma Ciência Social e disso dão mostras de não perceber nada, apesar de escreverem, falarem, criticarem e insultarem muito.

São sábios teimosos e insociáveis, politicamente mensageiros falhados das suas ideias muito próprias, muito suas, muito postas nos píncaros...mas que não servem para nada, porque não sabem, não conseguem impô-las a ninguém, apesar dos poderosos meios que têm à sua disposição. Eles são retórica pura, nada mais, afinal.

Dizer sempre mal de todos, fazer o bota-abaixo permanente, arrasar tudo o que aparece pela frente, numa táctica de terra queimada, é certamente muito mais fácil que mostrar argumentos sérios, tentar construir algo e, apesar do derrotismo ser infelizmente uma característica comum a muitos portugueses, também acaba por cansar.

O conselho que humildemente lhes sugiro, se teimam na mesma, é que vão pregar a outra freguesia, porque não precisamos de sábios destes.

Precisamos, sim, de alguém que nos ilumine, nos indique soluções, nos consiga transmitir ânimo, neste momento de dificuldades a que ninguém sabe dar a volta.

Já basta a crise para nos deixar a todos de rastos.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

UM DIA DE TRABALHO PARA A NAÇÃO


Grátis e voluntário

Talvez o título e o subtítulo possam parecer estranhos, mas têm razão de ser. Não pela crise económica e financeira que nos atinge agora, mas por uma situação bem diversa.

Estava muito atarefado a limpar o sótão das tralhas ali acumuladas durante cerca de cinquenta anos, quando me chegou às mãos a cópia de um documento extraordinário que dizia assim:

Recibo

Recebi da firma----a importância de escudos-----, correspondente à prestação de um dia de trabalho normal prestado voluntariamente no dia 6 de Outubro de 1974 (domingo), como manifestação de total apoio e adesão à oportuna e patriótica exortação do Primeiro-Ministro Brigadeiro Vasco Gonçalves.

----------------, 7 de Outubro de 1974.

Assinatura---------------------

(Selo inutilizado conforme o preceituado no art.º 12º do decreto nº 44083 de 12 de Dezembro de 1961)

Claro que a juventude não imagina sequer o que isto quer dizer, agora que já vão passados perto de 35 anos do 25 de Abril de 74. Provavelmente a maioria nem tem ideia precisa do que foi o 25 de Abril. Sempre viveu neste regime, não conheceu outro, e muito poucos lhe disseram algo do anterior, ou da «revolução dos cravos».

Contudo, era bom que soubessem, ao menos, que uma revolução, mesmo sem mortes, nunca é uma passagem tranquila e linear de um sistema governativo a outro, sem uma alteração da própria vida em sociedade. As transições quase nunca são pacíficas. No caso português, apesar do pacifismo da população, a violência física e verbal atingiu níveis insuspeitos poucos meses antes. Durante dois anos, a perda das colónias, o abandalhamento das instituições, a falta de autoridade, a inflação acentuada que a população desconhecia e a que não estava habituada, na prática, há perto de quarenta anos, trouxeram alterações tremendas à vivência e à coabitação das gentes. Os militares e os políticos tiveram que lutar em condições muito difíceis para conseguir uma estabilização da situação, lançando mão de todos os meios possíveis. As divergências partidárias, acentuadas pelo radicalismo na aplicação dos respectivos modelos políticos, tornaram as situações muito mais complicadas de gerir. Por muito pouco não teve lugar, a certa altura, uma guerra civil.

Os governos sucederam-se com a instabilidade política permanente e num deles, o Primeiro Ministro Vasco Gonçalves teve a ideia peregrina de salvar o país da derrapagem financeira que se avizinhava, fazendo um apelo patriótico à população para que desse um dia de trabalho voluntário, inteiramente gratuito, como ajuda à economia periclitante. A quase totalidade dos sindicatos deu o seu apoio e, nas zonas urbanas, o pedido teve êxito.

O brigadeiro Vasco Gonçalves, um homem bom, ingénuo, seduzido e orientado pelo partido comunista, e sem nenhuma experiência governativa anterior, pouco tempo durou ao leme do País. Ficou célebre, ente outras coisas, pelo pedido de um dia de salário para a Nação e por um extraordinário discurso feito no Sabugo, apelando ao auxílio da população na luta contra os «reaccionários»...

Faleceu há cerca de dois anos, sem ter conseguido levar o país pelos seus amados caminhos de um socialismo anti democrático, ao estilo soviético cujo ensaio teve na mira implementar. Muitos portugueses sofreram na pele, nessa altura, o resultado do desvario que se apoderou de alguns ideólogos de momento.

