sexta-feira, 31 de outubro de 2008

MÉDICO DAS ARÁBIAS


Um português de gema

Mais um falso médico foi caçado pela PJ, após vinte anos de exercício «impecável». Tinha vasta clientela, onde abundavam as crianças. Alegava possuir a especialidade de Neuropsicologia clínica. Apesar de não ter diploma de médico, tinha vários certificados de cursos «de pós-graduações em universidades portuguesas», para além de ter dado conferências em «encontros médicos, etc.

É o máximo!

Só em Portugal acontecem casos destes e são merecedores de registo no almanaque de recordes Guiness.

Também as notícias não referem como se chegou à conclusão de que o fulano era falso médico, mas uma dica permite concluir que a PJ actuou devido a ele ter facultado a um doente um medicamento cuja posse e distribuição é da exclusiva competência das Farmácias sob prescrição e receita médica.

O que permite supor que, não fora este «acidente», o exercício ilícito da Medicina por este aldrabão continuaria sabe-se lá até quando, já que tinha «credibilidade» junto do meio onde actuava», devido à «boa carteira de doentes» de que dispunha. Segundo eles, parece que prestou razoáveis serviços à comunidade e não matou ninguém...

«O falso médico, acusado de tráfico de estupefacientes, usurpação de funções e falsificação de documentos, nomeadamente de receitas e atestados médicos, enfrenta agora uma moldura penal de quatro a doze anos de cadeia.

Vamos ver o que o que acontece.

Estava eu a escrever estas linhas, enquanto me chegavam aos ouvidos frases de um concurso de muita audiência na TV, numa altura em que o apresentador perguntava a um dos concorrentes quantos alimentos constavam da roda (dos alimentos, claro) e ele respondia, todo desenvolto:

-Para mim, a roda só tem dois: o bife e as batatas fritas!

Ora aí está uma resposta que fez rir toda a plateia às gargalhadas, e a mim também. Quase tanto como aconteceu com a notícia deste falso médico das Arábias, a exercer tranquilamente em Lousada, afinal um português de pura gema!

Mas porque será que, em certos momentos, só nos rimos do mal, ou metemos a ridículo as coisas sérias?

É que andam por aí alguns emigrantes sem cheta para bife com batatas fritas, mas com licenciaturas de Medicina obtidas em conceituadas universidades europeias. Sujeitam-se humildemente a apresentar diplomas certificados, a fazer exames de equivalência e cumprir estágios em hospitais e centros de saúde...

É a crise!!!

PRAXES A MAIS


Estudo a menos

Já escrevi sobre as praxes académicas e reportei até algumas bizarrias que eram prática corrente no meu tempo de estudante, uns sessenta anos atrás. Apesar de existirem bastantes cenas desagradáveis, na altura, julgo que não aconteciam tantas aberrações graves como agora se verificam.

Os jornais noticiam hoje mais uma coincidência a pôr as praxes em cheque. «Um aluno da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Leiria sofreu a ruptura de um aneurisma cerebral, depois de uma praxe académica. A escola pondera a abertura de um processo de averiguação. Apesar dos receios da família, não está provada relação directa entre o incidente e o ritual.»

A verdade, contudo, é que há coincidências a mais. Umas serão apenas só isso, mas outras, infelizmente, são muito mais que do que simples coincidências. E já era tempo de acabar com as brincadeiras que para muitos não passarão disso mesmo, mas trazem por vezes aos «praxados» problemas de ordem psíquica e física de gravidade imprevisível. Quem não se lembra do caso trágico do aluno paraplégico, ou da estapafúrdia situação da aluna abusada, ou das vítimas de excessos irresponsáveis de bebida alcoólica?

E porque os acidentes são frequentemente imprevisíveis, o melhor seria acabar pura e simplesmente com as tradicionais praxes académicas. Há eventos muito mais inofensivos que foram postos de lado e não há razão nenhuma para que este não venha a sê-lo, apesar dos seus acirrados defensores.

Alguns dizem, por exemplo, que a praxe não é mais perigosa que uma casca de banana onde qualquer distraído pode escorregar, mas a protecção das pessoas passa por não atirar cascas de banana para o passeio onde os distraídos passam. Eles serão certamente uma percentagem pequena entre todos os transeuntes, mas não deixam de ser vítimas. E ninguém está livre de partir uma perna em circunstâncias idênticas.

Ora, se tais incidentes, e acidentes, podem ser evitados facilmente com um simples acto de civismo, por que não evitá-los mesmo? As cascas de banana devem ser colocadas no contentor do lixo, para evitar desastres e seguirem, no mínimo, o processo de transformação natural. E as praxes? As praxes também poderiam facilmente acabar ou transformar-se em brincadeiras inofensivas, porque não há justificação plausível para estes desajustes da população académica. Nem os caloiros se tornam mais adultos com a praxe, nem os donos da praxe o são mais, por exercê-la. Ao contrário, regressam por momentos, ao tempo irresponsável da infância. E por que motivo havemos todos de dar continuidade a práticas «medievais», irresponsáveis, aberrantes, ainda que sob a capa de pilhérias tradicionais?

Uma maneira interessante de encarar o problema seria reciclar as praxes, torná-las um instrumento agradável de informação dos caloiros acerca do novo ciclo da sua existência que é o ensino numa escola diferente como é aquela que começam a frequentar. Os alunos mais velhos, que já passaram por essas dificuldades, estão em condições de dar uma ajuda preciosa aos mais novos, completamente inexperientes nestas andanças, fazendo-o até de modo simpático, recorrendo mesmo a graças inofensivas e descontextualizadas do actual sistema praxista.

As praxes devem, portanto, e de uma vez por todas, ser reduzidas a uma natural dimensão educativa ou, não sendo possível, enterradas de vez.

Isso seria a forma de contribuir sem grande esforço, sem aberrações e sem excessos, para o incentivo e a melhoria do aproveitamento escolar, acabando de vez com acidentes perigosos ou mortais e a sensação transmitida à população em geral, de que há praxes a mais e estudo a menos.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

MEGA PILHÃO


A atracção do Guiness

Não há dúvida de que os portugueses sentem uma atracção imensa pelo Guiness, o livro ou almanaque dos recordes. E serão só os portugueses?

O desejo das pessoas é chegar sempre mais além, fazer sempre mais, idealizar sempre o mais incrível, nem sempre, contudo, na direcção certa, com o devido peso ou com a cabeça no seu lugar. O Guiness não se ocupa dessas considerações. Preocupa-se a enumerar, a identificar, a pôr na lista os factos que ultrapassam, de qualquer maneira, o topo do nosso anterior registo. E assim se forja um novo registo e um novo topo, para alegria de uns quantos, o entretenimento de outros e o arquivo para a posteridade, muitas vezes efémero, pois dali a pouco, em muitas circunstâncias, novo recorde virá alterar o último registo efectuado.

O Guiness seria, antes de tudo, um registo de medidas constantes; provavelmente teria sido por aí que o seu genial autor começou. A partir de certa altura, contudo, a sua genialidade impôs-se e começou a registar factos mais comezinhos, para gáudio da rapaziada cusca. Isto suponho eu, claro, não sei se estarei certo. Mas divirto-me.

De qualquer maneira, os portugueses adoram o Guiness, sobretudo por esses tais factos comezinhos. Que lhes importa saber qual é a montanha mais alta da Europa ou o reinado mais longo da História? O que interessa aos portugueses é conhecer quantos golos marcou o Maradona, ou o número de divórcios da Elisabeth Taylor e estes não são ainda, nem de longe, os melhores exemplos.

Mas agora, passando a fronteira do saber coscuvilheiro, até parece que o Guiness abriu em Portugal, de há uns tempos a esta parte, uma linha própria de recolha de informação, permitindo a inscrição à força, a todo o custo, do País, da Terrinha, do Clube, da Família nas suas páginas. Como a força não é muita, os portugueses recorreram à imaginação, especialmente a gastronómica, no que eles têm sido insuperáveis. Estou a lembra-me do maior pão-de-ló do mundo, da maior feijoada, da maior sardinhada, etc. e felizmente que não se lembraram do Guiness para a maior bebedeira da História. Ainda bem. Podemos mandar para o Guiness, diariamente os recordes mais caricatos ou ridículos, porque rir é o melhor remédio, mas não aqueles em que já nos falta o aprumo e nos fazem chorar. A auto estima não passa por aí.

A notícia bombástica de hoje é o Mega Pilhão instalado na Praça da Figueira, em Lisboa, inaugurado na presença da Estátua do Mestre de Avis, o nosso D. João I montado no seu cavalo possante, vestido com armadura e elmo de viseira levantada, empunhando verticalmente a espada que contribuiu para a derrota dos castelhanos pilha-galinhas em Aljubarrota, que naquele tempo não havia pilhões.

A ideia do Mega Pilhão é nova, genial, tanto no aspecto folclórico, como ambiental, e filantrópico. É, como percebeu logo o mestre de Avis do alto da sua montada, a morte de vários coelhos, de uma cajadada só, coisa já difícil na sua época, quanto mais nos tempos que correm. Ao reboque do folclore saloio, que a malta adora, o Mega Pilhão estimula a cidadania e o respeito pelo ambiente, promove ajuda humanitária com a recolha de verbas para a compra de uma Unidade de Transporte para o Instituto Português de Sangue, segundo acordo feito com a Ecopilhas, etc.

Bem caçado! Nada a objectar! Tudo a elogiar! E certamente sem pagar contribuição à Câmara...

