sexta-feira, 14 de novembro de 2008

O MODELO SUAVE


À força de ovos e tomates

Em toda a minha vida me senti avaliado por toda a gente que me conheceu, em todo o tempo e em qualquer lugar, relativamente às minhas qualidades, defeitos, trabalho e deveres, ou simples gostos e aptidões artísticas, exigências religiosas, políticas, económicas, familiares, gastronómicas, etc. ...

Se percebia que estava a ser avaliado, quase sempre fazia os possíveis para ser mais considerado aos olhos do avaliador, sobretudo quando supunha que a avaliação teria sido menos positiva ou até negativa. Raramente me deu para encolher os ombros e voltar as costas aos problemas, mesmo quando sentia algum desconforto. Nunca me senti chumbado!

A avaliação a que fui sujeito começou mesmo antes do nascimento e só acabará muito depois do meu desaparecimento do reino dos vivos. É um caso de desequilíbrio gritante, relativamente à minha capacidade de avaliação, pois só a partir dos três ou quatro anos comecei a ter alguma consciência da minha capacidade de avaliar os outros e ela acabará com o fim dos meus dias, ou até antes, nunca se sabe!

Exerci, em toda a vida, o meu direito de avaliação, coisa que a liberdade não só permite, como incentiva a todo o cidadão que se preza.

Avaliar e ser avaliado fazem parte do ego, porque são qualidades inerentes à raça humana, tal como a necessidade de avaliar-se a si próprio, coisa que nem toda a gente, contudo, consegue fazer...

Gostar ou não da avaliação que fazem de nós, ou da avaliação que fazemos dos outros, é outra coisa bem diferente.

Com o passar dos anos, à medida que deixamos de ser avaliados de forma tão rigorosa pelos outros, provavelmente porque a velhice nos torna alvos menos apetecíveis pelos críticos, também essa mesma velhice nos torna mais lúcidos, mais compreensivos dos erros ou das extravagâncias dos mais novos, mais tolerantes e menos críticos dos outros em geral...

Por isso, compreendo muito bem a posição negativa dos senhores funcionários públicos, dos senhores professores, etc., relativamente à avaliação que o Ministério da Tutela lhes quer impôr. É que todo o mundo tolera a avaliação de que é alvo constantemente, na vida diária, mas não aquela que tem objectivos determinados, como esta, a apreciação do seu bom desempenho profissional através de parâmetros múltiplos que responsabilizam, que envolvem futuras progressões de carreira, que acabam por determinar classificações e desigualdades reais entre os avaliados, sobretudo num universo actual de igualdade mal disfarçada apenas pelas diuturnidades automáticas até ao fim da vida e pouco mais.

Uma avaliação com vista à separação do trigo do joio, apoiada à partida por toda a gente, de um modo geral, é difícil de aceitar no plano particular onde cada um, no seu pequeno mundo, deita o olho para o parceiro do lado e se julga sempre superior, quando muito, igual a ele.

É o que se passa com os senhores professores. Não querem, no fundo, a avaliação do seu profissionalismo por receio de uma má classificação ou de eventuais dificuldades na subida da carreira docente. Justificam a sua posição com aspectos burocráticos do problema, mas querem realmente ter a parte de leão na elaboração de todo o sistema de avaliação, de forma a fazê-lo a gosto, com plena segurança futura na progressão automática da carreira, numa inversão total da pirâmide educacional e administrativa.

Também os alunos do ensino público, ainda imberbes, têm aprendido muito com os exemplos de alguns pais e professores, protestam sobre as aulas de substituição e não querem a sua avaliação de faltas excessivas através de justificações e exames. Pudera, as justificações por vezes são complicadas e os exames dão trabalho, e não só...

As leis podem ser boas ou más, muitas vezes só a longo termo se pode vir a saber, mas são para cumprir, em qualquer parte. Ou não, em Portugal?

Efectivamente, já não sei para que servem as leis, no meu País, antigamente de gente analfabeta, cumpridora e educada, embora vivendo em ditadura, e hoje de cidadãos letradas, laxistas e malcriados, embora democraticamente livres...Não acredito que o mal esteja na Democracia, mas sinto que os portugueses ainda têm um largo caminho a percorrer para se enquadrar totalmente nela, como cidadãos exercendo os plenos direitos que ela lhes confere e os deveres a que os obriga...

Enfim, na minha avaliação destes problemas, penso que muito mais fácil teria sido deixar tudo como estava antes, já que o laxismo e os interesses particulares são sempre questões de ultrapassagem difícil e qualquer tentativa imposta com critérios demasiadamente rigorosos, profissionais, cívicos, morais, iria esbarrar neles, infalivelmente.

Não só neles. Por mais legal que fosse, uma avaliação deste tipo iria sempre esbarrar nos politiqueiros de serviço, nos ovos e nos tomates dos supermercados.

Veremos se a administração, contra ventos e marés, mas de acordo com a lei, ainda tem tomates para levar a avaliação até ao fim...

É que surgiu uma terceira via. Segundo manifestaram alguns oportunistas, a solução seria desde já fazer uma avaliação suave de alunos e professores, de modo a contentar todos, neste país de educação exemplar pelos maus motivos, e dar a todos os avaliados, automaticamente, a classificação de «Bom».

E por que não, «Muito Bom»?

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