terça-feira, 18 de novembro de 2008

METER TUDO NA ORDEM


Ironias perigosas

A notícia é do Correio da Manhã:

«A presidente do PSD, Manuela Ferreira Leite, questionou-se hoje, em jeito de ironia, "se a certa altura não é bom haver seis meses sem Democracia, mete-se tudo na ordem e depois venha a Democracia.

'Quando não se está em Democracia é outra conversa, eu digo como é que é e faz-se. E até não sei se a certa altura não é bom haver seis meses sem Democracia, mete-se tudo na ordem e depois então venha a Democracia', afirmou Ferreira Leite para demonstrar, de seguida, como se deve fazer uma reforma em Portugal e num regime democrático.Etc.»

Pensando bem, está fora de causa o pendor democrático de M.F.L. No entanto, apesar da intenção dos comentários efectuados, do local onde foram feitos e do tom irónico utilizado, não deixam de ser preocupantes. Poucos políticos se atreveriam a fazê-los, mesmo desta forma e de uma maneira tão contundente, com medo talvez de que algumas frases como estas pudessem ser tomadas à letra.

É que, em vários países da América Latina, onde a Democracia funciona às segundas, quartas e sextas, as populações já estão habituadas a que uma ditadura oportunista alterne com ela, às terças quintas e sábados, com os domingos reservados para os ofícios religiosos e as necessárias e folclóricas eleições intercalares.

Tudo começa com a desobediência intencional ou tradicional às leis e a discussão permanente, sempre sem resultados, instalada a todos os níveis da administração pública. Logo, criado o clima de ineficácia total, os homens que detêm as armas utilizam-nas em seu proveito, fazendo o golpe militar ansiado pela população ordeira, farta de conversas e de ineficácia. Para dar credibilidade ao acto, prendem ou expulsam os recalcitrantes e opositores mais importantes, prometem o regresso à democracia e a entrega do poder aos civis, dentro de uns seis meses, logo que tudo esteja metido na ordem. Mas as promessas falham, as dificuldades governativas aumentam com o tempo, as finanças e a economia começam a andar para trás e, antes que se instale o caos organizado ou se verifique alguma revolta sangrenta, os militares promovem umas eleições e entregam o governo ao poder civil. A este cumprirá «tirar então as castanhas do lume» e iniciar um novo ciclo, aproveitando o curto prazo de descrença e de expectativa das populações. A fase descendente tomará início dali a meia dúzia de anos ou até antes, e o país aproximar-se-á perigosamente de novo golpe militar, fechando o ciclo. Claro que, nestes ciclos, há sempre as variantes adequadas às circunstâncias.

É impensável um cenário destes em Portugal, apesar das aberrantes declarações partidárias que ouvimos todos os dias, vindas de variados quadrantes. Infelizmente, nenhum partido pode gabar-se de comportamento exemplar, nas suas campanhas permanentes de propaganda para acesso ao poder ou para a sua manutenção. É com alguma frequência que todos resvalam para a acusação fácil, para a contestação sistemática, para a discussão estéril, para a caça ao voto, para a obtenção de mordomias...abusando assim, pelos maus motivos, da paciência dos cidadãos, tudo numa certa lentidão inerente ao próprio processo democrático.

O que significa que, ao chegar o tempo de eleições, uma grande massa de eleitores, cada vez maior, se deixe ficar tranquilamente em casa, cansada de esperar a mudança de atitudes e um tanto desiludida com a política, talvez até com o próprio sistema. Muito da culpa desse desinteresse da população reside na perda de credibilidade dos partidos.

Tudo isto é democracia, dirão alguns. Mas os partidos poderiam melhorar a sua própria actuação, dando da democracia que é a sua razão de ser, uma imagem melhorada e, sobretudo, uma redobrada eficácia. Para o que bastaria colocarem de lado muitas divergências ridículas e elevarem sempre, acima dos seus interesses, o interesse nacional.

Assim dizem que fazem, mas fazem muitas vezes o que não dizem...

Brincar assim impunemente com os sentimentos dos cidadãos pode ser perigoso. Por enquanto eles ainda acreditam que as ditaduras são sempre piores que os regimes democráticos, com todos os seus defeitos. Não os façam mudar de ideias.

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