O mal é que, ao escutar certo noticiário da TV, o locutor de serviço resolveu dar um tiro no escuro, ou antes, promover por sua conta a auto estima das gentes deprimidas: o Mega Pilhão da Praça da Figueira era o maior do mundo, era já um recorde do Guiness. No tamanho dos pilhões, Portugal estava à frente!

E assim, por uma fracção de segundo, provavelmente como aconteceu com todos os portugueses que ouviram a notícia, senti-me inchado! À falta de melhor...

Num recanto da cozinha, coloquei em tempos um mini pilhão (esta associação de palavras não é da minha lavra, que fique bem claro!), para acumular as pilhas que vou descartando dos electrodomésticos que povoam a casa e que levarei, quando estiver cheio, ao pilhão do ecoponto mais próximo que até distingo da janela. Dali vejo as pessoas cuidadosas descarregar os seus pilhõezitos (por analogia!) e os miúdos traquinas, quando regressam das aulas, abanarem a estrutura, vezes sem conta, não sei até quando.

Agora que está na moda, já me imaginei um dia a arregimentar testemunhas e escrever ao Guiness, para registo de um novo recorde: o número de safanões aguentados por um pilhão de ecoponto, quase a abarrotar, proporcionados por catraios de 12 anos no regresso das aulas, mas sinto que não tenho idade, nem disposição, nem vagar para isso. Outros que o façam.

Mais fácil seria algum morador da rua telefonar para a PSP ou para a Junta de Freguesia, solicitando intervenção adequada às circunstâncias. Se ela demorasse muito tempo, algum jornalista eficiente faria a entrevista da ordem e mandaria o recorde da demora para o Jornal das vinte, sem esquecer o atractivo Guiness.

Nada é impossível e até já vi coisas piores.

Fico por aqui. O Mestre de Avis que me perdoe tê-lo metido nesta pilhada.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

BAIXAS E ATESTADOS


As fraudes ao fundo

Antes do 25 de Abril, um atestado médico era uma coisa séria, embora já para o fim do regime, com o uso e o abuso cada vez mais frequentes, a seriedade começasse a descambar para o torto, coisa que veio a acentuar-se com o regime democrático, ao contrário do que seria de esperar. Não quero dizer com isto que as ditaduras são melhores que as democracias, mesmo em Portugal onde tiveram fortes raízes, até quase aos nossos dias.

O controlo dos cidadãos e das suas actividades sempre foi uma tentação dos governos, em qualquer parte do mundo, mas só efectivada pelos regimes ditatoriais ou aparentados, onde faltam os órgãos de vigilância que a democracia inventou e aperfeiçoou para uso interno.

Ora alguns desses controlos do antigamente eram efectivos, miudinhos e, ao mesmo tempo, caricatos.

Alguém se lembra ainda de que eram precisas duas testemunhas presenciais que conhecessem o próprio, para que a sua assinatura fosse reconhecida num notário? Pois a coisa traduziu-se, ao fim de alguns anos, à permanência de dois oportunistas à porta de cada cartório, ou seja, duas testemunhas encartadas e sempre disponíveis a troco de cinco escudos cada, que assinavam e atestavam no documento que conheciam o assinante, qualquer que ele fosse, conseguindo assim o reconhecimento pelo notário. Ora este, sabendo muito bem o que se passava, cumpria rigorosamente com o preceito legal e reconhecia, sem dúvidas nem objecções de última hora.

Também nas segundas chamadas dos exames era exigido atestado médico justificando a falta de comparência do aluno, por doença, ao exame normal. Claro que em breve o atestado se transformou numa banalidade, não mais importante que o simultâneo requerimento em papel selado com assinatura sobre um selo de cinco escudos, e tudo algumas vezes aproveitado por alguns funcionários que tinham a papelada feita e o selo já lambido, a troco de uma miséria...

Outros casos como estes poderiam ser enumerados até encher páginas, e deixar-nos a rir por um bom bocado. No fundo, nada disto dá vontade de rir. Faz parte de uma certa maneira de estar do povo português, bonzinho, permissivo, laxista, esperto nos intervalos, dando sempre a volta à legislação que não grama e que só cumpre à força por obrigação ou medo da autoridade e não por dever cívico.

Chegado o 25 de Abril, seria de esperar que os portugueses, civicamente, sem empurrões nem cacetes, cumprissem tranquilamente as leis feitas por eles próprios, isto é, pelo Parlamento que escolheram para o efeito.

Mas isso seria teoria pura. Seria bom de mais.

A democracia quase acabou com o analfabetismo, deu acesso ao ensino e à saúde a toda a população e nem assim conseguiu dela um mínimo de esforço cívico voluntário, para mudar vícios ancestrais, quer dizer, o cumprimento das leis pelo medo, seja de infligir as regras da Igreja, seja de sofrer a violência do poder familiar, militar, político...O profissionalismo e a responsabilização livre e democrática ainda não levaram a melhor sobre essas tradições.

Inesperadamente, também a esperteza saloia não regrediu, antes se refinou, nos tempos que correm.

Uma notícia de hoje dá conta de que cerca de trinta por cento das baixas médicas ao trabalho, por doença, ou seja, umas 70.000 são fraudulentas, o que acarretou para o Estado, de Janeiro a Setembro, um prejuízo de 37,7 milhões de euros!

Claro que todos pagaremos uma quota-parte dessa importância, mas alguns desvalorizarão, dizendo caricaturalmente que o Estado tem obrigação de pagar as baixas, coitadinhos dos que precisam. Acham ainda que não deve castigar os faltosos, mas antes tirar dinheiro aos ricos e poderosos para dar aos pobres, como o Zé do Telhado.

Ora eu pergunto a mim próprio, como pode ser viável o progresso dum país com 30% de baixistas fraudulentos, suportados, ainda para mais, em atestados médicos passados sobre o joelho... Porque a baixa só é fraudulenta, porque o atestado médico obrigatório e justificativo é fraudulento no seu conteúdo.

Estou já a ouvir as diatribes da Ordem dos Médicos, clamando que os clínicos não têm culpa nenhuma e que, no mínimo, são enganados pelos funcionários que a eles recorrem, etc., mas na minha óptica, um médico que passa um atestado de conteúdo fraudulento só pode ser, para evitar o tratamento de conivente na fraude, uma de duas coisas: oportunista ou ignorante.

Estou a lembrar-me de outra situação caricata que ocorreu há algum tempo com os alunos que, por uma embirração qualquer com o Ministério da Educação, resolveram fazer greve ao exame, numa cidade de Província, e meteram o atestado de doença, para serem admitidos à segunda chamada. E assim, mais de quinhentos alunos justificaram estrategicamente, com atestados «fraudulentos», a sua falta à primeira chamada do exame escrito, num bonito dia de sol. Tinham adoecido... no papel.

Pois a caricatura da situação não terminou aqui. É que a Ordem dos Médicos só se propôs actuar contra os clínicos que eventualmente viessem a ser condenados em tribunal, isto é, em vez de punir ou, ao menos, aconselhar os seus inscritos à honestidade proposta no juramento de Hipócrates, teve para com eles uma atitude altamente hipócrita.

As palavras até são muito parecidas, mas diametralmente opostas!

A intenção do Ministro do Trabalho e da Segurança Social, de deitar as baixas ao fundo, recorrendo a inspecções com juntas médicas regulares, cada vez mais frequentes, é louvável, mas é uma tarefa maior que a de Hércules, ante a Hidra de Sete Cabeças. No mínimo, vai ter que cortar as cabeças todas, para que não renasça.

Será coisa demorada. Infelizmente para nós, Portugal continuará a ser, com tais comparsas e por uns anos mais, um Paraíso à beira-mar plantado, no que a baixas fraudulentas diz respeito. Em vez de sê-lo por bons motivos!

terça-feira, 28 de outubro de 2008

SEGURANÇA E POUCA CONFIANÇA



A polícia e os tribunais

«Quase metade dos portugueses acham Portugal "razoavelmente seguro" e a maioria acredita nas forças de segurança, mas manifesta "pouco confiança" nos tribunais, revela um relatório do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT).»
Não são de admirar as conclusões do relatório. O que se ouve por aí está em perfeita consonância. Para nosso bem ou para nosso mal, a segurança vai definhando, devagarinho, ao mesmo tempo que não se recupera, nem lentamente, a confiança na Justiça.
Ora todos sabemos que, sem Justiça boa e eficaz, o País não vai a lado nenhum, ou melhor, vai indo aos tropeções, aos trambolhões, aos ziguezagues, de acordo com o que a ela lhe permite...
Bem sei que não é assim que os senhores magistrados interpretam a situação. A Justiça, para muitos deles, é fruto das armas que têm ao seu dispor, isto é, os meios, as condições e as leis que os governos lhes dão. Ora qualquer português de qualquer profissão poderá dizer o mesmo, isto é, justificar os seus erros ou a sua ineficácia na falta de meios e de condições adequadas, nunca na sua ignorância ou na falta de competência própria.
Errare humanum est, tão humano como descarregar sobre os vizinhos as dificuldades que nos ocupam o dia-a-dia, ou culpá-los por tudo o que de mau nos cai em cima, ou de que não conseguimos desviar-nos. Toda a gente sabe que, quando a manta é curta, é fácil deixar de fora a cabeça ou os pés. Mas talvez poucos se lembrem, mesmo cheios de frio, de encolher inteligentemente as pernas, para tirar o maior proveito da manta!
Pelo contrário, nada fazer para sair deste apuro, insistindo nos mesmos erros diariamente, convictamente, persistentemente, é apanágio de ignorância ou de teimosia. Não deveria sê-lo de pessoas cultas, moralmente bem formadas como são os agentes da Justiça. Será por isso, pela sua falta de adaptação aos tempos em que vivemos, que as gentes, em Portugal, a colocam na cauda de uma lista de profissões, sempre que há uma apreciação?
As Polícias saem, deste relatório, muito menos chamuscadas que os Tribunais, porque as populações compreendem o esforço e o risco das forças policiais no terreno para a protecção e segurança directa dos cidadãos, mas não compreendem ou até olham com apreensão o arrastar dos processos, os recursos, os erros constantes, o exagero do formalismo judiciário ou de uma burocracia ridícula, a que um corporativismo de outros tempos e anacrónicos sindicatos de magistrados dão permanente suporte. Isto soa-lhes falso, por isso põem a Justiça na cauda...independentemente de muitos e bons profissionais.
Não sou eu que digo, é o que constata, no fundo, o relatório saído do Tribunal da Opinião Pública e que não pode deixar de fazer-nos pensar.
E o que eu penso, já agora, é que só o formalismo rebuscado, puro e duro dos códigos não chega... Até hoje, muitas leis pouco mais têm sido do que desculpa para a enorme falta de civismo dos que devem cumpri-las e a menor competência ou eficácia daqueles que devem zelar pela sua aplicação.
Sem um grande esforço conjunto de actualização de conhecimentos e sobretudo de mentalidades, a Justiça e o País não irão a parte nenhuma, quaisquer que sejam as leis, por mais que se alterem ou se multipliquem.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

