quinta-feira, 9 de outubro de 2008

À CAÇA DA CRISE -IV


Política, Imprensa e caçadores

Finalmente a imprensa nacional resolveu dedicar a maior fatia das primeiras páginas à crise financeira e económica que está em curso no mundo inteiro. Foi uma caçada difícil pois, de cada vez que fazia pontaria, algo se atravessava na frente, encobrindo o alvo.

Assim, desde a abertura da caça no carismático 5 de Outubro, à derrota do Benfica, a 7 e a tantas outras insignificâncias, tudo foi servindo para atrasar o relevo que deveria ter sido dado, desde o princípio, à grande notícia e seus desenvolvimentos. Acabou por ser feito, quando já meio mundo chegava às portas da falência!

Agora, daqui para diante, a sua intenção é a preocupação política que anda no ar de acalmar os cidadãos, afiançando-lhes que nada de mal se passará com eles! Apesar da insistência no aviso, a maioria não acreditará inteiramente.

Pela mesma imprensa da crise soube que ontem houve discussão, no Parlamento, à volta da mesma que teimava em escorrer-se pelos dedos dos deputados e agora, que já foi apanhada e está bem segura, vai ser posta em vinho de alhos e cozinhada por eles e pelos informativos de serviço, em lume brando, durante uns bons tempos. Como sempre, a tal discussão foi feita com as consabidas jogadas baixas, qual pitada de piri-piri a espicaçar a língua desses cozinheiros, sem daí nada sair de positivo e agradável. Todos os truques que foram descritos, são já muito antigos e usados. Assim:

O P.M. diz que a crise é internacional, que o governo não tem culpa e a Oposição afirma que é nacional e o Governo é o culpado, uma desgraça.

O P.M. diz que não há que temer a falência do sistema bancário internacional que nos condiciona e a Oposição teme pelos bancos nacionais, que os outros não interessam para nada.

O P.M. garante as poupanças dos cidadãos, e a Oposição reitera que não acredita na garantia do P.M.

O P.M. diz que não vamos entrar em recessão e a Oposição reafirma que ela já aí está.

O P.M. diz que vai ajudar as pequenas empresas, baixando o IRC, e a Oposição resolve dizer que isso pouco, é uma gota de água no oceano.

O P.M. diz que aumenta o abono de família dos mais necessitados e a Oposição diz que isso não é nada, e os necessitados são muitos.

O P. M. diz que está a combater o desemprego e a Oposição afirma que ele combate o pleno emprego.

O P.M. diz que o Governo faz o que é possível, nesta conjuntura e a Oposição afirma que nada disso é feito.

O P.M. diz que acredita que tudo se há-de resolver, com dificuldades e o esforço de todos, e a Oposição não acredita em nada do que ele diz!

O P.M. diz que o Governo está a ajudar os mais pobres e a Oposição mantém que ele só ajuda os mais ricos. Etc.

O P.M. diz...quase sempre o mesmo e a oposição desdiz, também, sempre da mesma maneira!

Governo e a Oposição são extremamente coerentes com as suas funções. O Governo foi eleito para governar e a Oposição para se lhe opor. Não falham! Passam o tempo a trabalhar para a Nação, de costas voltadas entre eles, e por vezes contra ela. Deviam tratar-se antes, por Posição e Oposição. Aliás o cidadão comum pensa, com uma nica de bom senso, que Posição e Oposição deveriam concordar mais vezes, quer por deposição de antagonismos de pacotilha, quer por imposição do próprio bem-estar e do progresso nacionais. Elas não estão sozinhas nessa luta de galos em que a imprensa serve de arena, árbitro, juiz e empresário publicitário, mas sob escrutínio permanente dos cidadãos. Parece que o esquecem, frequentemente, com o espectáculo deprimente que dão, com a ajuda da imprensa.

E essa imprensa nacional, que faz ela? Diz e desdiz. Comenta e silencia. Aprova e desaprova. Afirma e nega. Aclara e escurece. Descobre e encobre. Publicita e mete na gaveta. Aclama e insulta. Dá palmadinhas nas costas a uns e palmatoadas a outros. Destrói e defende. Denuncia, culpa, desculpa e absolve. Alerta para os perigos que provêm dos criminosos e engrandece, mesmo ao lado, as suas façanhas. Defende a justiça e ataca os juízes. E tudo porque se acha senhora da verdade absoluta e cai, com o mesmo radicalismo, na falácia e na mentira. Proclama aos quatro ventos a sua plena liberdade e ataca ou defende mal a liberdade dos outros. Insiste na sua imparcialidade e tomba sempre para um dos lados. Destina as páginas ímpares às suas notícias de estimação e as pares às que considera desprezíveis, ou vice-versa. Publica enormes fotografias, com rodapés de almanaque e caricatura.

Como a amarga e ácida crise económica e financeira se estabeleceu entre nós com armas e bagagens, de que forma irá a Imprensa que tanto tempo demorou a caçá-la, a cozinhá-la agora, a temperá-la de forma que seja convenientemente apreciada por todos, nesta baralhada de informação e desinformação permanente a que nos tem habituado?

Não sei. A avaliar pelas notícias de hoje, fiquei com a ideia de que a crise que vai servir-nos no prato das nossas vidas será tendencialmente muito, muito amarga, o que não tem graça nenhuma. Essa é que é essa!

Pensando melhor, se fosse mais novo, talvez valesse a pena ir à caça, por esses montes e vales, para descontrair. Os caçadores têm razão. Desdigo o que disse sobre eles, há dias.


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