A cidade de Felgueiras, como tive oportunidade de constatar, uns anos atrás, teve um desenvolvimento interessante, muito à custa da Indústria de Calçado que ali se foi instalando e dá emprego a boa parte da população. A sua actual presidente de Câmara, por coincidência chamada Fátima Felgueiras, tem a boa cota parte nesse desenvolvimento, o que é reconhecido pelos residentes que a reelegeram como independente, contra a opinião de todos os partidos e ainda contra o facto de ter a correr um processo com acusações de peculato várias. Pelo meio, teve que arrostar ainda com a agressividade de alguns inimigos, uma intimação abusiva de prisão preventiva reconhecida depois, com fuga para o Brasil e regresso ao julgamento. Apresentou sempre uma presença de espírito notável. Independentemente da sua culpabilidade ou não, demonstrou ser uma mulher de armas!
O julgamento, com a morosidade a que a nossa Justiça nos habituou, terminou ontem com a absolvição quase total de Fátima Felgueiras, não dando como provada a maioria das acusações feitas pelo Ministério Público, que envolveria desvios de milhões de euros em seu favor ou de terceiros, e ainda a empresa Resin, o Clube de Futebol da Terra, uma empresa de urbanização, etc.
Digo absolvição quase total porque o colectivo de juízes condenou basicamente a senhora a uma pena de três anos e meio de prisão com pena suspensa e perda de mandato, mais uns quantos euros, muito poucos, de indemnização. Ontem, ao aparecer na TV, assediada por jornalistas anteriormente ávidos de conhecer a sentença e, depois, dos comentários da julgada, mostrou de novo a sua superioridade ante a imprensa, a sua notável presença de espírito e a alegria que lhe ia na alma. O caso, convenhamos, não seria para menos.
Hoje, lendo calmamente as notícias nos jornais e alguns comentários ali vertidos, pude apreciar o quanto a nossa Justiça fica vulnerável, em certos processos demasiado mediatizados. A maioria dos leitores atiram-lhe pedras de todo o tamanho, dado que tinham sido convencidos da culpabilidade antecipada da autarca, enquanto os naturais da cidade vêm abraçá-la e aplaudir, exigindo a sua total desculpabilização.
A Justiça raramente agrada a todos, mas a relevância da actuação da Comunicação Social nestes casos não pode ser subestimada e torna o trabalho e a isenção dos juízes muito difícil.
Ao ler alguns extractos do acórdão de muitas centenas de páginas, emitido ontem pelo tribunal, não pude deixar de sentir o ridículo de alguns parágrafos, independentemente da sua justeza ou não.
Assim, Fátima Felgueiras não é condenada por roubo ou desvio de milhões, como era pedido pelos que queriam a sua cabeça, porque não foi provado, mas simplesmente porque cometeu abuso de poder no caso de um loteamento, utilizou o carro da Câmara para levar alguns prosélitos a um congresso partidário em Lisboa, e lesar a autarquia em 175 euros, numa ida em serviço à Irlanda. A condenação é de três anos e meio com pena suspensa e perda de mandato, para evitar a tentação de reincidir nesses peculatos...
Quem não deixará de sorrir?
O advogado da ré já disse imediatamente que vai recorrer desta sentença, pedindo a absolvição total, e nem outra coisa seria de esperar. Na verdade, onde haverá autarcas que, uma ou outra vez, não usem a viatura para fins particulares ou comam o seu almocinho discutível, à custa da autarquia? O caricato da sentença termina com a perda de mandato, para que a acusada não tenha possibilidade e repetir a proeza, mas não a impede de concluir este, em caso de recurso, ou de concorrer a novas eleições, etc. ...
Também o aproveitamento mediático para mandar a ferroada ao poder político não foi esquecido. Um periódico chegou mesmo a colocar em título que a razão da pena suspensa se devia ao novo Código de Processo Penal, etc., porque só a partir de uma pena de cinco anos a pena de prisão poderia tornar-se efectiva.
Enfim, trivialidades por demais ridículas em que pouca gente fica bem na caricatura, depois de lavada toda a roupa suja. E, como vai haver recursos, do Ministério Público, certamente, depois da montanha parir um rato, e da acusada, depois da ridicularia das conclusões, ainda vamos ter de gramar o insuportável, não sei por quanto tempo mais!
Entretanto, como a cada sapateiro, o seu sapato, já que falamos da terra deles, faço votos para que boa Justiça seja feita por quem de direito, porque, ao cidadão comum só caberá indignar-se ou aplaudir, no final, mas nunca intervir directamente.
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