quinta-feira, 2 de outubro de 2008

VACINAS E VACINAS


As guerras desinteressantes

Há menos de um mês, a Ordem dos Médicos insurgia-se contra a utilização, durante quinze dias, de um estomatologista nas consultas de urgência do Centro de Saúde de Odemira, onde não havia médicos de Clínica Geral disponíveis para atender as populações. O médico realizou a sua tarefa correctamente, a Direcção Regional de Saúde resolveu um problema grave e a população foi atendida sem reclamações.

Há uns meses atrás, tinha também estalado a guerra de competências entre os Bombeiros e o INEM, da qual foram dadas a conhecer algumas situações que poderiam ter tido graves consequências e outras, pelo contrário, bem caricatas.

Também estalou, algum tempo antes, a guerra de competências, ou a delimitação delas, entre a Ordem dos Arquitectos e a dos Engenheiros e, ultimamente, o arremesso das pedras durante anos acumuladas nos sapatos, entre a Ordem dos Advogados e as Magistraturas...

A verdade é que, com o exemplo dado pela política politiqueira, nem outra coisa seria de esperar...

Assim se vão entretendo os apoderados da nossa rapaziada, mandando indirectas e recados de uns para os outros, neste país de algumas competências acrisoladas e incompetências de série, onde as vítimas são as mesmos de sempre, isto é, aqueles que nada têm que ver com isso e fazem de pião das nicas. O resultado destas pilhérias, recuso-me a chamar-lhes outra coisa, pois no geral são diferendos de fácil resolução com um pouco de diálogo inteligente em vez das jogadas baixas do costume, é ainda o descrédito resultante das próprias instituições perante o público em geral. Mas as Ordens e as Associações não fazem caso disso.

E, no entanto, nada é , afinal, que não se tenha passado já, noutros países. As coisas chegam sempre atrasadas aqui, quer sejam boas ou más. E geralmente as más chegam sempre primeiro, como a gripe que já não é como dantes e agora viaja para Portugal, de carro e de avião, com uma rapidez espantosa.

A propósito da gripe, o Infarmed já tem em carteira não sei quantos milhares ou milhões de vacinas para aplicar, de preferência aos velhos e às crianças, os mais sensíveis ao flagelo. Falta só aplicá-las.

Ora o governo teve, há perto de um ano já, uma ideia brilhante, mas inocente, a possível aplicação da vacina nas farmácias, por pessoal devidamente formado para isso. Ouro sobre azul. A maioria da população apoiou a ideia, pois nada mais prático do que comprar a vacina e levá-la logo ali, no braço, em vez de andar à procura de alguém, na lista telefónica, ou ir a uma delegação de saúde, a um centro de enfermagem, a um consultório, etc. Tratando-se, na maioria dos casos, de crianças e idosos, faz todo o sentido. As farmácias que não formaram pessoal ou não estão para se incomodar com a aplicação das vacinas, estão também no seu direito e ninguém as pode obrigar. Não devem ser muitas.

O problema surgiu, porém da parte da Ordem dos Enfermeiros, não exposto no lugar certo mas, como sempre, montado no veículo de todas as misérias, a Comunicação Social. A Ordem arroga-se o exclusivo do acto de aplicação da vacina, em defesa da saúde pública. Que haverá que não se faça em sua defesa, desde a alta cirurgia à montagem de uma rede de esgotos?

Esta guerra é mais uma das tantas que se exploram por aí, dia sim, dia não, em letra garrafal.

O que está subjacente, nestas disputas bem publicitadas, quase sempre, não é o verdadeiro interesse dos utentes que, por sistema, é apregoado aos quatro ventos, mas o interesse próprio das «corporações» em luta, a defesa dos cargos, dos empregos, das mordomias, do status, da área de influência e por aí fora, à sombra de direitos nem sempre claros. E tudo isto, numa época em que passaram de moda, em quase todo o mundo, as referências aos «títulos» que fizeram furor no século XIX!

Mas como as coisas se vão passando ao retardador, em Portugal, nesta época de apresentação de diplomas, reclamações, pedinchices, e de poucos serviços prestados voluntariamente à comunidade, não estranharia nada que, um dia destes, os utilíssimos e tantas vezes desprezados funcionários que retiram o lixo das nossas ruas acabassem servindo também de ponto de mira, numa guerra emprestada por uma qualquer futura Ordem dos Higienistas. Ou Higienizadores?

Há por aí guerras que não são cruéis como as outras, mas apenas desinteressantes e caricatas exibições públicas de penachos de uns quantos.

Já estou vacinado!

Sem comentários: