Terminal no princípio
As lutas de circo têm sempre um lado cómico, para quem está de fora delas, principalmente porque existe na alma humana uma tendência inata para ridicularizar o mal, ou o que vai mal nos outros. Até na barafunda de agressões linguísticas, saltam sempre algumas frases anedóticas ou caricatas imprevistas.
Ontem, ocasionalmente, abri o televisor no momento em que decorria uma suposta mesa redonda, ou coisa que o valha, acerca do famigerado Terminal de Contentores de Alcântara. Eram quatro os intervenientes em presença: um senhor deputado da Nação, uma senhora autarca da Câmara de Lisboa, o presidente da Administração do Porto de Lisboa e a senhora moderadora, uma conhecida jornalista e comentarista.
Já não assisti ao início do programa, nem sei as normas pelas quais ele se estava a reger. Mas uma autêntica peixeirada estava no ar e assim se manteve até ao fim do tempo regulamentar.
Ainda tentei, por diversas vezes, concentrar-me e extrair os prós e os contras da discussão, mas não fui capaz.
É que havia, na confusão, um senhor educado, de fala macia e, segundo me apercebi, um técnico conhecedor do assunto, que procurava infrutiferamente entrar na conversa e apresentar as suas razões sem ser interrompido. Quase sempre sem sucesso.
E havia também uma senhora moderadora com a opinião dos políticos intervenientes.
Foi assim que, com esta ajuda, provavelmente nada inesperada, numa confusão de vozes incrível que por pouco não chegou a gritaria, os dois políticos mentores afamados desta nossa democracia, abafaram o tal senhor, de forma tirânica e nada democrática, numa mistura e atropelamento de frases, perguntas, respostas, conclusões, suposições, denúncias, insultos velados, rasteiras entrecruzadas, etc. a que ele praticamente assistia, fartando-se, ainda por cima, de pedir desculpa... que lhe permitissem dizer qualquer coisa, contestar, apresentar a sua versão dos factos. Perdeu por três a um, quase sem abrir a boca e baixinho.
Fazer um programa pior que este, será impossível à estação de TV, nos próximos tempos e por isso, a partir de certa altura, deixei de levar o programa a sério. Comecei a contar o número de vezes que o convencido e agressivo deputado, qual jovem romancista português do século XIX, conseguia tirar a metralhadora da iniciativa, das mãos da autarca, para disparar por sua vez sobre o alvo, com a complacência ou a ajuda da moderadora. Era cómico ver aumentar o brilho nos olhos do deputado, sobressaindo da sua barba recente e bem aparada, sempre que saia a terreiro, o reposicionamento à mesa da autarca, quando retomava a arma, e a expressão cínica da senhora moderadora, a cada rasteira que passava ou a cada intervenção que ocorria...
Também tive pena do senhor Presidente, mas muito mais da TV, pela peixeirada que me pôs à frente dos olhos, e sobretudo pena de mim próprio, que tivera a infeliz ideia de ligar o aparelho na hora em que se falava do Terminal de Contentores de Alcântara.
Findo o espectáculo, quase nada de interessante ficou gravado na minha memória, excepto o próprio espectáculo circense.
Infelizmente, também já me apercebi de que, afinal, o caso do Terminal ainda vai no princípio.
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