Possivelmente são eles os únicos que têm esses acontecimentos mais frescos na memória, apesar da distância dos anos.

Mas era bom que os jovens fossem informados, nas escolas, do que foi o regime autoritário de 48 anos, do Estado Novo, a Revolução do 25 de Abril, os tempos de transição e a consolidação da Democracia que temos hoje.

Porque a Democracia não apareceu em Portugal por geração espontânea, como eles pensam.

GUERRAS OPERACIONAIS


A justiça lenta do furacão

Há vários anos foi levantada a suspeita de que diversas empresas burlavam o fisco em milhões, com estratagemas fraudulentos mais ou menos habilidosos. A Judiciária e o Ministério Público meteram-se na investigação e parecia que um poço sem fundo albergava muitas companhias importantes, muita gente da média alta burguesia e até uns quantos coniventes. O caso foi logo baptizado como Operação Furacão, talvez antecipando a rapidez da investigação e da culpabilização dos suspeitos. Até ver, nada mais aconteceu, a não ser que, à medida que o tempo ia passando, o que faltava para o arquivamento ia diminuindo.

O Ministério Público, passados alguns anos, ainda se atirou ao novo Código Penal que encurtava os tempos da investigação, a qual corria o risco de não ser conclusiva e dar em águas de bacalhau.

Talvez por isso, antes que desse, o procurador encarregado resolveu libertar-se de alguns casos e solicitar o seu arquivamento, porque os respectivos arguidos haviam pago, como forma de arrependimento, as suas fraudulentas dívidas ao fisco.

Desta forma, terminada a primeira guerra feita ao novo código penal, deu-se início à segunda guerra, esta com o juiz encarregado da instrução do processo. O senhor juiz não esteve pelos ajustes e mandou, pura e simplesmente o M. Público fazer a devida acusação dos tais arguidos.

Ora, valha a verdade, estas guerras operacionais dentro da própria justiça não são nada agradáveis nem benéficas para a instituição, deixando à opinião pública uma triste impressão da sua eficácia e da justeza das suas decisões. Podem até estas discussões profissionais serem perfeitamente justificadas dentro da corporação mas, ao público em geral, soam muito mal, e contribuem apenas para o descrédito de uma justiça que ele considera recta e infalível. Todos sabemos que não é, mas assim a consideramos sempre, até prova em contrário... E não gostamos nada, quando alguma vez ela própria faz prova disso.

Neste caso, os arguidos da Operação Furacão abotoaram-se com muitos milhões e, se alguns resolveram pagar, foi apenas porque foram investigados e com a contabilidade das empresas vasculhada, ameaçados pela justiça e crucificados na imprensa e na opinião pública. Isso não tira nada à sua acção despudorada durante anos, pois não deixaram de cometer um crime.

Pessoalmente, não me parece lógico o caminho do branqueamento, por arquivamento puro e simples, como propõe o M. P., baseado na sua própria interpretação da lei, porque ainda há pouco se queixava da falta de tempo legal para fazer as investigações e a acusação melhor fundamentada. O juiz do processo interpretou a lei de outra maneira.

A terceira guerra, como eu chamo a estas guerrilhas internas de desgaste, parece que também já foi aberta. O M. P. teria em carteira mais uns trinta processos a pedir idêntico arquivamento, para definitivamente se ver livre deles. Como o primeiro caso apresentado não foi deferido pelo juiz, o mais certo é que agora vá retaliar, não entregando os restantes. E assim ficará tudo como dantes!

Qual será o resultado disto, ao fim de vários anos de pasmaceira, mesmo que as Magistraturas sejam ocupadas pelos profissionais mais competentes?

Não sei, e também só à Justiça cabe responder.

Uma coisa é certa, a opinião pública já não consegue tirar da cabeça a ideia que lentamente lhe foi incrustada, de que a Operação Furacão irá acabar numa aragem benfazeja para a grande maioria dos suspeitos...e «o pagode que se lixe!»

Por vezes apetece-me bradar como Catão, no Senado Romano, na eminência da terceira Guerra Púnica: «Delenda est, Cartago!»

