sábado, 11 de outubro de 2008

A CRISE DAS CASAS

Crónica histórica da atribuição de casas


Agora que a crise financeira e económica mundial entrou definitivamente na paranóia da informação quotidiana, não resta mais nada ao cidadão comum que anteriormente estranhava o silêncio da Comunicação Social, que aguentar páginas e páginas sobre a mesma, dizendo tudo e nada daquilo que ele pretenderia saber. Um grande espaço da imprensa é ocupado com as Bolsas e suas desventuras. São as bolsas que os ricos e poderosos usaram e abusaram para especulação pura, fazendo pirraça aos pobres, cujas bolsas bem mais magrinhas, mal davam para o pão de cada dia.
É assim que todos os dias se publicam notícias em que se publicitam em grandes títulos os milhões que o magnate A perdeu, que o magnate B afundou, que o Magnate C vendeu a valor zero, que o magnate D pôs no prego à espera que o Estado lhe dê uma ajudinha. Já foi decidido que ele vai ajudar os magnates com enormes quantias, enquanto o Zé fica ficará pelos trocos, praticamente a ver navios do alto de Santa Catarina.
Claro, isto era no tempo em que Portugal tinha navios a sério, embora fossem à vela, porque agora só há meia dúzia de catamarãs para a Outra Banda. O povo, nestas dificuldades em que a crise o vai metendo cada vez mais, conta e reconta vezes sem conta os seus escassos euros preciosos, e faz a conta àquilo que sobra para comprar a papa do dia, sem ajuda de ninguém!
Por cá, pior que tudo isso que vai alastrando como gota de óleo em folha de papel, a subida das taxas de juro decretadas para evitar a inflação fez com que a gente se visse atrapalhada para pagar a sua casinha, obtida com anos e anos de sacrifícios. Muitos não conseguiram, optaram por ir de corda ao pescoço ao banco, como o Egas Moniz, mas tiveram pouca sorte. Foram postos fora, do banco e da casa!
É assim, fruto da famosa e badalada Globalização, que a crise das casas ou do imobiliário, nascida na América toda poderosa, em breve transformou a vida deste Portugal, paraíso dos pequeninos onde as casas da crise são cada vez mais, mesmo com todos os bairros sociais que por aí foram apregoados, anos a fio. Entregues com cunhas e sem cunhas.
Em Lisboa, devido a uma patusca reclamação por favor mal correspondido, surgiu um escândalo de casas, mais um, nesta pepineira coroada pelo Castelo de S. Jorge.
Mas já ninguém se impressiona com isso, embora a imprensa parece ter descoberto a pólvora e se entretenha a fazer manchetes, para inglês ver, pois também ela parece ter profissionais culpados no cartório. E, além do mais, casos destes têm séculos de história.
Realmente, trapaças destas existem em Portugal desde D. Afonso Henriques, em Lisboa, desde que ele a conquistou aos Mouros em 1147. Provavelmente atribuiu casa vitalícia à família do valoroso Martim Moniz, esmagado numa das portas, segundo a tradição. Mais tarde, outros reis atribuíram casas a outros menos valorosos e assim por diante. Com o passar do tempo, os requisitos dos homenageados com casas foram-se degradando e, deste modo se chegou aos regimes liberais, com a atribuição de casas simplesmente aos amigos que arranjavam votos estratégicos, possibilitando a eleição. Mal comparado, era como a conquista da cidade aos mouros, isto é, aos ocupantes anteriores da Câmara. Está tudo justificado! A Praça do Martim Moniz lá está, como a recordar-nos a sua gesta heróica que nunca mais vai ser esquecida, mas remodelada e nunca mais acabada, a lembrar-nos igualmente, por isso mesmo, que a crise das casas começou ali e vai prescrevendo sempre, desde há oito séculos a esta parte.... O culpado de tudo isto foi D. Afonso Henriques que não criou normas para a atribuição das casas!
Mas agora, depois de 2004, e já lá vão quatro anos; dizem os entendidos que o caso vai mudar de figura, com a fantástica descoberta de novas regras para a atribuição de casas, pela autarquia. A imprensa ainda não se deu ao luxo de publicá-las e a verdade é que o público já não liga nenhuma a isso, pois tem consciência de que o peso da tradição é inultrapassável, façam as normas que fizerem.
Há dias, tentei ir ao Castelo de S. Jorge, o padroeiro dos cruzados que ajudaram D. Afonso Henriques na conquista da cidade, mas não tive sorte nenhuma. Apesar da carestia da gasolina, meti o auto pelas ruelas da colina sagrada, de casas velhinhas, muitas delas desocupadas e quase a cair, e não encontrei uma nesga para estacionar. E vi-me aflito para sair dali, sem raspar nalgumas das muitas centenas de viaturas que impediam a passagem, a carros e a peões!
É a crise, tão antiga como a nacionalidade!
Mas alguma coisa eu aprendi. Na próxima tentativa vou viajar na relíquia do eléctrico turístico que circulava totalmente vazio, à minha frente. Prometido.

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