domingo, 5 de outubro de 2008

À CAÇA DA CRISE

5 de Outubro de 2008

Este ano, o 5 de Outubro calhou num domingo, para desgraça e desespero de muita gente que, desde o primeiro de Janeiro, sonha com feriados e com as pontes que vêm por acréscimo. Quantas asneiras e impropérios não terão sido arremessados já, desde o começo da semana passada, até ao dia de hoje?
Impávidos e serenos os guardas dos palácios e os militares dos desfiles comemorativos lá vão aguentando, é a sua obrigação, não deixando, interiormente, de maldizer a sua sorte, em formatura ou em marcha, sempre muito aprumados e agarrados às pesadas armas para o pagode ver, num dia tão lindo como este, de temperatura agradável e sol radioso.
Por esse país fora, lá se vai ouvindo o hino aqui e ali, cada vez menos, valha a verdade, que isso das comemorações da implantação da República vai, igualmente, caindo em desuso. A acção do tempo é inexorável, até porque muito potuguesinho que por aí circula nem sequer sabe o que se passa neste 5 de Outubro enquanto a comemorações, quanto mais o que aconteceu no de 1910! É provável, aliás, que muitos professores também não saibam ou, se o sabem, não o ensinam aos seus alunos, a maior parte dos quais nem sequer conhece o hino nacional...
Também muitos adultos de certa idade que sabiam, quase esqueceram grande parte dos versos e apenas alguns relembram, nesta data, o grito de chamada para a defesa da Nação que ecoou depois do célebre ultimato, se bem que por outros motivos:
-Às armas! Às armas!
Só os caçadores, hoje, respondem ao grito.
E lá vão eles por montes e vales, de armas às costas, cartucheiras bem amarradas à cintura, os cães treinados, o boné que completa o camuflado bem enterrado até aos olhos, mandando as raras comemorações que ainda restam, para as ortigas. Saltam paredes, invadem cercados, quintais e herdades, disparando a tudo o que mexe, à sua frente, assustando os moradores tranquilos, os animais das pastagens e a pardalada inofensiva.
A abertura da época de caça teve início, precisamente, no 5 de Outubro, qual comemoração a nível nacional com tiros de caçadeira, levada a cabo por desportistas com armas que já não são de carregar pela boca como dantes, mas com tradições arreigadas e cada vez menos alvos para fazer a pontaria.
Este ano, devido à implementação do Simplex, os furiosos deste passatempo tiveram o Multibanco à disposição para obter a validação prática e imediata da licença, pagos os cerca de 60 euros da ordem, e foi um ver se te avias, para os primeiros 150.000 inauguradores da temporada. Muitos outros lhes seguirão o exemplo.
-Às armas! Às armas! Viva o 5 de Outubro! Viva a caça!
E assim, os portugueses comemoram à sua maneira, matam dois coelhos de uma cajadada só. Estão no seu direito, não contesto.
Fala-se para aí, na crise...Qual crise? Só se for a da América ou da Azinhaga dos Besouros, ou da escassez da caça para estes patriotas caçadores!
As notícias sobre este evento da abertura da caça são mais que muitas.
Vou ver a miséria que a TV tem para me mostrar, pelas oito horas, das comemorações do 5 de Outubro.
Mas como nem só de caça ou de recordações é feita a vida, o dia, este ano, esteve magnífico, tranquilo, de sol radioso e temperatura amena. Na margem direita do Tejo, desde Algés à confluência do Trancão, milhares de lisboetas desfrutaram da beleza do seu rio e da sua cidade.

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