terça-feira, 4 de novembro de 2008

PEIXEIRADA NA TV


Terminal no princípio

As lutas de circo têm sempre um lado cómico, para quem está de fora delas, principalmente porque existe na alma humana uma tendência inata para ridicularizar o mal, ou o que vai mal nos outros. Até na barafunda de agressões linguísticas, saltam sempre algumas frases anedóticas ou caricatas imprevistas.

Ontem, ocasionalmente, abri o televisor no momento em que decorria uma suposta mesa redonda, ou coisa que o valha, acerca do famigerado Terminal de Contentores de Alcântara. Eram quatro os intervenientes em presença: um senhor deputado da Nação, uma senhora autarca da Câmara de Lisboa, o presidente da Administração do Porto de Lisboa e a senhora moderadora, uma conhecida jornalista e comentarista.

Já não assisti ao início do programa, nem sei as normas pelas quais ele se estava a reger. Mas uma autêntica peixeirada estava no ar e assim se manteve até ao fim do tempo regulamentar.

Ainda tentei, por diversas vezes, concentrar-me e extrair os prós e os contras da discussão, mas não fui capaz.

É que havia, na confusão, um senhor educado, de fala macia e, segundo me apercebi, um técnico conhecedor do assunto, que procurava infrutiferamente entrar na conversa e apresentar as suas razões sem ser interrompido. Quase sempre sem sucesso.

E havia também uma senhora moderadora com a opinião dos políticos intervenientes.

Foi assim que, com esta ajuda, provavelmente nada inesperada, numa confusão de vozes incrível que por pouco não chegou a gritaria, os dois políticos mentores afamados desta nossa democracia, abafaram o tal senhor, de forma tirânica e nada democrática, numa mistura e atropelamento de frases, perguntas, respostas, conclusões, suposições, denúncias, insultos velados, rasteiras entrecruzadas, etc. a que ele praticamente assistia, fartando-se, ainda por cima, de pedir desculpa... que lhe permitissem dizer qualquer coisa, contestar, apresentar a sua versão dos factos. Perdeu por três a um, quase sem abrir a boca e baixinho.

Fazer um programa pior que este, será impossível à estação de TV, nos próximos tempos e por isso, a partir de certa altura, deixei de levar o programa a sério. Comecei a contar o número de vezes que o convencido e agressivo deputado, qual jovem romancista português do século XIX, conseguia tirar a metralhadora da iniciativa, das mãos da autarca, para disparar por sua vez sobre o alvo, com a complacência ou a ajuda da moderadora. Era cómico ver aumentar o brilho nos olhos do deputado, sobressaindo da sua barba recente e bem aparada, sempre que saia a terreiro, o reposicionamento à mesa da autarca, quando retomava a arma, e a expressão cínica da senhora moderadora, a cada rasteira que passava ou a cada intervenção que ocorria...

Também tive pena do senhor Presidente, mas muito mais da TV, pela peixeirada que me pôs à frente dos olhos, e sobretudo pena de mim próprio, que tivera a infeliz ideia de ligar o aparelho na hora em que se falava do Terminal de Contentores de Alcântara.

Findo o espectáculo, quase nada de interessante ficou gravado na minha memória, excepto o próprio espectáculo circense.

Infelizmente, também já me apercebi de que, afinal, o caso do Terminal ainda vai no princípio.

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