Comecei a ler o jornal e logo um título me chamou a atenção: a cultura da lamúria.
Gostei do artigo. Estava muito bem feito, escalpelizava detalhadamente o pendor crítico dos portugueses, sempre dirigido no mau sentido, aquilo que em gíria se chama o bota a baixo, sendo que os críticos ocupam a metade do tempo que lhes resta, na lamentação das ocorrências infelizes e na previsão do mal que virá a seguir.
Remédio, nenhum!
Claro que o articulista escrevia a propósito da crise económica, do orçamento apresentado e discutido na Assembleia da República, das fisgadas de comentaristas, políticos e oportunistas atiradas a torto e a direito, com razão ou sem ela, mas sempre com a total ausência do espírito de resolução dos problemas. Mas amplia também estas considerações para o geral dos temas, discutidos ou só apreciados, ou publicados. Pelo meio, a lamúria permanente de que tudo está mal, de que tudo é o pior do mundo, de que estamos sempre a bater no fundo...
Não era preciso ter lido este artigo para me aperceber que assim é, realmente. Já sei, desde a minha adolescência, que os portugueses são pequeninos, humildes, pobrezinhos, desgraçadinhos, coitadinhos. Mais tarde também tive que encaixar na mente, que eram mentirosos, venais, fracos de espírito, mauzinhos, tudo em ponto pequeno, ajustado à nossa dimensão. E agora, já de idade avançada, vejo que somos um país de críticos acérrimos, não de grandes críticos, mas de criticozinhos maldosos, de tudo e de todos, ao virar de cada esquina!
Não sei qual dos defeitos apontados no artigo é o maior, se a crítica feroz e sem espírito construtivo, se a humildade e a lamúria permanente e despropositada. É difícil escolher.
Lembro-me sempre da Bíblia, quando descreve as passagens infelizes do povo judeu reduzido à miséria mais incrível, com os profetas das desgraças atenazando as gentes, lembrando-lhes a cada instante a proximidade de futuros dias ainda piores, se não se portasse bem...
Os nossos profetas das desgraças também não nos largam da mão. São clarividentes. Acertam sempre! Há todos os dias cataclismos à espreita, acidentes, falências, roubos, assaltos e desvios, más sentenças e más decisões, maus resultados, no mínimo erros de perspectiva que até um analfabeto teria antecipado...
Na boca desses oráculos e mentores que pululam por aí, que tudo adivinham e sabem mas nada fazem, que não passam do zero, quando chamados a exame, Portugal, à semelhança dos judeus em cativeiro, é mesmo um país de falhados e de coitadinhos! Os judeus encontravam consolação na vinda do Messias, enquanto nós ainda suspiramos pelo regresso de D. Sebastião!
Volto ao princípio.
Gostei do tal artigo.
Estou em desacordo com os tais profetas das desgraças que provavelmente só concorrem para o afundamento do amor-próprio e da auto estima dos portugueses, coisas que eles, já por si, tão pouco prezam.
É que não faz falta bater mais no ceguinho, mas animar a malta, como cantava o Zeca Afonso, e sobretudo, lembrar a este nobre povo, nação valente, imortal, que é preciso levantar-se com orgulho, como pede o Hino Nacional da República, deixando-nos de ser os coitadinhos do costume.
Mas quem se lembra do Hino? Quantos ainda o sabem?
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