Mas fico apenas pela paródia, à portuguesa: ao menos, não sejam lentos, carago

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

FERNÃO DE MAGALHÃES

Para além das «malhas que o império tece»

Já me doíam as costas de estar sentado ao quentinho da lareira, a ler o livro das Viagens de Magalhães pela segunda vez. Mas por quê esta leitura dupla? Porque a vida de Magalhães é uma história apaixonante, mais ainda que as suas viagens em volta da Terra, umas feitas de Ocidente para Oriente, tendo estado em Goa, na defesa de Diu, na conquista de Malaca e chegado perto das célebres Ilhas Molucas, e a última, a chamada de circum-navegação, de Oriente para Ocidente, com fim nas Filipinas, onde foi morto numa emboscada de nativos. Mas, da leitura do livro, escrito por um jornalista «globetrotter», o que de melhor me ficou gravado foi o apagamento tentado da memória dos portugueses, do registo histórico de um homem extraordinário, da maneira de ser deste português de quinhentos, estudioso, persistente, atrevido, valente, defensor das suas ideias, lutador pelas suas convicções e certezas até à morte. Isso deveu-se ao seu quase afastamento compulsivo dos círculos do poder em Portugal, não obstante todo o empenhamento de uma vida ao serviço da pátria e do seu rei, o que o levou até Castela, para pôr em prática a sua ideia brilhante, alicerçada em conhecimentos e navegações extraordinariamente adquiridos ao serviço do Portugal que o punha de lado...

Parece que o poder instalado em Lisboa procurou depois, num desforço, apagar da memória dos portugueses o feito extraordinário levado a cabo por um «traidor», cujo brasão de família foi provavelmente destruído por um pedreiro contratado, a golpes de maceta e os passos da sua vida apagados o mais possível dos arquivos. Mas nem assim conseguiu. Também os espanhóis procuraram desvalorizar o feito maior de Magalhães, em favor do seu Sebastian del Cano, sem resultado. Valeu o diário de bordo escrito por um cronista italiano sobrevivente da gloriosa expedição.

O nome de Magalhães acabou por ficar gravado em letras de ouro no Mundo inteiro, registado nos compêndios escolares, nos livros, universidades e institutos científicos, nas paredes, nas ruas e nas estátuas erguidas por todo o Globo, até na primeira sonda que os americanos enviaram a Vénus. Mais nenhum português conseguiu merecer o reconhecimento mundial, como Magalhães.

Lembro aqui, a propósito, um caso extraordinário que testemunhei na cidadezinha de Ica, no Peru, em 1966. Tendo ficado apeado por umas horas, devido a uma avaria do carro, resolvi, com a família que me acompanhava, dar um passeio pelas ruas da cidade, na direcção da lagoa de águas sulfúreas de Huacachina, cratera de um vulcão extinto. Um garotinho de nove ou dez anos, índio, descalço, aproximou-se de nós e perguntou:

-Les hé escuchado bien. Ustedes son porugueses, no es cierto?

E, ante a nossa surpresa, acrescentou logo:

-Hernán de Magallanes era portugués...

Depois de conversar dois minutos com o miúdo e avaliar os seus bons conhecimentos de história peruana e ibérica, fiquei pensativo por alguns momentos, envergonhado com certo laxismo existente no ensino da História Pátria, no nosso país. Agora ainda é pior.

Magalhães é, provavelmente, o português mais universalmente conhecido, de todos os tempos. E, no entanto, bem à portuguesa também, foi com a ajuda e a intervenção do embaixador de um país sul-americano que uma placa comemorativa foi colocada na casa de Sabrosa, onde possivelmente nasceu. Uma pequena estátua numa Praça de Lisboa, foi oferta do Chile e é da autoria de um escultor chileno, uma réplica menor da que este país mandou erigir na Patagónia, em Punta Arenas, na Província de Magallanes, homenagem ao navegador português que descobriu esta Terra e o Estreito que tem o seu nome, num feito heróico sem par. Magalhães correu ainda a Costa Chilena de sul para norte, até cerca de Valparaiso. Daqui partiu, pela imensidão do Oceano Pacífico, por ele assim baptizado, para Guam e o Arquipélago das Filipinas, onde perderia a vida. Aqui tem igualmente uma estátua de homenagem...

Ganhei ânimo, deitei mais uma acha na fogueira e lá me aguentei, ao calor da lareira, até chegar ao fim da minha leitura. Valeu a pena, apesar de ser a segunda.

Aqui fica, nestas linhas, a minha pequeníssima homenagem a esta figura extraordinária de português, na verdade um génio da Humanidade, muito para além das «malhas que o império tece», como diria Pessoa...

Que tem sido feito, nas escolas e na própria sociedade, para torná-lo mais conhecido e estimado entre os seus próprios compatriotas?

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

BARACK OBAMA


Expectativas reais e resultados imprevisíveis

O comboio do presidente das grandes expectativas está a chegar à capital, por entre grandes manifestações de regozijo.

