domingo, 2 de novembro de 2008

CORRUPÇÃO E CIVISMO


Limitação de mandatos

Todos sabemos que a corrupção é um polvo cujos tentáculos chegam a todas as profissões, a todas as instituições públicas ou privadas, até aos governos e à própria Justiça.

Todos os dias citamos essa desgraça, sempre pelas más razões como são as novas descobertas de acções de corrupção ou de quantias enormes envolvidas, as negociatas engendradas nas barbas dos cidadãos honestos e cumpridores, as autoridades subornadas enfim, as aldrabices dos mais variados tipos em que os espertalhões levam quase sempre a melhor em relação à própria Justiça.

De nada servem as notícias postas a circular nos meios de Comunicação Social, dando conta de mais casos, ou relatando em pormenor outros tantos. Ela cumpre o seu dever, mas o fenómeno parece ser imparável, alastrando pelo país fora como mancha de tinta em mata-borrão. As gentes já nem se preocupam muito a ler ou a discutir os casos relatados. Encolhem os ombros e limitam-se a comentar, impassíveis:

-Mais outros! Eles sabem-na toda! E nós que passemos a vida inteira a trabalhar, para estes malandros gozarem à grande, à nossa custa!

Mas há gente mais subtil, nos seus comentários:

-Fazem eles muito bem! Neste país de ladrões, quem rouba ladrão, tem cem anos de perdão!

Poderia continuar a citar comentários populares às notícias de corrupção e encher muitas páginas. Na base das respostas está quase sempre uma sensação de desânimo, ante a impossibilidade ou a incapacidade de inverter o processo, por parte dos poderes públicos, com os Políticos e a Justiça à cabeça. É como se o cidadão encarasse já a corrupção como uma dermatite ligeira e superficial na ponta dos dedos, a qual dá para coçar de vez em quando, mas não passa daí...

De que serve, assim, o tão celebrado e democrático direito à indignação?

A tradicional falta de reacção dos cidadãos mais desfavorecidos vai-se estendendo à chamada classe média e até aos poderes constituídos, estes com responsabilidades acrescidas no combate à epidemia.

Alguns comentários mais ácidos fazem acordar o Poder Político e aprovar mais uma lei a juntar ao grosso molho de leis anti corrupção que existe no País, quase sempre de efeitos duvidosos, por melhores que possam ser as intenções dos legisladores.

Em Portugal há leis a mais! Mas maior é a falta vontade para cumpri-las. E, assim, pior do que isso, qualquer lei que seja implementada sujeita-se, ela própria, a ser mais um motivo, uma fonte de corrupção! Não é exagerado supor-se que, se em Portugal existirem 50000 leis no activo, existirão 50000 portas abertas à sua corrupção. Não porque o português seja corrupto por natureza, mas porque a corruptela se tornou uma quase normalidade no tecido social do país, tal como a grande corrupção assentou arraiais entre os mais espertos ou poderosos. Por isso, já ninguém lhe dá a importância devida, ou então têm lugar discursos confusos, sobre o tema...

Por exemplo, «o autarca e antigo inspector da Polícia Judiciária (PJ) Moita Flores, presidente da Câmara de Santarém, considera que "um dos problemas que afectam as autarquias é a capacidade que temos de reagir à corrupção, ao tráfico de influências" mas, muitas vezes, as autarquias não têm capacidade para reagir à corrupção e tráfico de influências, facto que "desprestigia o poder local". O autarca propôs limitar o número de mandatos autárquicos para combater esta situação.»

Ora esta sensação de desânimo, de quase impossibilidade de levar a bom termo esta luta significa o calar das armas, a assinatura do armistício, a confissão da má condução da guerra, e a assumpção da derrota antecipada!

Acredita o emérito autarca que a limitação dos mandatos autárquicos pode ser uma medida vantajosa, na luta anti corrupção. Mas por quê? Porque a repetição dos mandatos pode fazer os autarcas corruptos ou aumentar as situações de corrupção? Acha que a multiplicação das ocasiões trará a proliferação dos ladrões?

Também concordo com a limitação dos mandatos, mas por mil e uma outras razões justificativas. Não por essa que indica, que classifica os autarcas, à partida, como um grupo de espertalhões venais à espera do tempo adequado para arranjar e afinar o seu compadrio ou cometer a sua fraude bem urdida...

Se às vezes isso acontece é porque, ao contrário do que pensa, o ladrão faz a ocasião. Infelizmente, parece que o fabrico de ocasiões, em Portugal, vai aumentando sempre, num crescendo de produtividade.

O remédio para a corrupção é um só, o investimento sério e continuado na educação cívica quase desde o berço, levando a um sentimento apurado de justiça, responsabilidade e auto estima dos portugueses ao longo da vida, por forma a alterar definitivamente a sua maneira actual de pensar e de estar na sociedade. É coisa para muitos, muitos anos!

A profusão de leis, a polícia e a justiça, por si sós, não chegam. Mas são armas que não podem ser dispensadas, que as autoridades político-administrativas devem utilizar no máximo das suas possibilidades.

Entretanto, se à partida não conseguirem reagir, ou se derem por vencidas neste combate, como o autarca de Santarém, estaremos todos perdidos, não iremos a lado nenhum.

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