domingo, 16 de novembro de 2008

ACUSAÇÕES, EXIGÊNCIAS, PROTESTOS

ACUSAÇÕES, EXIGÊNCIAS, PROTESTOS

O país de brandos costumes

É interessante folhear desapaixonadamente as páginas da nossa imprensa e atentar na terminologia política ali expressa. Possivelmente poderiam ser outras as palavras vertidas nos títulos, mas a contundência dos artigos não seria a mesma. Pelo menos até que os leitores viessem a fartar-se delas. Provavelmente é o que já está a acontecer neste momento.

Manuela acusa o Governo. O Governo acusa o PSD. O CDS acusa Sócrates. Vitalino Canas acusa Paulo Portas. Jerónimo de Sousa acusa o PS. O BE acusa o Ministério das Finanças. Os Sindicatos acusam o Ministro do Trabalho. Sócrates acusa a CGTP...

Todos se acusam uns aos outros, sem excepção. Agora até Manuela Ferreira Leite acusa a Imprensa.

Também nas notícias da sociedade civil em geral o mesmo acontece. Os dirigentes desportivos acusam os árbitros. Os alunos acusam os professores e os governantes. Os professores acusam os governantes e os pais. Os pais acusam os professores, a polícia, as finanças, quem lhes aparece pela frente. E, no fim da linha, os juízes acusam o poder político e os cidadãos até já acusam a Justiça!...

É um mar de acusações, aquele com que a imprensa diária nos brinda constantemente. Não há afirmações, intenções, averiguações, denúncias até, mas simplesmente acusações!

Não só. Também nos enche os olhos de exigências!

Não há pedidos, não há sugestões, não há ideias, não há conversas, não há ofertas, não há entendimento, conciliação, cedência, harmonia, mas apenas exigências, depois das acusações.

Os professores exigem o fim das avaliações. O Governo exige o cumprimento das leis. Os militares exigem os subsídios. O Ministério das Finanças exige o corte nas despesas. Os bombeiros exigem mais viaturas. A ministra exige melhor cumprimento. O INEM exige mais meios e mais autonomia. A Direcção e a população exigem mais rapidez dos serviços. Os doentes exigem melhor Serviço de Saúde. As Farmácias e a Indústria Farmacêutica exigem os pagamentos da Tutela, em atraso. As Finanças exigem o pagamento das dívidas ao fisco. E por aí fora, numa linguagem parecida com a que utilizam os assaltantes das bombas de gasolina, quando exigem a massa ao funcionário intimado...

É sempre um mar de acusações e de exigências, qualquer que seja a página que estejamos a folhear. Poderia haver discurso directo ou indirecto, palavras alternativas, mas há simplesmente acusações e exigências!

A terceira «palavrota» agora em voga na imprensa é o protesto.

Os deficientes protestam contra a escassez do subsídio. Os trabalhadores protestam contra os baixos salários. Os presos protestam contra as condições da prisão. Os sindicatos protestam contra o novo Código de Trabalho. Os juízes protestam contra a redução das férias judiciais, e assim por diante. A vantagem ou desvantagem, neste caso dos protestos é que os governos nunca protestam, só acusam ou exigem.

A imprensa portuguesa é um mar de acusações, exigências e protestos de todos contra tudo o que mexe.

Mas, neste país que todos clamam de brandos costumes, quem não acusa, nem exige, nem protesta, é um palerma! Se não, vejamos os adágios populares:

Quem não se sente, não é filho de boa gente.

Quem não fala, consente.

E portanto, quem não acusa, não exige, não protesta é um palerma!

Assim se explica por que razão a linguagem da nossa imprensa é tão agressiva, tentando, talvez, fazer dos portugueses, aos olhos dos estrangeiros, um bando de corruptos, de criminosos, de revolucionários, de inconformistas. E afinal, depois de residirem por cá durante algum tempo, eles descobrem a outra face oculta do país, a tal dos brandos costumes que os jornais não mostram, aquela em que Portugal é antes um bando de laxistas, em que a permissividade às leis ou a fuga ao seu cumprimento estão instituídos como lei suprema, indiscutível. Descobrem ainda que a maioria dos portugueses, afinal, não acusa directamente ninguém, mas suspeita de toda a gente, da própria sombra, se for necessário, descrê da política, da imprensa e da própria Justiça. Por último, verificam que as exigências não passam, na maior parte das vezes, de meras intenções e os protestos não passam da boca para fora.

São essas características negativas, tão ausentes das suas terras de origem, que fazem as delícias dos turistas que nos visitam ou por cá residem. Interiorizaram há muito que os portugueses barafustam muito, mas não fazem mal a ninguém. São até, para os mais arrogantes deles, uns pobres diabos simpáticos, numa terra de bom clima, bonitas paisagens e vida barata.

A sorte de muitos desses turistas é não saberem, nem fazerem por saber, uma linha de português. Se conseguissem ler os jornais, cheios de crimes, acusações, exigências, protestos, condenações, fugiriam logo aterrorizados, para os seus países.

A menos que não dessem nenhuma importância, ou dessem o devido desconto às notícias, como fazem os cidadãos nacionais residentes...

Mais não digo.

Só acuso, exijo reparações e protesto contra quem não estiver de acordo comigo.

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