«A Igreja do Santo Sepulcro, um dos locais mais venerados da cristandade, foi ontem palco de pugilato entre monges ortodoxos gregos e padres arménios. A polícia israelita acabou por intervir e deteve um padre arménio e um monge ortodoxo grego.»
Não vale a pena entrar em pormenores sobre o insólito caso, mas interessa fazer sobre ele algumas considerações óbvias.
Desde a construção do primeiro templo, sobre o local onde Cristo teria sido crucificado e sepultado, ordenada por Santa Helena, mãe do imperador Constantino, nos meados do século IV, várias destruições, reconstruções e restaurações tiveram lugar, até aos últimos restauros, ocorridos entre 1863 e 1869. Por ali passaram, entretanto, guerras, invasões, cruzadas, latrocínios e destruições sem conta, só se restabelecendo uma relativa ordem, acalmia e tolerância entre as várias religiões, com a intervenção do Império Otomano, por muito incrível que possa parecer.
Só estes factos, sem entrar em mais pormenores, pressupõem uma carga emocional e material elevadíssima, não só aos cristãos em geral, mas aos próprios gestores do lugar santo. Os três principais gestores são a Igreja Católica Romana, a Igreja Ortodoxa Grega e a Igreja Ortodoxa Arménia, mas «o controlo deste antigo templo, situado na Cidade Velha de Jerusalém, é dividido entre seis Igrejas Cristãs o que, em si mesmo, é já razão para tensões e alguns desentendimentos.»
As regras de coabitação entre as várias Igrejas foram estabelecidas pelos turcos otomanos em 1852, segundo um «Status quo dos Lugares Santos», confirmado em 1878 pelo tratado de Berlim. Ainda assim, o próprio templo tem sido bastante prejudicado pela ausência de consenso entre as partes. «Por exemplo: apesar do perigo, uma saída de incêndio continua sem ser construída, porque não há consenso e uma escada de madeira, que foi colocada sobre a entrada do templo no século XIX, continua no mesmo local porque não há acordo sobre quem tem autoridade para a retirar.»
No meio de tantos problemas e, sobretudo, devido à sensibilidade e à intolerância religiosa existente entre os diversos irmãos em Cristo, cenas pouco recomendáveis teriam que acontecer. Desta vez, a discussão violenta ocorreu entre cristãos arménios e gregos, mesmo no meio de uma procissão local, impedida de atravessar o templo pelos opositores. Com o Santo Sepulcro em pano de fundo, alguns monges e padres das duas facções foram-se agredindo violentamente, fazendo feridos e derrubando até um estandarte rival...
O caso só terminou com a intervenção salvadora da polícia israelita, donde se conclui que nem as polícias são tão violentas como se diz, às vezes, nem as religiões tão pacíficas como apregoam ao mundo, mesmo em nome de Cristo, ali crucificado e sepultado!
No final, já com os ânimos acalmados, embora provavelmente não convencidos, todos proclamaram à imprensa que o lugar Santo não era o lugar adequado a cenas de pancadaria. E, no entanto, será difícil saber se, no seu íntimo, monges gregos e padres arménios terão pedido desculpa aos seus semelhantes, ou aceitado deles o perdão eventualmente solicitado, como as suas igrejas costumam recomendar aos fiéis, em circunstâncias idênticas.
O triste e simultaneamente caricato destas questões é que estas igrejas cristãs se julgam, inflexivelmente detentoras da verdade absoluta, mesmo nas coisas mais insignificantes, motivo pelo qual são muitas vezes os gentios ou as forças policiais a delimitar as respectivas fronteiras ou zonas de influência e apaziguar estes «pacíficos» beligerantes.
Assim aconteceu com os turcos, em 1852 e agora com a polícia israelita!
Donde se conclui que o radicalismo e a intolerância, causadores de tantos males à Humanidade, deveriam ser evitados a todo o custo, não só na vida civil, como na religiosa. Já Cristo pregava o mesmo há dois mil anos e infelizmente nem sempre foi ouvido, como a História relata. Pelos vistos, ainda hoje vários dos seus discípulos não conseguem interiorizar esses ensinamentos, nem para consumo próprio e na Basílica do Santo Sepulcro!
Todos os rebanhos têm as suas ovelhas ranhosas...
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