DESCOBERTA DO BRASIL

A carta de Pêro Vaz de Caminha

Pouco interessa a discussão bizantina sobre a questão do achamento ou da descoberta do Brasil. Sempre lhe chamamos descoberta e agora uns quantos «maduros», descobriram que era achamento Ou acharam? Em 1500, Pêro Vaz de Caminha, o cronista, fala em achamento...Haveria que perguntar-lhe por quê.
Neste momento não sei nem quero saber quem tem razão sobre esta pepineira onde se afundam as Academias de Letras ou de História, porque esse é o seu trabalho e não têm mais nada que fazer. Para mim é descoberta, porque sempre assim ouvi dizer e desta maneira me ensinaram na escola primária os professores, provavelmente ainda descendentes do Pedro Álvares Cabral e com parentes no Brasil. Mas isso é o que menos importa agora.
Ontem, ao comprar o Diário de Notícias, achei no interior, (ou descobri?) uma edição da célebre carta de Pêro Vaz de Caminha, belo trabalho de divulgação de momentos altos da nossa História, como é o chegada da Armada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil. Já tinha lido a carta há muitos anos e foi com muito agrado que voltei a pôr-lhe os olhos em cima, devorando-a num instante.
Entretanto, perpassaram-me pela cabeça algumas perguntas sádicas, a que não fui capaz de dar resposta. Quantos dos leitores que compraram o D. N. terão deitado o livro para o lixo? Quantos terão tido a curiosidade, já não digo o interesse, de ler a carta do cronista e escrivão da armada, ao rei D.Manuel I? Quantos saberão quem foi Pêro Vaz de Caminha, Pedro Álvares Cabral ou até D. Manuel?
Ao menos no Brasil sabem todos os indígenas que foi seu Cabral o principal culpado da colonização portuguesa do Brasil. Achou-o ele, quando ia para a Índia buscar especiarias e os portugueses nunca mais o largaram da mão, enquanto não tiraram de lá todo o ouro, madeiras preciosas e diamantes que puderam, deixando em troca as igrejas, os escravos e o gosto pela pinga e o bacalhau...
Claro que isso é uma injustiça enorme. O Brasil, grande como é, um país enorme de riquezas incalculáveis, no meio de um continente pulverizado de estados menores. Deve a sua origem, língua e grandeza aos portugueses desse pequenino Portugal que lá chegaram antes de outros, que por ele lutaram arduamente e morreram durante três séculos e a quem deram a independência, num acto de visão política sem paralelo no Continente Americano. Se mais não houvesse, e foi muito, só isso seria suficiente para enaltecer o nosso país e fazer-nos os brasileiros eternamente gratos. Eles sabem-no, embora não o badalem por aí.
Hoje, fora dos selectos areópagos onde se trata de cultura literária e de história, pouco interessam estas misérias. O cidadão comum tem coisas muito mais importantes a tratar, que a vida é difícil e não se compadece com questões que não produzem, que não disponibilizam bens materiais. E os outros cada vez interessam menos.
Ao ler a carta de Pêro Vaz de Caminha a D. Manuel I, verdadeira narrativa pormenorizada até à exaustão, da chegada da Armada de Álvares Cabral ao Brasil, em 22 de Abril de 1500, dificilmente o leitor deixará de sentir espanto, e de se meter, por momentos, na pele dos valentes descobridores de estranhos mundos com novas paisagens, novas gentes, tudo tão diferente da velha pátria europeia, tal a beleza, a simplicidade e o pormenor da descrição que o autor faz ao seu rei.
Pensei logo como seria interessante que, nas escolas, os professores referissem, ao de leve que fosse, este e outros feitos da nossa História, belos exemplos de honestidade, esforço e perseverança em que os portugueses de antanho não tinham tempo para fazer-se de coitadinhos ou de queixar-se das condições ou da falta de meios que sempre souberam ultrapassar!
È que, para além da valentia dos mareantes, não posso deixar de pensar na carta de Pêro Vaz de Caminha, escrita com o bico de pato, usando tinta e papel grosseiro, sob os baloiços inclementes da nau subindo e descendo ondas, sentado num banco de pinho áspero, num gabinete infecto, por vezes à luz de uma candeia de azeite enquanto a maioria dos tripulantes dormitava de cansaço...
Não fora assim, ultrapassando dificuldades que pareciam insuperáveis, e os portugueses nunca teriam escrito nada, nunca teriam chegado a algum lado, nunca teriam achado coisa nenhuma!
Agora, na era dos computadores, Magalhães ou outro qualquer, que permitem aceder facilmente a todo o conhecimento, faço votos para que os professores consigam tirar deles o máximo rendimento, para fazer os alunos chegar a algum lado, como os seus avós.
Nove dias depois da chegada, a esquadra de 12 naus saiu do Brasil a 1 de Maio de 1500, depois de refrescar a tripulação, encher de água fresca as respectivas barricas e fazer vários contactos com os indígenas. O escrivão Pêro Vaz de Caminha acompanhou Pedro Álvares Cabral até à Índia, onde foi morto numa escaramuça com guerreiros indígenas. Mas a famosa Carta a El-Rei D. Manuel sobre o «achamento desta vossa terra nova», como ele escreve, não morreu com ele, nem morrerá jamais

terça-feira, 21 de outubro de 2008

COMBOIO A DUAS VELOCIDADES

Em marcha-atrás
«É "injusto e imoral" o aumento do fosso entre ricos e pobres em Portugal, segundo um estudo divulgado pela OCDE.
«Portugal é um dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) com maiores desigualdades na distribuição dos rendimentos dos cidadãos, ao lado dos Estados Unidos e apenas atrás da Turquia e México.
«No seu relatório "Crescimento e Desigualdades", hoje divulgado, a OCDE afirma que o fosso entre ricos e pobres aumentou em todos os países membros nos últimos 20 anos, à excepção da Espanha, França e Irlanda, e traduziram-se num aumento da pobreza infantil.»
Ora este relatório não veio trazer nada de novo ao que as populações, em todo mundo, salvo raríssimas excepções, já haviam constatado, sofrendo na pele os efeitos de um sistema financeiro e económico desumanizado, liberalizado e, o que é pior, libertino e generalizado à maioria dos países.
É uma miragem, como foi demonstrado pelo falhanço da aplicação das teorias de Marx e discípulos, acalentar a igualdade de bens entre pessoas de diferentes capacidades físicas ou mentais, mas é um dever moral inquestionável prover todos os seres humanos do absolutamente necessário a uma vida digna, independentemente de sistema económico e tendência política ou religiosa.
O crescimento da economia, imposto actualmente como norma, é cego, mas terá que ser regulado, sob pena de termos os países de todo o mundo a evoluir, económica e definitivamente, a duas velocidades.
Na Europa, na América e até já na China, há cada vez mais gente a utilizar a alta velocidade, quando o congestionamento dos aeroportos não permite a utilização dos jactos particulares. Não contesto. Porém, há também cada vez mais gente a aguardar a chegada do recoveiro, o que não deixa de ser um contrassenso.
Nas estações de caminho de ferro cheias de luzes e passadeiras rolantes, cada vez são mais visíveis, nos dias de hoje, os que dormem nos bancos. Muitos já não terão qualquer possibilidade de apanhar mesmo comboio recoveiro, aguardando ali, pacientemente, dia após dia, a chegada do coveiro.
Voltando às estatísticas. Elas são uma coisa útil e, ao mesmo tempo, engraçada, porque nos colocam diante de realidades da vida bem diversas, algumas com que exultamos, outras de que muitas vezes não gostaríamos de ter sabido. Simultaneamente, deixam-nos a liberdade de fazer delas o que nos apetecer, isto é, de levá-las a sério, umas vezes, outras de interpretá-las segundo os nossos interesses, outras ainda de fazer pouco delas, ou até de não lhes ligarmos nenhuma e metê-las no lixo!
Mas frequentemente as estatísticas deveriam ser ordens, em vez de motivo de risota. E, no entanto, apesar de todo o seu interesse científico, para que servem as estatísticas a um pobre, a uma criança que morre de fome, se não agimos em conformidade?
Nesta época de finança fria e cruel a comandar uma economia mundial cada vez mais cheia de estatísticas preocupantes e de distorções aberrantes, haverá tempo para pensar no pobre que não quer saber nada disso, que aguarda apenas, deitado no vão da escada ou no banco da estação, a chegada do coveiro?
Desta vez, as estatísticas da OCDE vieram «descobrir» o que era uma verdade de La Palisse aos olhos de todos, o aumento do fosso enorme existente entre os que tudo têm e os que não têm nada, entre os que recebem milhões com um aumento de 1% e os que recebem centavos com um aumento de 20.
Que países riquíssimos, como os Estados Unidos, estejam no topo, quanto às desigualdades sociais, é altamente injusto e imoral, como diz o relatório. Isso, contudo, que não lhes importa a eles um pepino, não pode servir-nos de consolação a nós, como alguns sugerem ou até pretendem copiar.
É que Portugal aparece também no topo das desigualdades, e é apenas um país de pobretanas onde uns quantos nababos se entretêm displicentemente a fazer caretas ou deitar a língua de fora aos que já não conseguem esboçar um sorriso, nem força têm para a guardar na caixa. Pior do que isso, é que esses engraçados que voam cada vez mais alto, crescem à custa do afundamento dos desgraçados que desprezam e que se esforçam por meter no vagão jota, em marcha-atrás! Coisas do passado, mas sem direito a repetição.
O desequilíbrio de ordenados e benesses entre estes dois pólos da população portuguesa é, como foi dito, um verdadeiro atentado à justiça e à moral, mesmo antes de saber a «descoberta» evidente das estatísticas da OCDE. Mas, mais chocante ainda, é constatar que alguns destes senhores de topo são funcionários ou gestores da contabilidade pública, cujo erário sai da bolsa de todos!
Ora nenhuma oportunidade melhor que esta, de grande crise financeira e económica, para tratar de regularizar algumas destas irregularidades mais gritantes que ficam mal, mesmo em tempos de vacas gordas. A Administração Pública deveria intervir, a regularizar e moralizar mais este aspecto negativo de capitalismo selvagem e desumano.
Há dias, o gestor da TAP resolveu, de moto próprio, baixar em 15% o seu próprio ordenado milionário, no próximo orçamento da empresa. À falta de melhores leis, este exemplo bem poderia ser seguido por muitos gestores públicos...e até privados. Seria um vislumbre de moralidade esquecida, não suficiente para estreitar o fosso que existe nos dois extremos da sociedade portuguesa, mas talvez impeditivo do seu desbragado alargamento, e serviria de alguma ajuda a muita gente que começa a descrer que o sol, quando nasce, é para todos.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

