quarta-feira, 22 de outubro de 2008

DESCOBERTA DO BRASIL

A carta de Pêro Vaz de Caminha

Pouco interessa a discussão bizantina sobre a questão do achamento ou da descoberta do Brasil. Sempre lhe chamamos descoberta e agora uns quantos «maduros», descobriram que era achamento Ou acharam? Em 1500, Pêro Vaz de Caminha, o cronista, fala em achamento...Haveria que perguntar-lhe por quê.
Neste momento não sei nem quero saber quem tem razão sobre esta pepineira onde se afundam as Academias de Letras ou de História, porque esse é o seu trabalho e não têm mais nada que fazer. Para mim é descoberta, porque sempre assim ouvi dizer e desta maneira me ensinaram na escola primária os professores, provavelmente ainda descendentes do Pedro Álvares Cabral e com parentes no Brasil. Mas isso é o que menos importa agora.
Ontem, ao comprar o Diário de Notícias, achei no interior, (ou descobri?) uma edição da célebre carta de Pêro Vaz de Caminha, belo trabalho de divulgação de momentos altos da nossa História, como é o chegada da Armada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil. Já tinha lido a carta há muitos anos e foi com muito agrado que voltei a pôr-lhe os olhos em cima, devorando-a num instante.
Entretanto, perpassaram-me pela cabeça algumas perguntas sádicas, a que não fui capaz de dar resposta. Quantos dos leitores que compraram o D. N. terão deitado o livro para o lixo? Quantos terão tido a curiosidade, já não digo o interesse, de ler a carta do cronista e escrivão da armada, ao rei D.Manuel I? Quantos saberão quem foi Pêro Vaz de Caminha, Pedro Álvares Cabral ou até D. Manuel?
Ao menos no Brasil sabem todos os indígenas que foi seu Cabral o principal culpado da colonização portuguesa do Brasil. Achou-o ele, quando ia para a Índia buscar especiarias e os portugueses nunca mais o largaram da mão, enquanto não tiraram de lá todo o ouro, madeiras preciosas e diamantes que puderam, deixando em troca as igrejas, os escravos e o gosto pela pinga e o bacalhau...
Claro que isso é uma injustiça enorme. O Brasil, grande como é, um país enorme de riquezas incalculáveis, no meio de um continente pulverizado de estados menores. Deve a sua origem, língua e grandeza aos portugueses desse pequenino Portugal que lá chegaram antes de outros, que por ele lutaram arduamente e morreram durante três séculos e a quem deram a independência, num acto de visão política sem paralelo no Continente Americano. Se mais não houvesse, e foi muito, só isso seria suficiente para enaltecer o nosso país e fazer-nos os brasileiros eternamente gratos. Eles sabem-no, embora não o badalem por aí.
Hoje, fora dos selectos areópagos onde se trata de cultura literária e de história, pouco interessam estas misérias. O cidadão comum tem coisas muito mais importantes a tratar, que a vida é difícil e não se compadece com questões que não produzem, que não disponibilizam bens materiais. E os outros cada vez interessam menos.
Ao ler a carta de Pêro Vaz de Caminha a D. Manuel I, verdadeira narrativa pormenorizada até à exaustão, da chegada da Armada de Álvares Cabral ao Brasil, em 22 de Abril de 1500, dificilmente o leitor deixará de sentir espanto, e de se meter, por momentos, na pele dos valentes descobridores de estranhos mundos com novas paisagens, novas gentes, tudo tão diferente da velha pátria europeia, tal a beleza, a simplicidade e o pormenor da descrição que o autor faz ao seu rei.
Pensei logo como seria interessante que, nas escolas, os professores referissem, ao de leve que fosse, este e outros feitos da nossa História, belos exemplos de honestidade, esforço e perseverança em que os portugueses de antanho não tinham tempo para fazer-se de coitadinhos ou de queixar-se das condições ou da falta de meios que sempre souberam ultrapassar!
È que, para além da valentia dos mareantes, não posso deixar de pensar na carta de Pêro Vaz de Caminha, escrita com o bico de pato, usando tinta e papel grosseiro, sob os baloiços inclementes da nau subindo e descendo ondas, sentado num banco de pinho áspero, num gabinete infecto, por vezes à luz de uma candeia de azeite enquanto a maioria dos tripulantes dormitava de cansaço...
Não fora assim, ultrapassando dificuldades que pareciam insuperáveis, e os portugueses nunca teriam escrito nada, nunca teriam chegado a algum lado, nunca teriam achado coisa nenhuma!
Agora, na era dos computadores, Magalhães ou outro qualquer, que permitem aceder facilmente a todo o conhecimento, faço votos para que os professores consigam tirar deles o máximo rendimento, para fazer os alunos chegar a algum lado, como os seus avós.
Nove dias depois da chegada, a esquadra de 12 naus saiu do Brasil a 1 de Maio de 1500, depois de refrescar a tripulação, encher de água fresca as respectivas barricas e fazer vários contactos com os indígenas. O escrivão Pêro Vaz de Caminha acompanhou Pedro Álvares Cabral até à Índia, onde foi morto numa escaramuça com guerreiros indígenas. Mas a famosa Carta a El-Rei D. Manuel sobre o «achamento desta vossa terra nova», como ele escreve, não morreu com ele, nem morrerá jamais

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