O herói do Natal.
Era uma vez um presidente que só presidia a desgraças. O seu clube até ganhava, de vez em quando, mas o dinheiro das bilheteiras não dava para mandar cantar um cego e os tradicionais anunciantes estavam fartos de adiantar os pagamentos, a perder de vista.
Os jogadores, que hoje já não jogam só por amor à camisola, como toda a gente sabe, exigiam o pagamento dos seus salários que já levava um atraso de alguns meses e o presidente, nada! Os jornalistas assediavam-no com perguntas, os jogadores incentivavam os jornalistas a fazer-lhas, o sindicato ouvia as queixas, fazia blá-blá-blá e os salários continuavam por pagar. Resolveu racionar as visitas ao clube, para que não o chateassem.
Até que, fartos de esperar e com a família em casa a reclamar o pão de cada dia, os jogadores resolveram entrar
Na semana indicada, dos salários, nem vestígios e do presidente, muito menos!
Os desgraçados foram queixar-se de novo ao sindicato, este mandou uns recados à Liga de futebol, lembrou o que era hábito a Liga fazer nos campeonatos estrangeiros, e aconselhou a greve aos jogadores.
O presidente das desgraças voltou novamente a prometer o pagamento, na segunda-feira seguinte. Apelou aos jogadores para que desempenhassem o seu papel com profissionalismo e garra, no desafio de domingo, com um dos grandes da Terra e os jogadores assim fizeram. Mas, no dia seguinte, o pagamento falhou de novo.
O sindicato ameaçou outra vez com o fantasma da greve.
A Liga ameaçou também com uma possível despromoção do clube.
A tutela ameaçou também com a hipótese da falência pura e simples.
Os adeptos assustaram-se, entraram em polvorosa mas, pobretanas como eram todos, nenhum se decidiu a avançar com as massas necessárias, nem ao menos uma esmolinha! Atiraram-se então contra o presidente que tinha a obrigação de arranjar o dinheiro, fosse onde fosse. Que era um oportunista, um incompetente de todo o tamanho, coisa que toda a gente sabia...
O certo é que o homem tinha praticamente desaparecido da vista de todos esses energúmenos. Tinha dinheiro seu, por isso certamente o haviam elegido, para que entrasse com algum na tesouraria depauperada do clube, mas o que tinha era dele, ponto final! Por outro lado, a falência da Associação Desportiva não interessava a ninguém.
Para a Liga, isso era o descrédito total de uma direcção que se tinha proposto regularizar e moralizar o futebol, metendo na linha clubes, presidentes, jogadores, árbitros e claques, obrigando toda a malta a trabalho são e contas limpas, sob pena de serem afastados dos seus lugares. Descartou para a Federação alguma eventualidade de auxílio financeiro ao clube e assim, resolveu meter a viola no saco, esperar num silêncio cúmplice que a situação se resolvesse por si própria, sem a sua intervenção que, se entrasse a matar, seria fortemente impopular.
O presidente do clube, lá se empenhou a pedir aqui e ali, um empréstimo, mas ninguém queria emprestar nada, dada a aflitiva situação das finanças da agremiação, pelo que continuou a andar de porta em porta, de mão estendida, e a prometer aos jogadores o pagamento, na segunda-feira seguinte, depois de efectuado o jogo importante do fim de semana.
Os jogadores, coitados, lá se iam aguentando, jogando, ameaçando com greves e despedimentos, fazendo visitas ao sindicato, dando entrevistas à imprensa, pedindo fiado aos amigos e conhecidos.
Os outros clubes da divisão principal também estavam nas lonas, não tinham dinheiro para contratar, em última instância, os jogadores que renunciassem, mesmo com salários baratinhos.
A imprensa, que a princípio fazia parangonas com o caso e dizia cobras e lagartos do presidente malvado, acabara de entrar nos comunicados rotineiros, de duas ou três linhas, sem comentários, indicando apenas a data da próxima promessa de concretização dos reembolsos.
E foi assim que, após tanto reboliço, apenas algumas coisas bizarras restaram a toda essa gente.
Em primeiro lugar, esperar pela eventual solução que o presidente viesse a obter.
Em segundo lugar, aguardar o aparecimento da promessa seguinte.
Em terceiro lugar, aspirar pelo eventual cumprimento da promessa feita.
Em quarto lugar, rezar para que, cumprida a promessa, mesmo a meias, daqui a um ou dois meses, não volte a acontecer o mesmo repertório, o que é o mais certo.
Em quinto lugar, que o presidente se mantenha por mais uns bons tempos a presidir a todas estas desgraças, já que dificilmente os sócios do clube conseguirão outro, nos tempos mais próximos. Afinal o homem lá irá conseguir, com toda a certeza, as massas para ir pagando aos jogadores, mesmo ao retardador, até que se farte.
Foi insultado pelos adeptos, chamado incompetente, oportunista, e muitas outras coisas feias, mas vai ser, no final desta novela, tenho a plena certeza, um herói, pelos jogadores, o herói do Natal!
Ainda que fique algum remanescente dos salários para pagar no próximo ano...
Sorte maldita!
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