sexta-feira, 31 de outubro de 2008

PRAXES A MAIS


Estudo a menos

Já escrevi sobre as praxes académicas e reportei até algumas bizarrias que eram prática corrente no meu tempo de estudante, uns sessenta anos atrás. Apesar de existirem bastantes cenas desagradáveis, na altura, julgo que não aconteciam tantas aberrações graves como agora se verificam.

Os jornais noticiam hoje mais uma coincidência a pôr as praxes em cheque. «Um aluno da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Leiria sofreu a ruptura de um aneurisma cerebral, depois de uma praxe académica. A escola pondera a abertura de um processo de averiguação. Apesar dos receios da família, não está provada relação directa entre o incidente e o ritual.»

A verdade, contudo, é que há coincidências a mais. Umas serão apenas só isso, mas outras, infelizmente, são muito mais que do que simples coincidências. E já era tempo de acabar com as brincadeiras que para muitos não passarão disso mesmo, mas trazem por vezes aos «praxados» problemas de ordem psíquica e física de gravidade imprevisível. Quem não se lembra do caso trágico do aluno paraplégico, ou da estapafúrdia situação da aluna abusada, ou das vítimas de excessos irresponsáveis de bebida alcoólica?

E porque os acidentes são frequentemente imprevisíveis, o melhor seria acabar pura e simplesmente com as tradicionais praxes académicas. Há eventos muito mais inofensivos que foram postos de lado e não há razão nenhuma para que este não venha a sê-lo, apesar dos seus acirrados defensores.

Alguns dizem, por exemplo, que a praxe não é mais perigosa que uma casca de banana onde qualquer distraído pode escorregar, mas a protecção das pessoas passa por não atirar cascas de banana para o passeio onde os distraídos passam. Eles serão certamente uma percentagem pequena entre todos os transeuntes, mas não deixam de ser vítimas. E ninguém está livre de partir uma perna em circunstâncias idênticas.

Ora, se tais incidentes, e acidentes, podem ser evitados facilmente com um simples acto de civismo, por que não evitá-los mesmo? As cascas de banana devem ser colocadas no contentor do lixo, para evitar desastres e seguirem, no mínimo, o processo de transformação natural. E as praxes? As praxes também poderiam facilmente acabar ou transformar-se em brincadeiras inofensivas, porque não há justificação plausível para estes desajustes da população académica. Nem os caloiros se tornam mais adultos com a praxe, nem os donos da praxe o são mais, por exercê-la. Ao contrário, regressam por momentos, ao tempo irresponsável da infância. E por que motivo havemos todos de dar continuidade a práticas «medievais», irresponsáveis, aberrantes, ainda que sob a capa de pilhérias tradicionais?

Uma maneira interessante de encarar o problema seria reciclar as praxes, torná-las um instrumento agradável de informação dos caloiros acerca do novo ciclo da sua existência que é o ensino numa escola diferente como é aquela que começam a frequentar. Os alunos mais velhos, que já passaram por essas dificuldades, estão em condições de dar uma ajuda preciosa aos mais novos, completamente inexperientes nestas andanças, fazendo-o até de modo simpático, recorrendo mesmo a graças inofensivas e descontextualizadas do actual sistema praxista.

As praxes devem, portanto, e de uma vez por todas, ser reduzidas a uma natural dimensão educativa ou, não sendo possível, enterradas de vez.

Isso seria a forma de contribuir sem grande esforço, sem aberrações e sem excessos, para o incentivo e a melhoria do aproveitamento escolar, acabando de vez com acidentes perigosos ou mortais e a sensação transmitida à população em geral, de que há praxes a mais e estudo a menos.

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