quinta-feira, 30 de outubro de 2008

MEGA PILHÃO


A atracção do Guiness

Não há dúvida de que os portugueses sentem uma atracção imensa pelo Guiness, o livro ou almanaque dos recordes. E serão só os portugueses?

O desejo das pessoas é chegar sempre mais além, fazer sempre mais, idealizar sempre o mais incrível, nem sempre, contudo, na direcção certa, com o devido peso ou com a cabeça no seu lugar. O Guiness não se ocupa dessas considerações. Preocupa-se a enumerar, a identificar, a pôr na lista os factos que ultrapassam, de qualquer maneira, o topo do nosso anterior registo. E assim se forja um novo registo e um novo topo, para alegria de uns quantos, o entretenimento de outros e o arquivo para a posteridade, muitas vezes efémero, pois dali a pouco, em muitas circunstâncias, novo recorde virá alterar o último registo efectuado.

O Guiness seria, antes de tudo, um registo de medidas constantes; provavelmente teria sido por aí que o seu genial autor começou. A partir de certa altura, contudo, a sua genialidade impôs-se e começou a registar factos mais comezinhos, para gáudio da rapaziada cusca. Isto suponho eu, claro, não sei se estarei certo. Mas divirto-me.

De qualquer maneira, os portugueses adoram o Guiness, sobretudo por esses tais factos comezinhos. Que lhes importa saber qual é a montanha mais alta da Europa ou o reinado mais longo da História? O que interessa aos portugueses é conhecer quantos golos marcou o Maradona, ou o número de divórcios da Elisabeth Taylor e estes não são ainda, nem de longe, os melhores exemplos.

Mas agora, passando a fronteira do saber coscuvilheiro, até parece que o Guiness abriu em Portugal, de há uns tempos a esta parte, uma linha própria de recolha de informação, permitindo a inscrição à força, a todo o custo, do País, da Terrinha, do Clube, da Família nas suas páginas. Como a força não é muita, os portugueses recorreram à imaginação, especialmente a gastronómica, no que eles têm sido insuperáveis. Estou a lembra-me do maior pão-de-ló do mundo, da maior feijoada, da maior sardinhada, etc. e felizmente que não se lembraram do Guiness para a maior bebedeira da História. Ainda bem. Podemos mandar para o Guiness, diariamente os recordes mais caricatos ou ridículos, porque rir é o melhor remédio, mas não aqueles em que já nos falta o aprumo e nos fazem chorar. A auto estima não passa por aí.

A notícia bombástica de hoje é o Mega Pilhão instalado na Praça da Figueira, em Lisboa, inaugurado na presença da Estátua do Mestre de Avis, o nosso D. João I montado no seu cavalo possante, vestido com armadura e elmo de viseira levantada, empunhando verticalmente a espada que contribuiu para a derrota dos castelhanos pilha-galinhas em Aljubarrota, que naquele tempo não havia pilhões.

A ideia do Mega Pilhão é nova, genial, tanto no aspecto folclórico, como ambiental, e filantrópico. É, como percebeu logo o mestre de Avis do alto da sua montada, a morte de vários coelhos, de uma cajadada só, coisa já difícil na sua época, quanto mais nos tempos que correm. Ao reboque do folclore saloio, que a malta adora, o Mega Pilhão estimula a cidadania e o respeito pelo ambiente, promove ajuda humanitária com a recolha de verbas para a compra de uma Unidade de Transporte para o Instituto Português de Sangue, segundo acordo feito com a Ecopilhas, etc.

Bem caçado! Nada a objectar! Tudo a elogiar! E certamente sem pagar contribuição à Câmara...

O mal é que, ao escutar certo noticiário da TV, o locutor de serviço resolveu dar um tiro no escuro, ou antes, promover por sua conta a auto estima das gentes deprimidas: o Mega Pilhão da Praça da Figueira era o maior do mundo, era já um recorde do Guiness. No tamanho dos pilhões, Portugal estava à frente!

E assim, por uma fracção de segundo, provavelmente como aconteceu com todos os portugueses que ouviram a notícia, senti-me inchado! À falta de melhor...

Num recanto da cozinha, coloquei em tempos um mini pilhão (esta associação de palavras não é da minha lavra, que fique bem claro!), para acumular as pilhas que vou descartando dos electrodomésticos que povoam a casa e que levarei, quando estiver cheio, ao pilhão do ecoponto mais próximo que até distingo da janela. Dali vejo as pessoas cuidadosas descarregar os seus pilhõezitos (por analogia!) e os miúdos traquinas, quando regressam das aulas, abanarem a estrutura, vezes sem conta, não sei até quando.

Agora que está na moda, já me imaginei um dia a arregimentar testemunhas e escrever ao Guiness, para registo de um novo recorde: o número de safanões aguentados por um pilhão de ecoponto, quase a abarrotar, proporcionados por catraios de 12 anos no regresso das aulas, mas sinto que não tenho idade, nem disposição, nem vagar para isso. Outros que o façam.

Mais fácil seria algum morador da rua telefonar para a PSP ou para a Junta de Freguesia, solicitando intervenção adequada às circunstâncias. Se ela demorasse muito tempo, algum jornalista eficiente faria a entrevista da ordem e mandaria o recorde da demora para o Jornal das vinte, sem esquecer o atractivo Guiness.

Nada é impossível e até já vi coisas piores.

Fico por aqui. O Mestre de Avis que me perdoe tê-lo metido nesta pilhada.

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