Pitosgas e pitorras
Ao ler o título de uma notícia acerca de uma manifestação de alunos do ensino básico e secundário, ainda pensei que se tratava de um acto cívico de desagravo à bandeira nacional, de uma saída a plantar árvores num fim-de-semana, da comemoração de alguma efeméride nacional, ou de uma homenagem a alguma celebridade, coisas que acontecem, embora muito esporadicamente.
Mas cedo verifiquei que as minhas expectativas tinham sido defraudadas. Tratava-se simplesmente de uma manifestação básica e secundária de protesto de miúdos contra a aplicação do novo regime de faltas e a instituição do Director da Escola.
Fiquei perplexo.
No tempo da «Outra Senhora» as manifestações, de protesto ou não, eram simplesmente proibidas, com excepção das aprovadas previamente pelas autoridades políticas, após o beneplácito da PIDE, ou então daquelas que a União Nacional encomendava, com tudo pago. Manifestações espontâneas, nunca, só as de pura propaganda do regime, e bem vigiadas!
A seguir ao 25 de Abril, com o fim da chamada «lei da rolha», «o reviralho» veio ao de cima e foi um tirar a barriga de misérias! As manifestações foram, em certa altura, o prato forte da rapaziada nacional deslumbrada, com sábios, videntes e ceguinhos a manifestarem-se e a contra manifestarem-se nas ruas, com razão ou sem ela, armados ou desarmados, com cartazes, apitos ou bolas de berlinde, de fardas, alpergatas ou trajes de luto, imberbes ou com barbas crescidas, a pé, de carroça, de bicicleta ou de cadeiras de rodas...já que de avião era muito difícil. Mas houve manifestações várias nos aeroportos e um pouco por toda a parte, não escapando até algumas respeitáveis casas de família!
A pouco e pouco, as coisas entraram nos eixos, quer dizer, numa normalidade democrática ambicionada pela grande maioria da população sedenta de acalmia e de uma melhoria de condições de vida. As manifestações passaram a ter uma razão válida, a ser um exercício livre e consciente de cidadania, sem as imposições de carneirada em rebanho do antigamente, nem a balda dos tempos de euforia.
Parecia, de há uns tempos para cá, que o civismo democrático se tinha apoderado das gentes, dando os seus frutos. No entanto, a educação escolar nunca chegou a recuperar totalmente, muito por culpa dos governos, dos professores e especialmente dos pais dos educandos. Creio firmemente que os governos têm culpas acrescidas, principalmente no que se refere ao ensino, os professores, no que toca ao ensino e à educação dos alunos, e os pais sobretudo no que respeita à educação dos filhos esta responsável básica de toda a estrutura social do País. A ineficácia das políticas educativas acrescidas dos maus exemplos de professores e pais, conduzem a aberrações destas.
Será que os alunos do Ensino Básico, por exemplo, que agora vão manifestar-se, possuem os conhecimentos necessários e uma elevada consciência cívica, para desfilarem, rua fora, de camisas pretas empunhando cartazes e gritando palavras de ordem, até ao Ministério da Educação, exigindo a eliminação desses decretos?
Claro que não. Contudo, por quê esta minha surpresa quando, por vezes eles fecham escolas primárias a cadeado e montam guarda aos portões? É assim que se iniciam as lições de civismo barato, efectivamente, com o incentivo dos pais. Mais tarde serão complementadas com exemplos também dispensáveis de professores.
Fui ver o que diziam os decretos malvados e percebi imediatamente que tentavam pôr um ponto de ordem no elevado número de faltas e na dificuldade de aplicação rápida da disciplina, dentro das escolas, algo vagarosa na actuação dos actuais conselhos directivos. Serão cem por cento válidos? Terão pontos discutíveis? Isso caberá aos adultos entendidos na matéria discutir no lugar certo e não a alguns pitosgas, mesmo que venham para a rua defender a balda irresponsável em que gostam de navegar...E além de pitosgas, pitorras.
Sou adulto e ainda vejo razoavelmente, mas às vezes ponho-me a pensar se não estarei errado nas minhas apreciações ao que os meus olhos vêem, porque se apregoa por aí, a torto e a direito, que as crianças são cada vez mais precoces...
É que já dizem as novas investigações pediátricas que elas conhecem a voz dos pais, ainda no ventre materno.
Quem me diz a mim que os pontapés na barriga que as mães sentem, por vezes, não são já manifestações de protesto?
Devo estar antiquado!
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