VACAS À SOLTA


A leiteira do automobilista

Vacas à solta é o que mais há por aí. Os proprietários soltam-nas para pastarem no campo, poupando ração e trabalho e dando aos animais a possibilidade de respirar o ar puro da liberdade que enrijece os músculos e dá saúde. No Alentejo, quando se passa, na autoestrada, olhando sorrateiramente para os campos circundantes, lá se avistam as vaquinhas pastando placidamente, ou repousando no chão, de preferência à sombra de algum chaparro, a ruminar o pasto previamente colhido.

É um regalo! À distância, o viajante imagina logo um pintor romântico a pintar a cena bucólica, toda belezas, toda flores e verduras, toda paz e harmonia, sem cascos imundos, sem moscas incómodas nem bostas, nem cornos agressivos, animais limpinhos, acabados de tomar banho, anafados e respeitadores das ordens do cão ou do guardador, de vara ao ombro, meio distraído, apalermado pela paisagem...

Mas também a liberdade das vacas tem as suas regras. Por maiores que sejam os campos onde são postas a pastar, as vaquinhas têm que respeitar as cercas que se adivinham ao fundo, ou a vala limitadora, o ribeiro ou o canavial estratégico, etc.

Mesmo assim, de vez em quando, lá se escapa um animal da sua prisão dourada, fugindo à obrigação imposta de dar os litros de leite à população insaciável, e o lucro respectivo ao dono. Essa história de ser espremida diariamente, à mão ou à máquina, com requintes de malvadez, em proveito dos outros, a troco apenas da manjedoura de emergência deve naturalmente cansar a mais paciente das vacas.

Vai daí que, esta madrugada, uma delas se escapuliu do cercado e resolveu experimentar a autoestrada, rumo a parte incerta. Cedo deve ter verificado que as autoestradas não tinham sido feitas para uso das vacas, mas teve pouco tempo para raciocinar. Aliás, o raciocínio das vacas é lento como elas que só sabem dar leite e ameaçar mansamente com os cornos, nos quais já ninguém acredita.

Um automobilista viu o animal cruzando inesperadamente à sua frente e só teve tempo de meter os travões a fundo e fazer uma curva perigosa que não teve maiores consequências que um susto de coração à boca.

Mas a mesma sorte não teve um segundo automobilista que vinha um pouco atrás, com a vaca assustada a deambular no meio da via, de cornadura baixa à procura do eventual inimigo. O carro e a vaca fizeram o respectivo ataque frontal em que a leiteira esteve toda do lado do condutor. Salvou-se, com um ligeiro ferimento, apenas. E a vaca não teve sorte nenhuma, acabando os seus dias e, pior ainda, deixando de prestar serviço ao seu esperto empregador que deve andar pelos campos, a esta hora, desvairado, à sua procura. Está certamente na hora da ordenha e faltam ainda quinze litros para a conta certa do contrato de entrega diária...

Chegaram então os funcionários da Brisa e os agentes da polícia para retirar o corpo do animal morto, investigar o brinco da orelha, limpar a via e repor a normalidade da circulação Veio também logo, a correr, o jornalista de serviço para relatar, repetida e enfaticamente umas quantas vezes, o acontecimento bombástico, para o noticiário mais próximo. E apareceram ainda, como de costume, os mirones a empatar tudo e todos.

No fim, o automobilista nem sequer precisou de ir ao hospital, embora tenha que levar o carro ao bate-chapa. Ele nem queria acreditar no que lhe tinha acontecido. Tivera uma leiteira dos diabos! Que vaca!

domingo, 19 de outubro de 2008

HAXIXE NAS DOCAS

À sombra da cimeira de Camp David

Segundo noticia dum prestimoso diário da nossa praça, o haxixe fez o seu aparecimento nas celebradas Docas de Alcântara. Não deve ter sido a primeira vez, nem será a última.
Aliás, a primeira deve ter ocorrido, pelas minhas conjecturas, pouco tempo depois da fundação e a última deverá ocorrer pouco tempo antes do fecho, coisa imprevisível, por agora.
E por que razão o haxixe não estaria previsto aparecer por ali?
Ora as Docas são um lugar como os outros, mais limpinho, mais arranjadinho, mais bem cheiroso, mais bonitinho, mais bem vestido, comido, bebido, vivido...Por que razão, pois, não deveria também ser mais curtido, se até é mais caro que as tascas da vizinhança?
O pessoal das tascas é teso, só tem para um copinho de bagaço ou carrascão e a droga é cara, segundo consta. No mínimo, essa droga é ali arranjada às escondidas e as passas são dadas à socapa. Depois, contudo, obriga os previsíveis viciados a pôr no prego os seus pertences e logo, em cadeia, ao assalto, ao roubo, ao crime individual ou organizado, se antes não cairam na miséria total ou acabaram nalguma sarjeta.
Mas nas Docas, é outra coisa. O pessoal experimenta, entre dois copos e dois dedos de conversa, compra mais e paga ao fornecedor a tempo e horas, às claras, à vista de toda a gente, com os iates em pano de fundo, embora, o percurso dos viciados não difira muito dos tasqueiros, apesar dos esforços desesperados das famílias com algumas posses e boa posição na sociedade. Claro, nesta mesma sociedade há sempre umas tantas ovelhas ranhosas e até a polícia algumas vezes coopera nesta porcaria, na mira dos benefícios oferecidos pelos traficantes, e outras vezes vira a esquina ou olha simplesmente para o lado.
Parece que, neste caso da notícia referida, o polícia de giro não virou a cara e apanhou os descarados fumadores de haxixe com a boca na botija, isto é, com os charros na boca, em plena Doca, em animada cavaqueira. Era uma coisa nunca vista, embora todo o mundo há muito soubesse disso!
Claro, se o caso se passasse na tasca da esquina, não valeria um chavo para a imprensa, quando muito duas linhas em rodapé, numa das páginas interiores, mas assim, dados os locais e os personagens em causa, merecia honras de páginas nobres.
É que um dos fumadores apanhados no voo da marijuana era um dos filhos do actual presidente da Comunidade Europeia, ao momento em reunião badalada com o presidente norte americano Bush e o presidente francês Sarkozy, na famosa estância de férias de Camp David, na sequência da incontornável crise financeira mundial. Logo essa circunstância foi aproveitada pelo jornalista de serviço para fazer uma chamada ao Presidente da CE, pedindo explicações e comentários para o acto infeliz do seu filho maior de idade. Seria um aproveitamento jornalístico fabuloso da notícia, se o presidente não estivesse real ou estrategicamente incomunicável, como se verificou!
Coisas de fofoca periodística a que já estamos habituados, sobre factos que acontecem, mesmo aos mais pintados, pois cada um é susceptível de escorregar onde menos espera, o que, de qualquer maneira, não justifica os erros cometidos.
Ontem, por exemplo, as pessoas escorregavam nas cascas de banana que o pessoal descuidado atirava para o chão, mas agora derrapam na caca de cão que nos faz andar aos ziguezague pelos passeios ou na «merda» do haxixe, da coca, da morfina ou de outra porcaria qualquer que os traficantes espalham por aí, qual rede onde apanham os incautos.
Mas há que ter os pés bem firmes na terra e a cabeça no seu lugar, para não escorregar.
Viva o polícia de giro! Assim é que é! Agarrem todos os passadores, nas tascas ou nas docas, filhos de pedintes ou de presidentes, levem-nos a julgamento, metam-nos na choça, obriguem-nos a pagar a coima respectiva, etc., etc., etc.
Mas antes de mais, cacem os grandes traficantes e os grandes distribuidores. Também aqui, como na política e, mais que na política, se necessita de uma cimeira de polícias de todo o mundo, em Camp David ou na Cochinchina!
Não se compreende como podem existir, neste mundo globalizado onde tudo se conhece e propaga aos quatro ventos, verdadeiros santuários da droga, irradiando a «merda» para toda a parte.
Não se compreende?
Que forças tão poderosas se escondem por detrás do simples charro ou da pica tão ansiados, nas tascas infectas ou nas docas limpinhas por esse mundo fora, que movimentam milhões e milhões, à custa de outros milhões de vítimas!
Neste caso, o polícia vigilante e atento caçou seis gramas de haxixe ao filho de Durão Barroso, o que pode incriminá-lo, segundo a lei, numa pena de prisão de um ano, remível ou não, conforme a opinião do juiz, em forte indemnização monetária.
Para já, o filho de Durão Barroso encontra-se com termo de identidade e residência.
A Justiça encontra-se, dado o parentesco do personagem, em termo de observação pública e jornalística.
E a Imprensa está em termo de vender, à custa do evento, mais uns quantos exemplares.
Ora aí está como, neste mundo cão, os traficantes fazem a sua propaganda da «merda» perfeitamente de borla, sem termo à vista.
Ficarão, sim, em termo de fazer mais uns quantos chorudos negócios.
Enquanto nós todos, por cá, passamos os dias a discutir, a congeminar como conseguir pôr termo a esta e a tantas outras misérias.!!!
E já era tempo de pôr termo a toda esta porcaria.

