domingo, 13 de janeiro de 2008

CRÓNICA DE UM DIA DE CHUVA

Os magistrados e o futebol

O escândalo do Apito Dourado, com escutas ou sem elas, e outros escândalos mais nas áreas do desporto, com o futebol à cabeça, vieram destapar aquilo de que toda a gente falava, mas muitos não queriam ver exposto ao sol: a cumplicidade bizarra entre alguns magistrados e certos órgãos estatutários das agremiações desportivas.

As situações foram vindo a lume, o incómodo da classe tornou-se evidente, e o Conselho Superior de Magistratura, como guardião da ética corporativa, fez uma petição ao Governo para que estudasse e pusesse em prática uma lei, proibindo os juízes de exercer cargos nos órgãos estatutários das entidades envolvidas em competições desportivas profissionais, o que ainda não foi deferido, para sua grande mágoa, um ano depois de feito. Disso se queixa, neste momento.

É interessante, no entanto, apreciar a situação e o pedido do CSM. Se, por um lado, os juízes se reclamam sempre, e muito bem, de todos os direitos de soberania que lhe cabem, e defendem, com todo o direito também, as suas liberdades de cidadãos a tempo inteiro, por outro pretendem abdicar desse direito neste caso particular…porque temem não poder conseguir cumprir os deveres que a ética exige minimamente a qualquer cidadão que se preze e por aí, deitar abaixo o bom nome que a classe deve preservar a todo o custo.

É como agarrar o touro pela cauda.

Os juízes fazem parte, e ninguém se insurge contra isso, de numerosos Conselhos de Administração e de Justiça de empresas, mas disso não pretendem abdicar, provavelmente porque os erros por vezes ali cometidos, como acontece a qualquer ser humano, aliás, não têm a visibilidade que adquirem no futebol.

É natural também que a presença dos magistrados, com a sua cultura superior e a sua especialização profissional na aplicação da Justiça, seja sempre bem vinda no mundo do desporto, como no das empresas, públicas ou privadas, apesar de alguns maus exemplos que se têm verificado. Uma árvore nunca fez a floresta e a nossa Justiça tem dado, paralelamente, muitos e bons exemplos de dedicação e cumprimento do dever, aos cidadãos.

Não faço ideia do que o Governo, irá fazer a respeito deste assunto, nem me interessa. Sei apenas que, curiosamente, numa anterior proposta governamental para restringir a presença de magistrados nas entidades desportivas profissionais, já em 1993, o Tribunal Constitucional votou contra!

Mas isso pouco importa. O que me preocupa é que uma classe que até gosta de lembrar aos cidadãos que é parte de um órgão de soberania da Nação e tem o dever de zelar pelos bons costumes, aplicar a lei e defender a cidadania nacionais, não seja capaz de fazê-lo ela própria sozinha, de consciência tranquila, acima de todo e qualquer ruído de fundo, e necessite de pedir ajuda ao Governo para solucionar as suas próprias questões de ética!

Algo vai mal na Nossa República.

Estou muito triste.

Chove lá fora.

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