quarta-feira, 26 de novembro de 2008

ÁRVORES, ESTRELAS E FEIJOADAS

Os heróis do fado

Portugal é um país sedento de heróis e de vitórias, desde que os Filipes fizeram aqui o seu ensaio geral de unificação da Península Ibérica. Os portugueses nunca foram os mesmos, desde então. Até essa altura, o aumento contínuo do poder, dos territórios e de riqueza foram fazendo da gente que povoava este recanto ocidental um povo embalado em êxitos, orgulhoso dos seus feitos que nem as desgraças ocasionais e os naufrágios frequentes conseguiam obscurecer.

Tudo se transfigurou, porém, com a tristeza de Alcácer Quibir e, poucos anos depois, com a perda compartida da Invencível Armada.

Debalde a Restauração tentou levantar o ânimo da população, mas o mal que estava feito era grandioso demais para poder inverter-se, por artes de magia. Eram necessárias condições propícias, a juntar ao esforço sobre-humano requerido, mas as conjunturas internacionais não se mostraram favoráveis e os meios disponíveis foram sempre escassos. O desânimo foi minando as mentes, cada vez mais fundo, com ajuda do Terramoto, qual castigo de Deus amassado depois com as Invasões Francesas e definitivamente cimentado com o ultimato de 1890. Instalou-se na cabeça das gentes uma fatalidade irreversível e sair desse poço tornou-se quase uma impossibilidade.

Então, estes heróis do fado buscaram nas pequenas vitórias do dia-a-dia a sua consolação. Houve, depois do trágico e quixotesco assassinato do rei D. Carlos e da intervenção idealista (ou surrealista) na Grande Guerra, umas últimas réstias de esperança da parte da população rural, a principal guardiã da fé nacionalista.

E deste modo nasceram, durante os anos da ditadura, os Fenómenos do Entroncamento, bastos como cogumelos: as abóboras gigantes, os cabritos de cinco patas, as couves de vários metros, etc...

O 25 de Abril pareceu, a certa altura, acabar com estas especialidades dignas do livro dos recordes e restituir à população entusiasmada o orgulho perdido de ser português. Mas foi sol de pouca dura. Depois da alegria que trouxeram os subsídios da CE, voltou-se à exibição da banalidade, com a feijoada quilométrica da Ponte Vasco da Gama, a caldeirada, a sardinhada, a cataplana monumental do Algarve, o pão-de-ló para milhares, as Feiras Medievais e de Chocolate por tudo quanto é sítio, tornando o Guiness, aos olhos dos portugueses, um livro muito mais importante que o chato de Os Lusíadas!

Mas há mais. Na Quadra Natalícia, vá de instalar, de há três anos a esta parte, a Árvore de Natal mais alta da Europa, desta vez no cimo do Parque Eduardo VII, amplo e de maior facilidade de circulação que o Terreiro do Paço, o local escolhido no ano passado. Os diletantes poderão, à vontade, arregalar os olhos e dizer, de peito inchado, para os turistas espanhóis que saem dos hotéis próximos:

-Hermanos, vocês não têm em Espanha nada parecido com isto!

O Norte da Invicta, ciumento das glórias da Capital, resolveu concorrer este ano com um fenómeno de peso: a construção da Estrela de Natal, também a maior da Europa, na cidade da Maia, aproveitando as mais de novecentas janelas do «Charuto» para segurar as pontas da dita e as luzinhas LED, utilizadas por motivos económicos, mas que farão encher de orgulho todos os maiatos que se prezam.

Até aqui, apenas constatei factos. Acho que não devemos rir destas «novidades» portuguesas, porque o progresso tem destas coisas. No tempo das velas de estearina, por exemplo, não poderiam construir-se árvores ou estrelas assim, temos que concordar.

Com todo este progresso, como parece longínquo o tempo em que os Fenómenos do Entroncamento faziam furor!

E, contudo, não andamos muito longe...

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