sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

TIRO AOS PATOS

O novo aeroporto

Já está praticamente decidida a localização do novo aeroporto principal do país. Bem, segundo uns, mal segundo outros. Mas o que se questiona principalmente não é a boa ou má decisão, mas se o Governo recuou, se o Presidente interferiu, se o Ministro será ou não demitido… Digo também praticamente decidida, porque ainda resta um último berbicacho: o estudo final de impacto ambiental para a zona de Alcochete. Nada que não consiga ser ultrapassado, apesar da Quercus e seus apaniguados se oporem sempre, por sistema, a todos os grandes e pequenos projectos de obras públicas que são apresentados para execução. No fundo, radicalmente, terão razão mas, mal de nós se déssemos ouvidos, permanentemente, à Quercus na defesa dos seus passarinhos raros, das suas lagartixas de estimação, das suas águas subterrâneas e salinas desativadas, sem contrapor um mínimo de bom senso…As aves da região de Alcochete já estavam habituadas aos estrondos de canhão da carreira de tiro, cada vez mais reduzidos em número, devido à crise financeira que o país atravessa.

Contava-me há tempos, um amigo com ligações à tropa, que em certos exercícios de tiro de peça, a brigada, ou lá como se chama, formava junto do canhão respectivo, depois de receber a instrução respectiva e dar provas de ter aprendido bem a lição, preparando-se para actuar. O comandante dava ordem de começar, cada elemento ocupava o seu posto e procedia-se ao posicionamento da peça e à afinação da pontaria, feita a qual o faxina que municiava fazia menção gestual de carregar o respectivo obus, fechando a seguir a culatra, na realidade vazia. A ordem de disparo era dada, o encarregado carregava no botão e um subordinado instruído fazia:

-PUM!!!...

O alvo era sempre atingido! E procedia-se à fase seguinte de limpeza do cano, nova pontaria, novo carregamento fingido, etc., até acabar com as munições imaginárias combinadas e preencher o relatório.

Se a cena se passasse em Alcochete, as aves de estimação estariam, de parabéns e a Quercus descansada! O Campo de Tiro de Alcochete era um sucesso, as instalações eram um brinquinho, os canhões, embora antigos, estavam perfeitamente limpos e oleados, o pessoal não tinha excesso de trabalho e podia entreter-se perfeita e calmamente a fazer as contas do próximo aumento ou de promoção de carreira! Que me desculpem os militares se exagero, que nada tenho em seu desfavor.

A verdade é que não sei como as supremas autoridades da nação caíram nessa de elegerem Alcochete, um Campo de Tiro com tradição de cerca de cem anos de disparos, sabe-se lá como e contra quem, ainda por cima aqui pertinho de Lisboa! A imprensa especialista que se entretenha a investigar se ali houve ou não mãozinha de loby, e passe a factura. Mas isso já foi ultrapassado. Os marginalizados artilheiros, do PUM fingido ou não, terão que escolher rapidamente um novo terreno no deserto do Alentejo, onde não haja aves selvagens nem passem as migratórias, que as de capoeira já não existem e os frangos de aviário não são para aqui chamados.

Não haverá entretanto outros problemas muito mais importantes, neste momento, para a Comunicação Social do que fofocar na escolha de Alcochete se o Primeiro Ministro arrepiou ou foi forçado a arrepiar caminho, se o Ministro das Obras Públicas se arrependeu ou não de dizer jamais, se os partido A ou B pedem a demissão dos arrependidos ou vão agir contra quem copiou a sua ideia de construir neste local, se o Presidente da República influenciou ou não a decisão governamental, se os «otários» da Ota vão protestar no «faroeste» e os de Alcochete vão deitar foguetes ou fazer tiro aos patos do estuário? …

Isso mesmo! Tiro aos patos é que é preciso!

Sei que ainda é cedo para a concretização do monstro, não obstante um parto tão longo e difícil, mas já estou a antever os grandes aviões da Airbus e da Boeing a partir e a aterrar nas pistas de Alcochete, os hotéis próximos a engolir e a vomitar turistas, homens de negócio, pilotos e aeromoças, as empresas de abastecimentos a transferir gasolina ou a acomodar refeições prefabricadas, as polícias e os seus cães a guardar ou a farejar os malandros eventuais, com o Tejo a passar ao lado, cada vez mais encolhido, abraçando comovida e saudosamente nos seus braços o mouchão da Póvoa, refúgio dos últimos cavalos e dos apanhadores de minhoca da zona…

O que falta fazer até lá é uma obra de gigantes para durar anos, mas muitos oráculos julgam que é o momento certo de começar a brincar com a nova ponte, o que vai dar pano para mangas aos encartados info-desinformadores nacionais, por largos tempos.

E eu que estava quase a ficar curado da indigestão do super aeroporto, com todas as suas viroses, começo a sentir que vou ficar de novo enjoado…

Antes ficar enjoado, que enojado!

Imagino-me a ir amanhã, logo de manhãzinha à Farmácia, comprar um frasquinho de sais de fruto, por precaução, depois pegar numa fisga improvisada com restos de uma câmara de ar de bicicleta, respirar fundo o ar despoluído de fumadores, do meu quintal, e por-me a fazer pontaria a uns pratos velhos há muito pendurados dum pinheiro ainda mais velho que eu…

Regresso à terra, ao real, mas sinto-me cansado.

Hoje já não tenho paciência para mais.

Ao diabo a Ota, Alcochete, os partidos, a imprensa e os patos…

Vou dormir.

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