Frio, chuva e neve
Há dois ou três dias, chegou ao meu conhecimento uma sondagem, de triste memória. Uma altíssima percentagem de jovens, adolescentes e mesmo adultos com formação universitária não fazia a menor ideia do que significa o feriado do Primeiro de Dezembro. Porém, no estado de negligência a que o ensino da História Pátria foi votado, nas nossas escolas, já nada é de admirar. E não só nas escolas, mas também na imprensa nacional, com responsabilidades de que não deveria libertar-se, lavando as mãos como Pilatos. Igualmente os poderes públicos não saem bem na fotografia, pondo de parte, por razões económicas, por simples comodismo ou falta de ideias, a comemoração cívica desta data fulcral da Restauração da Independência plena de Portugal, limitada agora, praticamente, ao simplório hastear da bandeira nacional nos edifícios públicos, pelo funcionário de turno.
Por vezes pergunto-me se eu não serei um saudosista enquistado em velhas crenças, não querendo ver o progresso material, a modificação acelerada da sociedade nos tempos que correm, sobretudo depois da ida do homem à lua...Mas sou teimoso e afasto logo essa ideia do meu pensamento.
A tal sondagem, levada a cabo por uma estação de televisão, mostrou que os mesmos que não sabiam o que representa o feriado do Primeiro de Dezembro, também não sabem o que aconteceu no Cinco de Outubro, nem sequer no 25 de Abril, tão próximo, por incrível que possa parecer. Tive dúvidas. Foi-me necessário rever duas ou três vezes as imagens, para ficar convencido de que efectivamente, assim era. Descobri ainda que, não só eles não sabiam o significado dessas datas, como de outras talvez mais importantes, e até imaginavam para elas acontecimentos totalmente estranhos, civis ou religiosos.
Já a propósito das pífias comemorações do 5 de Outubro, escrevi na altura duas linhas sobre a necessidade de informar correctamente os cidadãos sobre esta e outras datas, e dignificá-las para que amanhã não sejamos transformados completamente num país de trânsfugas a quem a calculadora subverte totalmente a alma na compra do prato de lentilhas, sem ficar de fora mais nada que valha a pena.
Um país com oito séculos e meio de existência mantida à custa de tantos heróis, de tanto esforço, de tanto sangue, suor e lágrimas, com dizia o poeta, como poderá manter-se, entregue à irresponsabilidade de uns quantos e ao laxismo da maioria dos seus cidadãos, cada vez mais desenraizados dos seus valores ancestrais?
O apelo que daqui faço aos governantes, à imprensa em geral, aos professores, aos avós e aos pais destas gerações de ignorantes, é que trabalhem incansavelmente na transmissão dos deveres cívicos aos seus educandos, entre os quais a lembrança dos feitos dos nossos antepassados não é um acto menor.
Dias como o Primeiro de Dezembro e os restantes feriados nacionais podiam e deviam facilmente ser transformados num hino de louvor à Pátria, numa demonstração viva de civismo e de orgulho nacional, em todas as localidades deste país de comodistas.
Este ano, o feriado tem lugar numa segunda-feira, fazendo para eles uma ponte de três dias. Que mais poderá interessar-lhes?
E por que haverá o governo, as autoridades e as escolas de maçar-se, se também todos usufruem dessa mesma ponte?
Para cúmulo, o boletim meteorológico anunciou ontem frio, chuva e neve, para estes três dias tão ansiados pela maioria dos portugueses.
-Que chatice! – Suspiram muitos deles.
E no entanto, sem que isso agora lhes interesse já um pepino, cumprem-se no Primeiro de Dezembro 368 anos da data em que um grupo de patriotas, apoiado na nação inteira, restituiu esforçadamente ao país a liberdade de que agora podem usufruir tranquilamente.