quarta-feira, 1 de outubro de 2008

CRÓNICA DE INGLATERRA

Polícias e ladrões vigiados

Na Inglaterra, dois polícias foram apanhados a furtar vinho. Tal era o título de uma notícia de última hora que deu brado por cá, esta manhã.
Mas não eram dois polícias quaisquer. Tratava-se de um inspector-chefe e de um detective-chefe do Sussex, exercendo o seu ofício num departamento de regulamentos profissionais e responsáveis pela conduta de vários oficiais de polícia, etc. Foram caçados a praticar o furto nos Armazéns Marks & Spencer, onde a vigilância não brinca em serviço.
Claro que actos destes são sempre condenáveis, em Inglaterra ou em qualquer parte do mundo. Mas não deixa de ser caricatural ver dois sérios, irrepreensíveis, polícias ingleses, de botas bem engraxadas, com fardas a que não faltam botões brilhantes, com o boné limpinho e o crachá colocado na aba do casaco aos centímetros regulamentares, serem apanhados a fugir ou a disfarçar...com as garrafinhas de pinga debaixo do braço! Isto não vinha na notícia, provavelmente estou a exagerar. O mais certo é o material subtraído estar acondicionado nalgum saco de supermercado, já com o preço rasurado à socapa, etc. Enfim, há seguramente mil e uma maneiras, não sou especialista nesta matéria.
Seja como for, não se aperceberam de alguma câmara oculta ou da eficácia da segurança, efectuada por algum vigilante interno certificado.
A notícia não refere também a marca do vinho. Quem sabe se não era Vinho do Porto para alguma comemoração familiar ou da prevista promoção de um deles?
Acabou-se!
Foram presentes ao juiz de instrução, logo de seguida, e este decretou o pagamento de uma elevada fiança porque, na Inglaterra, há eficiência em tudo, segundo consta. Se os polícias são eficientes a roubar, os vigilantes são mais eficientes a caçar os ladrões e os juízes são muito mais céleres e eficientes a castigar os culpados. E tudo se processa com um código penal que deve ter metade do tamanho do nosso, um quarto das vírgulas e um décimo dos alçapões correspondentes onde a justiça divaga e se esconde e por onde os suspeitos escapam a rir.
Mas há mais!
A Justiça inglesa, pelos vistos, não brincou à prisão preventiva, nem se entreteve a comentar as leis que tem pela frente. As leis nesse país são sagradas, indiscutíveis depois de aprovadas e o seu espírito rigorosamente interpretado, esteja em letra gorda ou minúscula, na Cornualha, na Escócia ou em Londres. Existe sempre, além do mais, um espírito prático na resolução das questões de polícia e judiciais, que não permite arrastar os processos por anos e anos de pasmaceira. Aqui não se chega nunca à célebre prescrição, coisa simultaneamente ambicionada pelos suspeitos que se livram de eventuais penas, pelos seus advogados que ganham à hora e à página, e pelos juízes que saem ilesos e airosamente dos casos difíceis. Os custos da nação e dos contribuintes são sempre colocados em primeiro lugar, segundo parece.
Por isso, os polícias hão-de ser condenados brevemente, sem desculpas, mesmo tratando-se de autoridade e, provavelmente, mais rigorosamente ainda, por sê-lo. Entretanto, em vez da prisão preventiva que os portugueses exigem e com a falta da qual se desculpam também uns e outros, aplicaram aos insignes larápios uma fiança de truz! Pagaram bem, em vez de passarem uns dias a comer à custa do orçamento público!
Também há outras diferenças fundamentais, estas no tratamento político destas situações. A Oposição inglesa não chamou ao Parlamento o Ministro da Administração Interna, nem enviou à Rainha um pedido enviesado de intervenção, ou mandou para os jornais da cor comentários demagógicos, o que aliás seria contraproducente. A rapaziada inglesa tem civismo que chegue para dar a interpretação devida dos factos reais e não vai em jogadas dessas!
Por último, «segundo reportam os “mass média”, foi enviada uma carta aos habitantes de Worthing informando a comunidade da mudança de liderança na Polícia, devido a uma “previsivelmente longa” ausência do Inspector-Chefe Sharon Rowe»...o que permite adivinhar o excelente relacionamento cívico, de colaboração e de proximidade entre a população, o seu corpo de polícia e as autoridades.
Tudo sem gritos, sem enxovalhos, ou insultos, ou jogadas baixas. Exemplar!
Onde é que já se viu, por cá, uma coisa destas?
O reverso da medalha é que, felizmente, temos bom vinho. Em Portugal, não consta que os polícias manchem a sua carreira com disparates destes, como acontece na Inglaterra. Para comemorar, ou simplesmente para matar a sede, vão beber um copo à tasquinha da esquina. Não precisam de roubar vinho no supermercado, apesar do seu baixíssimo ordenado.
Além disso, não parecendo muito eficientes no policiamento, são suficientemente profissionais para multar os donos dos carros mal estacionados e mandar soprar no balão uns quantos condutores distraídos, aplicando-lhes o correctivo legal.
Sem espinhas!

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