Aproxima-se o grande momento da tomada de posse do novo Presidente, um presidente diferente, tão esperado não só por milhões de americanos como talvez de biliões de habitantes de todos os continentes.

Nunca alguém foi aguardado com tanta alegria e foi depositário de tantas expectativas no mundo inteiro como Barack Obama. Provavelmente essas expectativas são bem fundadas, sobretudo depois das vicissitudes que o anterior presidente não conseguiu contornar e dos erros de perspectiva que cometeu, que levaram a América e boa parte do Mundo a guerras de necessidade discutível e a uma crise económica e financeira que talvez pudesse ser mitigada ou adiada, com um comportamento mais adequado da sua parte. Foi-se.

Agora, por essas razões e por muitas outras, o que se espera de Obama é quase o impossível. Embora revestido de uma roupagem de simplicidade, imediatismo, eficácia, tudo são coisas bem contraditórias com o tamanho e a complicação das dificuldades existentes e as que se antevêem.

Será interessante, mas nada agradável, verificar, daqui a alguns meses, qual o índice de popularidade do presidente, ante as medidas impopulares que for obrigado a tomar e os menores êxitos conseguidos quer na política interna e externa, porque as massas são exigentes, são muito rápidas a pedir resultados daquilo que vai durar anos a obter e muito mais tempo a consolidar.

O aumento de desemprego, a dificuldade de fazer os negócios habituais na América das empresas e das iniciativas, associados à compressão das economias a nível mundial, com a diminuição geral simultânea do poder de compra, fez já com que muitos milhos de iluminados vissem em Obama o Santo Milagreiro dos EUA e do Ocidente, um novo Messias Salvador. Debalde ele próprio já vem advertindo as gentes das enormes dificuldades e de que as resoluções são demoradas e exigem sacrifícios...Ninguém acredita, todo o mundo espera, desvalorizando e dando o milagre por assumido.

Mas os israelitas é que não ficaram à espera dos acontecimentos e, como sempre, anteciparam-se a eles. Já pensaram em Obama, na sua possível orientação de politica externa, e apressaram-se o cessar-fogo em Gaza, numa aparente atitude de boa vontade. Obama vai ter, no médio Oriente, logo de início, a sua primeira prova de fogo.

Mas muitas outras se seguirão.

As expectativas de todo o mundo são reais, mas os resultados serão quase imprevisíveis, no emaranhado de problemas que afligem a Humanidade.

Barack Obama já elegeu Lincoln como o seu modelo, um paradigma bem alto, que os americanos consideram no topo dos seus melhores presidentes, apesar de ter arrostado com uma tremenda guerra civil e problemas imensos, na jovem república. Também ele foi o presidente americano de maior estatura física, mas apenas quatro centímetros acima do actual eleito. Este não tem uma guerra civil entre fronteiras mas, sem qualquer exagero, tem o destino do mundo nas suas mãos.

E o mundo não poderá estar nas mãos de um homem qualquer.

Há que ter esperança.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

PÁSSAROS, PASSARINHOS E PASSARÕES


A Ecologia por um canudo

Há uns largos anos, Hitchcock produziu um filme genial, «Os Pássaros», que deu a volta ao mundo e fez recordes de bilheteira. Naquela altura, a Ecologia ainda não tinha despegado dos fundilhos e aqueles pássaros foram simplesmente classificados, pelos espectadores, de malvados, ladrões, bandidos, assassinos, não sei quantas coisas mais. Eles apareciam, sorrateiramente mas em força, e davam cabo de tudo aquilo de que não gostavam.

Claro que se tratava de uma ficção, provavelmente tendo por base o assalto descarado dos bandos de pardais às searas, o que fazia arrancar os cabelos aos agricultores, impotentes. Pensavam eles que os espantalhos eram suficientes para afugentá-los mas, com o tempo, os passarões fizeram caso omisso desse estratagema. Também alguns fulanos espertos tentaram arranjar venenos para dar cabo dos assaltantes, mas estes foram postos de lado, pelo perigo que traziam para as populações.

Esse tempo já lá vai. Se fosse hoje que isso se passasse, ai do sábio que tentasse inventar um produto destinado a liquidar os passarinhos, espécies protegidas por decreto, credoras de todo o nosso respeito e angariadoras de coimas valentes ao fisco, em prejuízo dos prevaricadores.

Nas nossas aldeias, os garotos andavam, tempos atrás, de fisga na mão a fazer a pontaria aos pardais, numa altura em que os protegidos eram a espécie humana e os diversos cereais. Agora são os pássaros. Foi proibida a caça aos pardais com fisga e os bichos desconfiados de outrora até já vêm comer à mão, nalguns parques de Lisboa. Ainda bem! Nas cidades, actualmente, pardais e pombos podem multiplicar-se até ao infinito, sujar fachadas e monumentos, que não lhes acontece nada.