sábado, 18 de outubro de 2008

TELEMÓVEL FAZ CÓCEGAS


Mais um estudo engraçado

A Associação Britânica de Dermatologistas resolveu fazer um estudo sobre os efeitos do uso dos telemóveis, na pele dos utilizadores. Legítimo. Não tenho nada, contra e, como dizem os brasileiros, até dou de barato!

No entanto, o tal estudo tem a sua graça, pois sugere que «o aparecimento de erupções na pele das orelhas e das bochechas pode indicar o uso excessivo do telemóvel».

Nada de extraordinário, até aqui. As beijocas dos namorados nas bochechas e as frequentes mordidelas na orelha são capazes de coisas ainda piores e eles não se queixam. É certo que, logo ao primeiro contacto, na excitação dos personagens, aparece vermelhidão da zona de contacto, passando a uma situação de alergia, cada vez mais acentuada e perigosa, nas repetições. Porém, será preciso não confundir com a alergia psicológica que se verifica nas ocasiões seguintes, com a simples aproximação dos namorados um ao outro, ou a sua vista ao longe. O mesmo pode acontecer com as cócegas que os namorados promovem entre si, precedidas ou não do uso de telemóvel. E mais não digo.

«O estudo afirma que a inflamação, apelidada de «dermatite do telemóvel», afecta pessoas que têm reacções alérgicas à superfície de níquel dos aparelhos, após longas horas de uso dos telefones».

Também aqui não há nada de novo, até porque o níquel tem destas coisas. A novidade está no fabrico de telemóveis com capa protectora de níquel, coisa que ninguém conhece. Ninguém... é uma força de expressão!

«Segundo a Clínica Mayo, nos EUA, o níquel é uma das causas mais comuns de inflamações na pele causadas por alergias, sendo que, através dos testes de Lionel Bercovitch, da Universidade Brown, descobriu-se que 10 de 22 dispositivos testados, de oito diferentes fabricantes, continham a substância.»

Outra grande novidade, a do estudo! Claro que a maioria dos telemóveis usam níquel, nas antenas internas e nas baterias, nos circuitos, etc., etc., etc.

Mas a bizarria não se fica por aqui. É que se fala sempre em dermatites ou alergias de contacto, provocadas por telemóveis que são forrados de materiais plásticos. Estes, sim, é que entram em contacto com a pele dos dedos, das bochechas e das orelhas, e até do pescoço, quando a pessoa está a tomar notas escritas à secretária... O plástico é muito mais barato, discreto, leve, fácil de trabalhar para a indústria, isolante, pouco ou nada reactivo quimicamente e, tecnicamente, eficiente no seu desempenho.

A menos que os estudiosos tenham descoberto que milionários maníacos mandem forrar o seu telemóvel com níquel ou outro metal mais sonante e sintam comichão na orelha, especialmente com as cotações da bolsa em queda, ou cócegas na subida.

Ou eu sou um grande ignorante, ou os estudiosos ainda são mais que eu. Também pode acontecer haver ou algo encoberto ou simplesmente mal explicado!

Quero, no entanto, referir que estão na moda, e com toda a razão, os avisos às intoxicações com mercúrio, cádmio, chumbo, e por aí fora. As pilhas e as tintas estão entre os seus veículos mais correntes e que nos devem deixar sempre de pé atrás. E já não falo do urânio e outros metais com provas dadas em Hiroxima e Nagasaqui, mas que não andam por aí à balda, nas mãos de mortais comuns, como eu e muitos outros.

Os namorados é que não querem saber destes estudos para nada. Continuarão a beijar-se e a falar ao telemóvel quando lhes der na gana, com alergia ou sem ela, até porque, demais sabem eles que há inflação de estudos por esse mundo fora, pelos motivos mais caricatos e muita falta deles, pelos motivos mais óbvios.

Penso também que a totalidade dos utilizadores de telemóvel não ligará um pepino a estes estudos, e também aqui não há nada de novo. O mesmo se passou com os estudos sobre as telefonias, os televisores, os microondas, os computadores, os muitos biliões de aparelhos e aplicações da electrónica que nos facilitam a vida. Pelo menos até aparecerem estudos mais credíveis que essas balelas mais ou menos estatísticas, mais ou menos tendenciosas, mais ou menos propagandistas que têm aparecido por aí, pouco dignificando quem as faz ou quem as publicita.

Entretanto, e falando de forma mais realista, já me dei conta de que os meus netos são «alérgicos» às moedas de cobre e alegam isso para me extorquir mais qualquer coisinha.

A minha avozinha era alérgica ao níquel e o meu avô, à prata, mas as moedas respectivas nunca lhe causaram a mais ligeira comichão. Tomaram eles que lhes passassem pelos dedos, em contacto bem prolongado!

Ao ouro é que me parece que ninguém é alérgico, nem consta que alguém se tenha lembrado de fazer estudos. É caro demais para andar por aí, na mão de vulgares utentes de telemóveis ou de estudiosos diligentes, e os banqueiros mantém-no fechado a sete chaves. Não dá lugar a estatísticas, a não ser as financeiras.

Se alguém é alérgico, oculta de certeza, ou disfarça muito bem!

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

TRIBUNAL, PRISÃO E HOSPITAL

Insensibilidade chocante

Há vidas com comportamentos difíceis de explicar. Infelizmente, não são raras. Claro que poderemos sempre dar a nossa explicação mais ou menos rebuscada, mais ou menos simplista, mas nunca saberemos encontrar a verdadeira explicação para o que acontece.

Hoje, logo de manhã, um sujeito de cerca de quarenta anos, tendo sido notificado na véspera, pelo Tribunal da Covilhã, de que lhe era retirada a guarda dos filhos, sentou-se na cadeira do magistrado, sacou de uma pistola, apontou-a à cabeça e ameaçou matar-se ali mesmo, sem dar explicações, não permitindo, desta forma, que alguém pudesse desarmá-lo sem consequências graves.

Três horas depois, os negociadores da Unidade Especial da Polícia conseguiram dissuadi-lo do intento, persuadi-lo a entregar a arma, de que não possuía licença, e respectivas munições, levando-o, em primeira instância, para o departamento de psiquiatria do hospital local, por determinação do Ministério Público do Tribunal Judicial da Covilhã. Será depois do veredicto médico, presente ao Tribunal, pelo ocorrido, etc.

Até aqui, os acontecimentos.

Mas o caso não parece tão simples. Trata-se de um cadastrado com anos de cadeia cumprida por homicídio, com processo de regulação de poder paternal em curso. A notificação da perda desse poder em benefício da mulher, deve simplesmente tê-lo feito entrar em desespero. Após ter-se sentido completamente rejeitado por ela, ficara agora sem possibilidade de refazer uma vida «normal» com os filhos, talvez a única fonte de transferência de afectos que lhe restava na vida, depois de sair da prisão...

O trágico é que, quase com toda a certeza, a decisão do Tribunal foi correcta. O mais certo é que o homem não tivesse mesmo condições para aguentar a carga de manutenção e da educação das crianças, no seu mundo problemático.

No entanto, é sempre fácil dizer a um ex-cadastrado que deve fazer isto ou aquilo, quer goste ou não. Igualmente, depois de um acto como este, dizer-lhe igualmente que aqueles não eram os termos próprios de agir. Por último, ainda será fácil condená-lo a uma pena qualquer de prisão adicional.... que as populações não estão na disposição de aguentar a presença e os problemas de cadastrados e psicopatas.

