quinta-feira, 2 de outubro de 2008

NASCIMENTOS POR SUBSÍDIO

A ladeira da morte

«Os municípios do Interior estão despovoados de massa crítica, investimento e receitas próprias", diz António Edmundo, presidente da Câmara de Figueira de Castelo Rodrigo. Para contrariar este despovoamento e as suas evidentes consequências para degradação geral do concelho, estabeleceu prémios de 500 por filho e de 750 euros para os casais que desejem fixar-se na vila.
A medida não é nova, pois outros municípios a puseram já em prática, com igual valentia e tenacidade. Tendo em conta a pequenez de recursos destes concelhos, é fácil supor a coragem posta na luta, na certeza de sucesso a curto prazo, na fixação das famílias e a médio prazo da sua descendência.
Estas Câmaras jogam na espectativa de que o futuro lhes será mais propício ao desenvolvimento.
Mas as coisas não são assim tão simples. Sem derrotismos precipitados, é fácil prever que o fluxo de vidas e proventos para o Litoral será cada vez mais notório. Os rios correm todos do interior montanhoso, agreste, tortuoso, frio e difícil, para o mar na altitude zero, rodeado de praias de areia quente, terras férteis e planas onde é fácil circular, construir, viver melhor, exportar...
O exemplo dos rios é paradigmático.
O Litoral acolhe as águas, as gentes e os proventos que descem das serranias, aumenta os seus rendimentos, serve de pólo de atracção cada vez mais importante e decisivo para as gentes do interior. Estas amam a Terra com toda a sua alma, mas o corpo exige alimento, vestuário, comodidades que só o emprego permite consolidar. E este, cada vez mais só é possível de concretizar nas zonas costeiras.
O fluxo é irreversível, por muito que os autarcas do interior lutem, corajosamente, por detê-lo. Mesmo que alguns casais acabem por se fixar nesses concelhos, os filhos terão necessidades cada vez mais difíceis de satisfazer, se ali não forem criadas as condições mínimas de emprego seguro e de educação. E, mais tarde ou mais cedo, emigrarão também para o Litoral. É a ladeira da descida, lenta mas inexorável, para a morte anunciada à beira da praia.
No verão passado, na minha ronda pelas aldeias recuperadas com muito dinheiro nosso e da CE, visitei Castelo Rodrigo, onde vi realizado um trabalho exemplar, transformando ruínas num verdadeiro museu que merecia ser vivo. Mas o silêncio do despovoamento, mesmo entre a extraordinária beleza do local e da paisagem, é aterrador. Mais abaixo, no planalto que se prolonga por Espanha dentro, fica a actual vila de Figueira de Castelo Rodrigo, o mosteiro de Santa Maria de Aguiar, as vinhas, as hortas, os campos de trigo e centeio e uma população de uns 2300 habitantes, nas faldas da serra da Marofa. A uns vinte quilómetros fica a histórica e amuralhada vila de Almeida, também meia despovoada com apenas 1500 habitantes, e a outros vinte a pequenina cidade de Pinhel, com 2700 habitantes e o rio Côa próximo, a delimitar concelhos e correndo encaixado entre enormes penedias de difícil transposição. De muitas das aldeias da região, outrora fontes de vida e de gente patriótica que defendia valorosamente a fronteira, nem é bom falar. A desertificação manifesta-se, por todo o lado, de uma maneira impiedosa. O concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, com foral de 1209, agora com pouco mais de 6000 habitantes tinha, em 1960, cerca de 14000! No distrito, só a Guarda, a capital, aumenta de tamanho, de importância e de população, pois Vilar Formoso já estagnou também, apesar da sua posição estratégica.
Infelizmente, não tenho esperança de que a atitude corajosa do autarca António Edmundo, promovendo nascimentos com subsídios, conduza ao objectivo que se propõe. Nem com subsídios, nem mesmo com Viagra.
O problema da desertificação do interior, como ele também sabe, embora não confesse, é outro, muito mais sério, e a solução, que todos igualmente conhecemos, aliás, passa simplesmente , como atrás referi, pela criação de emprego decente e estável, criando-se assim a ambicionada espiral de riqueza e povoamento. O resto é sonho.

Sem comentários: