quinta-feira, 6 de novembro de 2008

O BPN E A D.BRANCA

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Os negócios e a banca

Sempre tive a ideia de que os bancos eram pessoas de bem, impolutos, impecáveis na sua seriedade a toda a prova, conselheiros eméritos dos cidadãos, incapazes de errar no que quer que fosse, de tal modo que poderia ser-lhes entregue o dinheiro a guardar ou aplicar confiadamente e recebê-lo, quando necessário ou combinado, sem um reparo, quase sem haver necessidade de contá-lo!

Ser funcionário dum banco era para mim, quando adolescente, um sinónimo de atenção, de cuidado extremo no trabalho de verificação e reverificação das contas, isto é, o máximo da honestidade.

Enganos, fosse no que fosse, num banco, eram para mim coisas impensáveis. O director de um banco, o cúmulo da perfeição!

Não admira que houvesse, nessa altura, o desejo ardente de numerosos adolescentes, acabado o seu curso do liceu, de ingressar num banco, sinónimo de razoável ordenado, trabalho limpo e honesto, bem considerado pela população em geral.

Acontecia que, nessa época, poucas pessoas sabiam o que era um cheque bancário, e os próprios bancos só entregavam carteiras deles aos clientes mais considerados e com um nível económico elevado.

Neste aspecto, tudo foi mudando muito lentamente, em Portugal, mas a Guerra Colonial obrigou à agilização dos procedimentos bancários, e a chegada da democracia, com a maior abertura do país e da banca aos organismos mundiais da finança e à CE, aproximou-nos mais das conjunturas e procedimentos internacionais, com reflexos efeitos inesperados. A Banca, à medida que se integrou nessa onda de modernidade, beneficiou de tudo o que de bom e de mau foi posto à sua disposição.

E foi assim que, se houve bancos em Portugal que se mantiveram com uma referência, como nos tempos idos, outros nem tanto, passando alguns até por situações vergonhosas, como a Caixa Económica Faialense, o BIP, a Caixa Económica Açoreana, o Banque Franco-Portugaise, vítimas de má gestão, desvios nunca esclarecidos e até roubos, levando muitos portugueses, na sua grande maioria emigrantes, a ficarem sem as suas poupanças de uma vida inteira...

O trágico destas falências foi, não só a grandeza dos prejuízos em si, e o número de prejudicados, mas a impunidade dos maus gestores e dos maus funcionários envolvidos.

Por isso, porque em Portugal a Justiça poderá ser de alguma eficácia para o pequeno crime, mas não funciona quase sempre para o grande crime económico-financeiro, o que agora se está a passar no BPN é altamente preocupante.

Diz um conhecido perito e comentarista que «o que se passou no BPN é tão grave que, se se fizer justiça, há gente bem colocada que passará a ver o sol aos quadradinhos. Por bons anos. Dadas as ligações (políticas e outras) e o poder de algumas dessas figuras, os próximos tempos vão ser de intenso "lobbying"... para fugir às consequências. Convém estar atento.»

Atentando, pois, em quatro ou cinco pequenas coisas que me foi dado conhecer pela imprensa, descubro, na minha ignorância, alguns factos extraordinários.

Soube, por exemplo, que o BPN foi fundado há cerca de trinta anos, e gerido até hoje por altas personalidades da política, ministros saídos de um partido de governo, hoje na oposição.

Soube, por exemplo, que desde há cerca de um ano se bichanava por aí sobre fortes irregularidades e dificuldades do banco, chamado de negócios, onde offshores falaciosos desempenhariam largo papel.

Soube ainda que, apesar disso, a quase totalidade dos milhares dedepositantes, atraídos pelas boas condições de retorno dos dinheiros depositados, nem assim se assustou e manteve os seus depósitos, sendo que o banco e os depositantes comungavam numa perigosa fuga para a frente nas prováveis negociatas, qual processo de D. Branca de dimensões imensas. Quem não se lembra deste caso, paradigmático?

Soube ainda que o a Segurança Social ou a Caixa Geral de Depósitos haviam depositado ali largas quantias, tentado socorrer o impossível...ou tratando, como outros depositantes, tirar melhor partido dos investimentos megalómanos do BPN...

Soube agora que o Banco de Portugal parece não ter cumprido correctamente a sua acção fiscalizadora.

Soube também que um antigo ministro das Finanças, ex-colega dos gestores do BPN, veio, há uns meses, em seu socorro, com óptimas condições remuneratórias, provavelmente não sabendo a grandeza e a natureza do buraco que iria encontrar...

Soube que o último gestor, antes deste, pedira a demissão, na véspera, por motivos de saúde.

Parece-me que o partido político dos gestores, com altos militantes responsáveis no BPN tenta atirar toda a culpa do sucedido para o director do BP pertencendo ao partido do actual governo, como se fosse melhor culpar o polícia, que não actuou a tempo, do que o ladrão que se passeia por aí...

Parece-me que a opção do partido no governo de efectuar rapidamente a nacionalização, se prende com a defesa dos depositantes e dos trabalhadores...mas talvez também com a salvação de eventuais depósitos da CGD e da S. Social...

Parece-me que a fotografia do director do BP não sairá incólume deste processo, no mínimo pela falta de perspicácia e de eficácia revelada, quando todo o mundo já suspeitava...

Parece-me que a Procuradoria-Geral da República, correctamente investigando, já fez saber que, em casos destes, os prazos legais para as investigações são curtos...dada a sua complexidade, o número e o elevado nível social e político dos prováveis envolvidos...O mal bem pode estar aí.

Parece-me, contudo, que a Justiça, ou deixa de arrastar os pés, como é seu hábito, ou deixa os culpados a rir-se para ela, mais uma vez.

Parece-me, sobretudo que, como diz o povo, muita água ainda vai correr debaixo das pontes!

Mais notícias, pois, virei a saber pela imprensa. Mais pareceres poderei então vir a formar ou a alterar sobre esta grande embrulhada.

Enfim, a velhota D. Branca, criminosa mas sobretudo testa de ferro de outros compinchas que se safaram, já morreu, depois de alguns anos de prisão e, na altura, pensaram muitos que não deixaria imitadores.

Mas estavam enganados. Já deviam saber que, nestas andanças de negócios, há tentações irresistíveis. Ou não se chamasse o negociante malvado, desta vez, o Banco Português de Negócios.

Com toda a desfaçatez, enganou os espertos de ocasião e alguns incautos de boa fé...

A mim não, que sou um teso.

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