Pensando apenas no cadastrado como homem, teremos que concordar que, com este antecedente e nestas circunstâncias, muito mais difícil será ele aguentar a nova carga que lhe é imposta e manter-se, por artes mágicas, psicologicamente firme, íntegro, moralmente regenerado e cumpridor fiel da pena.

Por outro lado, a insensibilidade das populações, na apreciação de casos como este é, na maior parte das vezes, chocante. O homem é culpado, está tudo dito! Cumpra a sentença de cara alegre ou triste, que bem a merece! Gente dessa deve ser afastada do convívio das pessoas normais, para sempre! Foi agora apanhado com posse ilegal de armas, castigue-se com agravante! O comentário mais chocante que li, dizia mais ou menos isto: que pena ele não ter ameaçado matar-se e cumprido, já na morgue, pois poupava tempo e dinheiro aos nossos bolsos!!!

Impressiona. Recentemente, a partir de reacções como estas, o governo de uma nação próspera, exemplo de civismo, cultura e bem estar para o mundo inteiro, decidiu eliminar todos os criminosos psicopatas em campos de concentração que afinal eram de morte, concretizando um dos maiores crimes de todos os tempos contra a Humanidade.

Por incrível que pareça, só um comentário, dos que li na Internet, se referia à necessidade de tratá-lo, se fosse vítima de algum distúrbio mental.

Não sei como resolver correctamente um problema como este, mas ocorre-me perguntar, será este o Portugal que nos transmitiram os nossos avós, pioneiro na abolição da pena de morte? Em que País estamos, afinal?

E, no entanto, se atentarmos no tratamento que os americanos dão aos prisioneiros de Guantanamo...

JARDIM DAS DELÍCIAS

Acabe-se com o tribunal

Já é um lugar comum dizer que a Madeira é um jardim. É mesmo o jardim das delícias, não o Éden da Bíblia, mas, de qualquer modo, para alguns, já não falando nos turistas, é mesmo uma beleza, uma delícia de regalar os olhos.
A Madeira é também a delícia do Dr. Jardim, o que não é bem a mesma coisa!
Ora, numa delícia dessas, para que são precisos os tribunais? Para quê, sobretudo, quando emitem sentenças que não agradam? Segundo Jardim, acabe-se com eles! O Tribunal Constitucional já foi ameaçado e, se fosse ele que mandasse...
Enfim, todos os paraísos têm o seu inferno próprio.
No Éden, ao princípio, também não consta que houvesse tribunais. Provavelmente foi por isso, por pensarem que nunca eram julgados, que Adão e Eva se meteram em bolandas de idílios apetitosos, comendo fruta que não deviam. Mas Deus não estava a dormir, como pensavam, e castigou-os para todo o sempre. Gozar, quando é proibido, tem os seus custos!
Depois desta lição, ao mesmo tempo poética e séria, como vem descrita na Bíblia, a Humanidade pensou que deveria ter tribunais mais visíveis que a Divindade, a julgar no terreno as suas malfeitorias e a lembrar-lhe, permanentemente, que deveria portar-se bem, para não haver o castigo merecido logo ali ao virar da esquina.
Desde há alguns milénios, ou não fosse a Bíblia o livro de maior difusão em toda a Humanidade, estas e outras «ninharias» foram lidas, empoladas, esquecidas, vilipendiadas, metidas no lixo, queimadas e ressuscitadas montes de vezes, no mundo inteiro, pelo menos no mundo de cultura judaica, cristã e islâmica. A verdade, porém, é que os tribunais humanos ficaram e perdurarão para sempre.
Também outras culturas adoptaram o uso de tribunais para dirimir contendas e fazer julgamentos, todos eles com maior ou menor sucesso. E assim apareceram, por todo o lado, tribunais para todos os gostos, de todas as formas e feitios, como os tribunais dos anciãos, os tribunais plenários, os tribunais supremos, os tribunais sumários e os tribunais de vão de escada. Isto para não falarmos do Tribunal do Santo Ofício ou Inquisição e de outros Santos Tribunais , mais ou menos sofisticados, mais ou menos incipientes ou ad hoc que diversas religiões e políticas, com os mais diversos desígnios, determinam ainda por cima que são infalíveis...
Ora todos sabemos que ninguém é infalível, neste mundo. E agora, numa época em que o cálculo de probabilidades está na moda, as estatísticas nos assombram e as sondagens publicitadas pela Comunicação Social nos orientam a vivência do dia a dia, certas profissões até há poucos anos tidas como infalíveis, como a Justiça e a Medicina, começam a sentir os seus efeitos, sendo frequentemente postas em causa as suas decisões, tanto mais que são determinantes da vida ou até da morte das pessoas. É certo que com essas coisas não se brinca, pelo menos com a facilidade com que se fazia antigamente, embora ainda se vejam por aí aberrações mirabolantes e hediondas.
Por isso, neste mundo que não é a preto e branco, como às vezes julgam, onde o bem e o mal se confundem, no cinzentismo que nos acompanha desde o nascimento até à morte, a persistente observância de princípios morais inquestionáveis e o simples bom senso tornaram-se coisas essenciais na convivência diária, se quisermos desfrutar de alguma felicidade terrena, ao menos, por alguns momentos. Dentro dos tribunais e fora deles, com tribunais, com códigos, ou sem eles.
Só assim poderemos gozar um pouco das delícias deste jardim que é a Terra que poderia dar pão e felicidade a todos, se não houvesse uns quantos que desejam Deus apenas para eles e o diabo para os outros. É o cúmulo do radicalismo egoísta que, se não consegue deixar de cumprir as leis ou ultrapassar os tribunais que zelam por elas, tenta por todos os meios destruí-los, no mínimo substitui-los por outros mais de acordo com os seus próprios interesses!
Felizmente ainda há alguns pequenos paraísos dispersos por aí e a Madeira, como disse, é um deles, com as suas gentes cordatas, os seus panoramas de cortar a respiração e os jardins floridos enfim, um paraíso onde não deviam caber as tiradas indecentes, demagógicas, populistas e oportunistas do Jardim da Quinta Vigia, desta vez a destilar o seu veneno sobre o incómodo Tribunal Constitucional da Nação. Incómodo para ele, claro!
Mas em política, assiste-se a coisas do arco-da-velha.
Não me esqueço de uma certa campanha eleitoral para legislativas a que assisti há anos, num país da América do Sul, em que um dos candidatos menores se entretinha, sistematicamente a insultar os maiores, os possíveis vencedores, chamando-lhes incompetentes, mentirosos, corruptos, etc. A certa altura de um comício público, depois de passar largo tempo a denegrir assim os opositores, resolveu vangloriar-se, com gestos largos e uma tirada eloquente:
-Yo, al menos, tengo las manos limpias!
E logo, do fundo da multidão numerosa, se ouviu uma voz gritando bem alto:
-Y la boca sucia!
Com esta me despeço.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

GUERRA CIVIL ESPANHOLA

A Justiça não esquece

Vai ser reaberta a vala comum onde terá sido sepultado o poeta Frederico Garcia Lorca e o professor primário Dioscorio Galindo, fuzilados perto de Granada pelo mesmo pelotão de franquistas, em Agosto de 1936. Outras dezanove valas conhecidas irão ser abertas e os seus corpos exumados, por pedido do juiz Baltazar Garzón, tentando investigar o desaparecimento de muitos milhares de pessoas durante a guerra civil espanhola e a posterior ditadura franquista.

«O auto considera que na origem do conflito, em Julho de 1936, esteve um levantamento militar “ilegal” que teve por objectivo derrubar “o Governo legítimo de Espanha”, “mediante um plano pré-concebido que incluía o uso de violência”, o que configura delito contra as instituições do Estado. Num dos documentos citado no auto, um grupo de generais golpistas insta os seus seguidores a “passar pelas armas todos os que se oponham ao triunfo do dito Movimento Salvador de Espanha”, revela a edição on line de El País.

«Por outro lado, sublinha, os militares golpistas assumiram mais tarde funções governamentais, no âmbito das quais terão ordenado ou tomado parte na perseguição aos vencidos, num contexto de crimes contra a humanidade – uma esfera que o magistrado sustenta estar no raio de acção da Audiência Nacional.
«No processo são citados 35 responsáveis da ditadura, incluindo Francisco Franco, pelo que Garzón pede as certidões de óbito dos visados para dar por extinta a parte penal do processo que poderá, contudo, prosseguir nas comarcas onde estão localizadas as valas comuns, com vista à identificação das vítimas e investigação das respectivas mortes, acrescenta a AFP.»

A democracia tem defeitos, como tudo o que é humano, mas possui virtudes que outros regimes não conseguem mostrar. Que regime totalitário, de esquerda ou de direita, conseguiria mostrar a independência e a honestidade da justiça da Espanha Democrática, desenterrando a verdade histórica dos crimes ocorridos entre 1936 e 1951, muitos deles autênticos atentados contra a Humanidade? E, numa época em que se acusam os culpados de genocídios em massa na Iugoslávia, no Chile e na Argentina, como poderia manter-se oculto o que se passou na última Guerra Civil Espanhola e nos dezasseis anos que se lhe seguiram?

O juiz Baltazar Garzón tem dado inúmeras provas de saber perfeitamente o que é a Justiça sem subterfúgios nem escapatórias, sem medo, sem se sentir vencido ou humilhado ante as poderosas personalidades envolvidas, nem as circunstâncias adversas do momento. Actua agora contra Franco, como actuou há poucos anos, contra Pinochet. Reconhece-se a imensa força de vontade que o anima, ante estes crimes e tantos outros, como os atentados terroristas, as mafias da droga, etc.

