sexta-feira, 21 de novembro de 2008

INOVAÇÃO E DESENRASCANÇO


Desde a fundação ao BPN

Veio ontem o Presidente da República recomendar às empresas uma aposta forte na inovação, quando o que mais há por aí é inovação! Fiquei perplexo.

Pois não sabe o Senhor Presidente, apesar de entrado na idade, que os portugueses são peritos em inovação, a todos os níveis, em todas as circunstâncias? Que fizeram o D. Afonso Henriques, o Infante, o Vasco da Gama, o Camões, o D. João VI, o Manuel de Arriaga... e o vigarista Alves dos Reis?

Como passar por alto a inovação tradicional portuguesa, o grande poder de desenrascanço que demonstraram os portugueses ao longo de séculos, desde a nascença, qual característica genética de que mais nenhum povo pode orgulhar-se? Como esquecer que um país pequeno, falto de recursos, rodeado de nações poderosas, se manteve independente, durante mais de oito séculos, senão à custa de inovação, do tal desenrascanço?

Desde a agricultura de subsistência, verdadeira arte de desenrascanço puro, continuando pela gastronomia espectacular onde as invenções e as habilidades culinárias fazem crescer a água na boca aos turistas que nos visitam, até ao comércio das coisas mais bizarras aos preços mais incríveis, coisa a que apenas os chineses conseguem responder, e às indústrias mais artesanais que possamos imaginar, baseadas na mão-de-obra barata ou no trabalho infantil, tudo é inovação permanente e duradoura, em Portugal. Eu penso que existe uma explicação simples para esta aparente incongruência, esta divergência relativamente aos outros países europeus onde este tipo de inovações já passou à História: a nossa falta de cultura.

É ela que nos torna obrigatória e sistematicamente desenrascados, onde os outros são clarividentes, estudiosos e planeadores ante as dificuldades do dia-a-dia. O português não tem cultura suficiente para aperceber a clarividência das situações e a planificação antecipada dos remédios necessários. Daí nasceu o planeamento na hora...a planificação no joelho!

Em nenhum país do mundo esta articulação óssea teve tanta importância como em Portugal. A cabeça também vale qualquer coisa, de vez em quando, mas pouco, nesta Terra em que tudo é feito sobre o joelho, uma inovação tipicamente portuguesa.

O resultado é que em Portugal nunca houve filósofos, nem cientistas, nem artistas, nem inventores de renome, e as raríssimas excepções só confirmam esta regra, porque as cabeças, eventualmente aptas para ganhar esses atributos, foram subvertidas pelo trabalho no joelho!

O joelho dá para tudo, nesta nação paradisíaca, segundo Camões, porque não foi pensada ou planeada a sério. Se o tivesse sido, Portugal não existiria! Este paraíso deve ter sido obra de momentos, de repentes, não de um largo pensamento ou de uma planificação extrema. Em Portugal existe a ideia de que coisas demasiado pensadas e planeadas podem ser muito eficazes, muito rentáveis à distância, mas não são belas nem eficazes a curto prazo. Que teria acontecido a D. Afonso Henriques se ficasse calmamente a pensar, a planear como bater na mãe? Que teria acontecido aos Lusíadas se Camões não tivesse salvo, a nado, num gesto de desenrascanço inaudito, a sua obra inovadora? Se os republicanos, no 5 de Outubro de 1910, ficassem a pensar e a planear até à exaustão como fazer a revolução, ainda hoje estávamos em monarquia...que me perdoe o Almirante Reis que até se suicidou de incredulidade, coitado!

Por isso Portugal é mesmo um paraíso, sem nada de eficaz nem de rentável, notável inovação lusa. Aqui, todas as empreitadas são uma desgraça em termos de eficácia. Todas as empresas vegetam à beira da falência. Todos os empregados se esforçam por fazer o menos possível. Todos os patrões descansam no gozo máximo dos seus rendimentos, por mais magros que sejam. Remédios, todo o mundo tem, mas ninguém usa.Tudo isto existe, etc., e ainda o Senhor Presidente quer mais inovação que esta, nas empresas? É pedir demasiado!

Tenhamos ainda em consideração que a maior invenção portuguesa dos últimos tempos, depois da espantosa trapaça de Alves dos Reis, que ficou célebre no mundo inteiro, deve ter sido a subsídio dependência criada após a nossa entrada na CE! A não ser que as inovações levadas a cabo nestes anos recentes, pelo BPN, tenham ganho já o primeiro prémio da inovação, desde a implantação da República até agora.

O senhor Presidente da República dedicou boa parte da sua vida aos números. Talvez por isso os seus discursos actuais são uma série de lugares comuns, nada inovadores, para agradar a gregos e a troianos.

Mas ficam-lhe bem esses sentimentos. Ele é o Presidente de todos os portugueses e as intenções são boas.

Nessas condições, eu faria o mesmo. Nunca inventei nada, a não ser este artigo. Aposto que até já tenha dito coisas mais acertadas, mas o mal é que ninguém me ouve, como ao Presidente...Porém, mesmo sem qualquer espírito revanchista e para terminar, a minha sensação é que ao Presidente muitos ouvem mas, lá no fundo, poucos fazem caso, porque confiam mais no seu próprio poder de desenrascanço. É típico!

Também os directores do BPN inovaram demasiado, à portuguesa, isto é, confiaram demasiado na sua própria capacidade de desenrascanço, foram longe de mais e deitaram tudo a perder, tal como o Alves dos Reis, na sua célebre fraude de milhões ao próprio Banco de Portugal! E só serão mais inovadores que este senhor, se conseguirem livrar-se da cadeia.

Enfim, tristezas de um País de espertos que fariam D. Afonso Henriques corar de vergonha e arrepiar caminho, se fosse vivo!

Até eu, às vezes, sinto vergonha de viver neste País de trapaça inovadora...

Moral da história: nesta confusão deliberada entre inovação e desenrascanço, cada leitor que se desenrasque do texto e tire as conclusões que quiser, inovando o menos possível.

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