quinta-feira, 6 de novembro de 2008

CÃES A MAIS


Responsabilidade a menos

«Um rapaz de quatro anos deu entrada ontem à noite no Hospital de Faro em estado grave, após ter sido atacado por um cão no centro da capital algarvia, disse fonte do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM).»

A notícia já nem surpreende ninguém, tão frequentes são, no País, os casos de ataque de cães a crianças e até a adultos.

Tem-se discutido muito, ultimamente, a ferocidade, a instabilidade psicológica de certas raças e muitas outras coisas, sempre sem se chegar a resultados concretos. Mesmo quando, há pouco tempo, se fez uma lei, o tema foi tratado pela rama, com pinças, não fossem os adoradores de animais (e os criadores) ficar feridos ou irritados com as eventuais medidas determinadas. Na verdade, logo que se começou a falar do assunto, vários desses senhores vieram a terreiro a defender os cães, especialmente os seus, atribuindo as suas atitudes agressivas a provocações dos humanos. Algumas vezes assim acontecerá.

Mas as situações gravosas, nas quais os cães estão na origem, devem-se especialmente à sua proximidade com as pessoas e os animais, como os humanos, não são todos iguais. O pior é que nem sempre são previsíveis nas suas atitudes.

É evidente que devemos estimar os animais em geral, não abandoná-los nas ruas, não deixá-los morrer à fome, cuidar da sua saúde, etc., mas eles não são mais que os nossos semelhantes e, se tivermos que escolher, não haja dúvidas sobre a preferência correcta que deve ser tomada.

Verificam-se, contudo, neste mundo cão, algumas distorções de comportamento que denotam bem a insensibilidade humana a este problema. A quantidade de pessoas sem abrigo que vagueiam ou se estendem famintas e doentes pelos tugúrios das cidades, o número de velhos e doentes sem família e sem meios, existentes nos asilos e casas de recolhimento, a quantidade de crianças quase abandonadas pelas ruas, em busca de auxílio ou de um lar será maior que o número de cãezinhos de luxo que passeiam diariamente pelos passeios e jardins, enchendo os passeios e a relva de dejectos, sem respeito pelos transeuntes e pelas crianças que deles desfrutam?

Se assim for, a tendência é nitidamente para a inversão desta suposição. A quantidade de cães domésticos e de cães abandonados parece crescer todos os dias, para gáudio e proveito dos criadores e os apuradores de raças, vendidas a preços cada vez mais altos, porque o tempo dos cães rurais que comiam o que sobrava das refeições ou uma côdea do pastor, por muito romântico que fosse, já lá vai! Agora falamos mais realisticamente de várias indústrias de alimentos, acessórios e medicamentos ao serviço destes animais. A elas se juntam as clínicas veterinárias, as casas de saúde especializadas, os asilos de férias, etc., etc.

A liberdade individual é uma coisa sagrada. Quem tem posses, poderá sempre usufruir da companhia ou dos «serviços» de um ou vários cães que lhe ajudam a passar o tempo, a divertir-se, a fazer desporto até, como os perdigueiros e os cães de caça, acrescentando-lhe assim, ainda mais, o que tanto está agora na moda como objectivo legítimo, aliás, a qualidade de vida. Mesmo que os bichos passem, a maior parte do tempo, cruelmente encerrados ou presos às casotas...

Então onde reside o problema?

Na simples irresponsabilidade e no egoísmo de muitos dos respectivos donos, no laxismo das autoridades que vigiam a aplicação das leis, na insensibilidade geral das populações para com a defesa da vida humana.

Provavelmente, como venho dizendo há muitos anos, as leis, só por si, nunca resolvem os problemas de forma absoluta, neste país de permissividade instituída às montanhas de regras legais que existem. E, no entanto, bastaria cumprir e fazer cumprir apenas três ou quatro preceitos, para acabar de vez com aberrações como a relatada por esta notícia de hoje:

Primeiro, a obrigatoriedade absoluta de trazer os cães com certificado de saúde em dia e devidamente açaimados, na via pública.

Segundo, a proibição absoluta de abandonar os animais, e a obrigatoriedade eficiente das autoridades os recolherem e encerrarem nos canis.

Terceiro, a responsabilização total e sem subterfúgios, do dono ou seu representante, pela vida do animal e pelos seus danos em pessoas e bens, na via pública, na sua própria casa ou nas suas propriedades.

Quarto, a aplicação impiedosa e eficaz de coimas adequadas aos contraventores destas disposições, por uma fiscalização eficaz.

Tão simples como isto!

Claro que uma montanha de reclamações viria logo a terreiro, como os tradicionais casos especiais, e as justificações mais críveis ou as mais bizarras, da parte dos donos, dos tratadores e até das indústrias afectadas, etc. Algumas poderiam eventualmente ser atendidas nos regulamentos a complementar a lei, mas não a grande maioria delas.

O certo é que, neste momento, há cães a mais e responsabilidade a menos.

E a preservação da vida humana deverá estar sempre acima de tudo.

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