Sobretudo, já nos deu mostras suficientes da sua eficiência, sem gastar o seu tempo precioso a «mandar recados» a alguém, nem a descartar-se dos problemas com a inadequação dos códigos, a falta de meios, de apoios ou de condições de trabalho, como qualquer sindicalista encartado.

Fatalmente, tem também os seus inimigos. Uns quantos, por exemplo, afirmarão que tudo já prescreveu. A maior parte dirá, neste caso, que não vale a pena, que o que está enterrado, enterrado está. Outros apenas não gostam dele, dizem que quer protagonismo, etc.

Mas é um Senhor Juiz.

E não para de nos surpreender, sobretudo a nós, portugueses, que vivemos num clima de permissividade legal permanente.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

A INFLAÇÃO DOS CÃES

Falhas no registo canino

Já sei que alguns me vão dizer que é mais fácil ter um cão que adoptar uma criança. Mesmo assim, quero insistir com os amigos dos animais, que o número de crianças desnutridas, no nosso país, talvez seja maior que o número de cães, o que dá para pensar seriamente nos contra-sensos desta Humanidade desumana. Fico por aqui, que o caso é outro.
Antigamente os cães eram classificados, de forma simplista, em quatro categorias: cães de estimação, cães de guarda, cães de caça e cães vadios. Todos eram aparentemente saudáveis, provavelmente mais saudáveis que os humanos, mesmo os escanzelados. E também adoeciam e morriam sem se dar a esse facto grande importância. Talvez porque, na maioria, eram cães vadios.
O cão sempre foi de grande utilidade para o homem, mas nunca passou de membro menor da família. Passavam-lhe a mão pelo pêlo, de vez em quando, mas davam-lhe um osso para roer e alguns restos da comida que sobrava. E também uns bons pontapés.
Ficar escanzelado e morrer como um cão era sinónimo de morrer desprezado pela família e pela comunidade, muito embora houvesse, como em tudo, as excepções da ordem.
Até que, com a descoberta da forma de transmissão de certas doenças, os cães foram enquadrados na lista de animais potencialmente perigosos para o homem. São várias as doenças caninas susceptíveis de causar problemas à espécie humana, mas felizmente que, desde os fins do século XIX, a descoberta das vacinas, dos soros, de agentes quimioterápicos vários, das sulfamidas e dos antibióticos trouxe a cura de muitas doenças, nos cães e no homem, como por exemplo, a raiva e a oxiurose, dois flagelos quase erradicados do mundo civilizado.
Outro aspecto decorrente da utilização intensiva dos cães, que pôs a humanidade em posição de defesa, na actualidade, foi a ferocidade de certos cães de guarda, proveniente de um forte abuso no apuramento intensivo e persistente de algumas raças.
Certo que nem sempre o apuramento de raças conduziu a resultados negativos. São exemplos de apuramento de raças no bom sentido os famosos cães pisteiros da polícia, os pesquisadores de droga, os cães perdigueiros, os cães pastores, os guias de cegos, os São Bernardo, etc., etc. Também algumas aberrações tiveram lugar, como os agressivos cães de guarda que têm causado, a muitas pessoas, as mais diversas lesões e até a morte.
A legislação de vários países tentou ordenar e pôr regras na convivência entre estes animais e os seres humanos, até ser criado, na maioria dos países, um bilhete de identidade canino ou, pelo menos, um registo de cães ou a sua ficha de saúde onde foi possível inscrever e tracejar a sua origem, as suas vacinas, as suas doenças e respectivos tratamentos. Os donos, as entidades administrativas indicadas e o sistema veterinário de vigilância são os responsáveis pelo bom funcionamento desse sistema.
Ora, em Portugal, foi descoberta há dias, uma coisa singular.
«Apesar da lei sobre o controlo dos cães de raças perigosas, a Ordem dos Veterinários alerta que «há perto de um milhão de cães por identificar», uma vez que as juntas de Freguesia falham no envio dos registos para a Direcção-geral de Veterinária «Actualmente, existem cerca de 40 mil animais domésticos registados no sistema de identificação de registo, sendo que 9.500 cães são considerados «potencialmente perigosos», mas, para o bastonário, José Cardoso Resende, «os números estão muito longe da realidade».
«O responsável justifica que «o número de animais registados é muito inferior ao número daqueles que são vacinados anualmente», o que prova «uma falha das juntas de Freguesia», que «não actualizam a base de dados». Cardoso Resende acusa, pelo menos, duas mil juntas de Freguesia de não cumprirem a lei, mas o presidente da Associação Nacional de Freguesias, Armando Vieira, garante que se trata de «uma questão pontual», que tem a ver com a «dimensão da freguesia e os seus recursos».
E aqui está, mais uma vez o que já é um lugar comum, isto é, quando algum problema grave é posto a nu, geralmente tarde e a más horas, nunca se consegue identificar o culpado. Mas o pior não é isso, mas antes o laxismo tradicional, a ausência de uma tentativa ou de simples busca de soluções para resolvê-lo, tudo mais por desleixo atávico que por outras esfarrapadas desculpas ou justificações.
Um milhão de cães sem registo é obra! Quantos serão perigosos? Quantos mais que os citados 9500?
Ninguém sabe.
Como é possível? Não sei, mas algo não bate certo.
Como de costume, alguém começou já a badalar que a legislação tem que ser mudada, que a actual tem vírgulas a mais ou a menos e por aí fora.
Como sempre e em tudo, em qualquer situação, só sei uma coisa: a lei vigente, sobre os cães (ou sobre o que for), não é rigorosamente cumprida, no mínimo apenas cumprida em parte. Por quê?
Porque todos juram a pés juntos que não é aplicável, porque é desadaptada às circunstâncias, acima de tudo porque há falta de meios ou de condições...etc.
É sempre assim. O registo dos cães, ou a falta dele, é apenas mais um caso menor, igual a tantos outros.
Nem Fátima nos conseguirá salvar deste fundo buraco negro.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

GRAFFITIS FORA DO BAIRRO ALTO


O plano da pólvora

Parece que a C.M.L. vai pôr fim à onda de graffitis no Bairro Alto. Aquilo é uma vergonha! Para onde se virem, o turista, o artista e o residente só vêem porcarias, pintadas a spray, das cores mais diversas. Eu, se fosse morador num sítio desses, com bares ou sem eles, teria vergonha! E da mesma maneira se fosse turista sóbrio. É que, ao nojo em que se transformaram as ombreiras das portas e janelas e as paredes das fachadas, acresce o nojo das pinturas ali efectuadas.

Tenho dúvidas de que os artistas que fizeram essas obras de arte negativa, tivessem alguma vez em mente melhores desempenhos do que os permitidos pelo extravasamento de alguma ideia momentânea de ressaca alcoólica, de certa toxidependência, ou mesmo de ambas.

Seja como for, a C.M.L. vai resolver o grande problema, com a aplicação de várias medidas, duas delas dignas de nota.

A primeira é a tarefa hercúlea e demorada, certamente, de limpeza de toda a porcaria espalhada por ali. Vai custar muito ao erário público, certamente, embora se justifique plenamente.

A segunda é a de policiar a zona convenientemente, apanhar em flagrante os graffiters, julgá-los e condená-los no acto...com processo suspenso se vierem a prontificar-se a limpar, rapidamente, a porcaria que tenham feito! Acho esta segunda medida exemplar e espectacular, ao menos no papel. É como dar duas nalgadas à criança travessa que atirou uma pedra à casa do vizinho e, ainda por cima, obrigá-la a pedir perdão.

Mas não creio que seja assim tão fácil de aplicar, porque vai ser muito difícil apanhar os graffiters em flagrante! A Câmara dará o balde, a esfregona e o detergente adequado, o que já não é nada mau, mas quem vigiará o trabalho? Imagino um polícia ou um capataz para cada réu, e eles devem ser tantos ...

Por outro lado, é muito provável que eles se desloquem, nas suas próximas aventuras, às zonas acabadas de limpar, como as mais apropriadas para o exercício da sua arte «pedrada» ou alcoolizada. E assim votará tudo à primeira forma.

Também uma terceira medida proposta pela Câmara nos parece de uma simplicidade peregrina. É a execução de grandes painéis murais aos lados da Calçada da Glória, destinados aos pintores de paredes que desejarem exercitar verdadeiramente a sua habilidade em obras de reconhecido mérito. Veremos mais tarde isso do mérito.

Claro, numa área de tal degradação e desleixo, alguma coisa devia ser feito.

Desejo, no entanto, ao senhor Presidente da Câmara o maior êxito possível. A ele, aos agentes de polícia destacados, aos juízes rápidos e aos moradores que eventualmente denunciem todos os pinta-paredes que vejam em funções pelas ruas do Bairro Alto, fora dos tais espaços reservados à arte...

De boas intenções está o mundo cheio.