Há que proteger os seres vivos. Eles fazem parte do equilíbrio ecológico e da biodiversidade do nosso Planeta, para regalo dos nossos olhos, e inspiração dos poetas, cada vez mais raros neste mundo, um mundo cada vez mais matemático, cada vez mais eivado de coisas positivas e negativas, cada vez mais a preto e branco...Por isso gosto das aves coloridas das zonas tropicais, das florestas do Amazonas ou do Bornéu, tão densas, mas cada vez menos, onde a mão do homem nunca deveria ter posto o pé, como diz a anedota, e muito bem.

A verdade é que todas estas ecologias que agora fazem escola e criam emprego são muito bonitas, assentam em bons princípios, mas muitas vezes resultam em práticas aberrantes. Falam de equilíbrio e utilizam práticas radicais. Pior, os seus mentores e propagandistas utilizam ferozmente, em seu proveito, as maldades que criticam a terceiros.

A protecção das lagartixas, dos leões, das cegonhas e por aí fora, são a coroa de glória, embora tardia, dos ecologistas do passado século XX. Se eles tivessem existido uns séculos antes, possivelmente ainda hoje teríamos que gramar a peste bubónica veiculada pelas pulgas e pelos ratos que inundavam as cidades. Mesmo no nosso tempo, não sei como não se lembraram ainda de proteger o mosquito Anopheles que inocula a malária e causa a morte a muitos milhões de seres humanos, anualmente. Contudo, permite-se que esse flagelo continue a matar impunemente pessoas, lá longe da nossa civilização, talvez para não utilizar algum insecticida de efeitos tóxicos na fauna e na flora circundantes. Coisas insondáveis da Ecologia.

De vez em quando, alguém se lembra da gripe das aves, e vá de encerrar as galinhas em telheiros herméticos ou matar todos os largos milhares de frangos dos aviários suspeitos (que poderiam matar a fome a muita gente), mas não há ecologista nenhum que defenda a exterminação das aves selvagens contaminadoras.

Também os aviões e os automóveis poluem a atmosfera, todo o mundo sabe que o caminho a seguir é a obtenção e exploração de energia não poluente, mas ainda não vi nenhum ecologista ir de bicicleta para o emprego, em Portugal. A verdade é que pedalar, custa a todos, que o país não é plano.

Agora que tanto se fala do novo aeroporto em Alcochete, que vai passar perto da rota das aves migratórias, protegidas com lâmpadas anti reflectoras e tudo, seria bom pensar no perigo dessa passarada para os aviões e os seus passageiros. Não sei quantas vezes num milhão, um passarão desses terá possibilidade de entrar pelo motor de um jacto adentro e mandar tudo para o lixo! Também pouco importa. O cálculo das probabilidades é isso mesmo, um cálculo que não diz a ninguém quando, muito menos a hora exacta do acontecimento.

Nos Estados Unidos pátria das tecnologias avançadas e das teorias ecologistas de exportação, a populosa e anacrónica cidade de Nova Iorque esteve ontem quase a ser vítima de um enorme desastre, por causa de um pássaro tresmalhado (não sei se protegido pela Quercus lá do sítio) ter entrado pelo motor de um jacto com mais de cento e cinquenta pessoas a bordo. Bonita protecção essa!

Não quero tirar toda a razão aos ecologistas. È bom que existam, que chamem a atenção para os graves problemas que o crescimento da população mundial, a exploração descabelada dos recursos da Terra, e a sua utilização exclusiva em conforto sem contrapartidas, trará à própria humanidade. Onde o bicho homem entra, toda a fauna e toda flora da Terra são destruídos, mais cedo ou mais tarde. O mal é que, por vezes, há que escolher entre o homem e outros seres vivos, agora mesmo e não daqui a cem anos.

É bom que ponhamos os olhos na grande diversidade de todos estes problemas, com realismo e sem fantasias. O tempo de S. Francisco de Assis já vai muito longe e a humanidade de um bilião de seres do seu tempo ultrapassa hoje os seis biliões...numa evolução inversa da população dos restantes seres vivos da nossa adorada Terra.

Felizmente, os passageiros do jacto americano foram salvos a tempo, utilizando igualmente helicópteros e barcos salva vidas com motores a gasolina, para desespero dos ecologistas radicais.

O genial Hitchcock, se ainda fosse vivo, fazia uma nova versão de «Os pássaros».