Mas a esperança é a última a morrer.

sábado, 11 de outubro de 2008

A CRISE DAS CASAS

Crónica histórica da atribuição de casas


Agora que a crise financeira e económica mundial entrou definitivamente na paranóia da informação quotidiana, não resta mais nada ao cidadão comum que anteriormente estranhava o silêncio da Comunicação Social, que aguentar páginas e páginas sobre a mesma, dizendo tudo e nada daquilo que ele pretenderia saber. Um grande espaço da imprensa é ocupado com as Bolsas e suas desventuras. São as bolsas que os ricos e poderosos usaram e abusaram para especulação pura, fazendo pirraça aos pobres, cujas bolsas bem mais magrinhas, mal davam para o pão de cada dia.
É assim que todos os dias se publicam notícias em que se publicitam em grandes títulos os milhões que o magnate A perdeu, que o magnate B afundou, que o Magnate C vendeu a valor zero, que o magnate D pôs no prego à espera que o Estado lhe dê uma ajudinha. Já foi decidido que ele vai ajudar os magnates com enormes quantias, enquanto o Zé fica ficará pelos trocos, praticamente a ver navios do alto de Santa Catarina.
Claro, isto era no tempo em que Portugal tinha navios a sério, embora fossem à vela, porque agora só há meia dúzia de catamarãs para a Outra Banda. O povo, nestas dificuldades em que a crise o vai metendo cada vez mais, conta e reconta vezes sem conta os seus escassos euros preciosos, e faz a conta àquilo que sobra para comprar a papa do dia, sem ajuda de ninguém!
Por cá, pior que tudo isso que vai alastrando como gota de óleo em folha de papel, a subida das taxas de juro decretadas para evitar a inflação fez com que a gente se visse atrapalhada para pagar a sua casinha, obtida com anos e anos de sacrifícios. Muitos não conseguiram, optaram por ir de corda ao pescoço ao banco, como o Egas Moniz, mas tiveram pouca sorte. Foram postos fora, do banco e da casa!
É assim, fruto da famosa e badalada Globalização, que a crise das casas ou do imobiliário, nascida na América toda poderosa, em breve transformou a vida deste Portugal, paraíso dos pequeninos onde as casas da crise são cada vez mais, mesmo com todos os bairros sociais que por aí foram apregoados, anos a fio. Entregues com cunhas e sem cunhas.
Em Lisboa, devido a uma patusca reclamação por favor mal correspondido, surgiu um escândalo de casas, mais um, nesta pepineira coroada pelo Castelo de S. Jorge.
Mas já ninguém se impressiona com isso, embora a imprensa parece ter descoberto a pólvora e se entretenha a fazer manchetes, para inglês ver, pois também ela parece ter profissionais culpados no cartório. E, além do mais, casos destes têm séculos de história.
Realmente, trapaças destas existem em Portugal desde D. Afonso Henriques, em Lisboa, desde que ele a conquistou aos Mouros em 1147. Provavelmente atribuiu casa vitalícia à família do valoroso Martim Moniz, esmagado numa das portas, segundo a tradição. Mais tarde, outros reis atribuíram casas a outros menos valorosos e assim por diante. Com o passar do tempo, os requisitos dos homenageados com casas foram-se degradando e, deste modo se chegou aos regimes liberais, com a atribuição de casas simplesmente aos amigos que arranjavam votos estratégicos, possibilitando a eleição. Mal comparado, era como a conquista da cidade aos mouros, isto é, aos ocupantes anteriores da Câmara. Está tudo justificado! A Praça do Martim Moniz lá está, como a recordar-nos a sua gesta heróica que nunca mais vai ser esquecida, mas remodelada e nunca mais acabada, a lembrar-nos igualmente, por isso mesmo, que a crise das casas começou ali e vai prescrevendo sempre, desde há oito séculos a esta parte.... O culpado de tudo isto foi D. Afonso Henriques que não criou normas para a atribuição das casas!
Mas agora, depois de 2004, e já lá vão quatro anos; dizem os entendidos que o caso vai mudar de figura, com a fantástica descoberta de novas regras para a atribuição de casas, pela autarquia. A imprensa ainda não se deu ao luxo de publicá-las e a verdade é que o público já não liga nenhuma a isso, pois tem consciência de que o peso da tradição é inultrapassável, façam as normas que fizerem.
Há dias, tentei ir ao Castelo de S. Jorge, o padroeiro dos cruzados que ajudaram D. Afonso Henriques na conquista da cidade, mas não tive sorte nenhuma. Apesar da carestia da gasolina, meti o auto pelas ruelas da colina sagrada, de casas velhinhas, muitas delas desocupadas e quase a cair, e não encontrei uma nesga para estacionar. E vi-me aflito para sair dali, sem raspar nalgumas das muitas centenas de viaturas que impediam a passagem, a carros e a peões!
É a crise, tão antiga como a nacionalidade!
Mas alguma coisa eu aprendi. Na próxima tentativa vou viajar na relíquia do eléctrico turístico que circulava totalmente vazio, à minha frente. Prometido.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

À CAÇA DA CRISE -IV


Política, Imprensa e caçadores

Finalmente a imprensa nacional resolveu dedicar a maior fatia das primeiras páginas à crise financeira e económica que está em curso no mundo inteiro. Foi uma caçada difícil pois, de cada vez que fazia pontaria, algo se atravessava na frente, encobrindo o alvo.

Assim, desde a abertura da caça no carismático 5 de Outubro, à derrota do Benfica, a 7 e a tantas outras insignificâncias, tudo foi servindo para atrasar o relevo que deveria ter sido dado, desde o princípio, à grande notícia e seus desenvolvimentos. Acabou por ser feito, quando já meio mundo chegava às portas da falência!

Agora, daqui para diante, a sua intenção é a preocupação política que anda no ar de acalmar os cidadãos, afiançando-lhes que nada de mal se passará com eles! Apesar da insistência no aviso, a maioria não acreditará inteiramente.

Pela mesma imprensa da crise soube que ontem houve discussão, no Parlamento, à volta da mesma que teimava em escorrer-se pelos dedos dos deputados e agora, que já foi apanhada e está bem segura, vai ser posta em vinho de alhos e cozinhada por eles e pelos informativos de serviço, em lume brando, durante uns bons tempos. Como sempre, a tal discussão foi feita com as consabidas jogadas baixas, qual pitada de piri-piri a espicaçar a língua desses cozinheiros, sem daí nada sair de positivo e agradável. Todos os truques que foram descritos, são já muito antigos e usados. Assim:

O P.M. diz que a crise é internacional, que o governo não tem culpa e a Oposição afirma que é nacional e o Governo é o culpado, uma desgraça.

O P.M. diz que não há que temer a falência do sistema bancário internacional que nos condiciona e a Oposição teme pelos bancos nacionais, que os outros não interessam para nada.

O P.M. garante as poupanças dos cidadãos, e a Oposição reitera que não acredita na garantia do P.M.

O P.M. diz que não vamos entrar em recessão e a Oposição reafirma que ela já aí está.

O P.M. diz que vai ajudar as pequenas empresas, baixando o IRC, e a Oposição resolve dizer que isso pouco, é uma gota de água no oceano.

O P.M. diz que aumenta o abono de família dos mais necessitados e a Oposição diz que isso não é nada, e os necessitados são muitos.

O P. M. diz que está a combater o desemprego e a Oposição afirma que ele combate o pleno emprego.

O P.M. diz que o Governo faz o que é possível, nesta conjuntura e a Oposição afirma que nada disso é feito.

O P.M. diz que acredita que tudo se há-de resolver, com dificuldades e o esforço de todos, e a Oposição não acredita em nada do que ele diz!

O P.M. diz que o Governo está a ajudar os mais pobres e a Oposição mantém que ele só ajuda os mais ricos. Etc.

O P.M. diz...quase sempre o mesmo e a oposição desdiz, também, sempre da mesma maneira!

Governo e a Oposição são extremamente coerentes com as suas funções. O Governo foi eleito para governar e a Oposição para se lhe opor. Não falham! Passam o tempo a trabalhar para a Nação, de costas voltadas entre eles, e por vezes contra ela. Deviam tratar-se antes, por Posição e Oposição. Aliás o cidadão comum pensa, com uma nica de bom senso, que Posição e Oposição deveriam concordar mais vezes, quer por deposição de antagonismos de pacotilha, quer por imposição do próprio bem-estar e do progresso nacionais. Elas não estão sozinhas nessa luta de galos em que a imprensa serve de arena, árbitro, juiz e empresário publicitário, mas sob escrutínio permanente dos cidadãos. Parece que o esquecem, frequentemente, com o espectáculo deprimente que dão, com a ajuda da imprensa.

E essa imprensa nacional, que faz ela? Diz e desdiz. Comenta e silencia. Aprova e desaprova. Afirma e nega. Aclara e escurece. Descobre e encobre. Publicita e mete na gaveta. Aclama e insulta. Dá palmadinhas nas costas a uns e palmatoadas a outros. Destrói e defende. Denuncia, culpa, desculpa e absolve. Alerta para os perigos que provêm dos criminosos e engrandece, mesmo ao lado, as suas façanhas. Defende a justiça e ataca os juízes. E tudo porque se acha senhora da verdade absoluta e cai, com o mesmo radicalismo, na falácia e na mentira. Proclama aos quatro ventos a sua plena liberdade e ataca ou defende mal a liberdade dos outros. Insiste na sua imparcialidade e tomba sempre para um dos lados. Destina as páginas ímpares às suas notícias de estimação e as pares às que considera desprezíveis, ou vice-versa. Publica enormes fotografias, com rodapés de almanaque e caricatura.

Como a amarga e ácida crise económica e financeira se estabeleceu entre nós com armas e bagagens, de que forma irá a Imprensa que tanto tempo demorou a caçá-la, a cozinhá-la agora, a temperá-la de forma que seja convenientemente apreciada por todos, nesta baralhada de informação e desinformação permanente a que nos tem habituado?

Não sei. A avaliar pelas notícias de hoje, fiquei com a ideia de que a crise que vai servir-nos no prato das nossas vidas será tendencialmente muito, muito amarga, o que não tem graça nenhuma. Essa é que é essa!

Pensando melhor, se fosse mais novo, talvez valesse a pena ir à caça, por esses montes e vales, para descontrair. Os caçadores têm razão. Desdigo o que disse sobre eles, há dias.