terça-feira, 8 de janeiro de 2008

COINCIDÊNCIAS DO DIABO


O polvo…

Não sei por quê, ao acordar, lembrei-me, por uma daquelas razões que não têm razão de ser, daquela série bem conhecida -O POLVO -que passou semanalmente na TV e que relatava, ou melhor, retratava os episódios da caça aos patrões da Mafia italiana…

Seria o subconsciente a pregar-me alguma partida?

Vesti-me de pressa, que já era tarde, e a minha mulher aguardava-me impaciente, com a TV ligada num noticiário qualquer, para sairmos.

-Que vamos comer hoje? E se fossemos ao arroz de polvo, para desenjoar?

O Natal e o Ano Novo ainda não vão longe e já quase não me lembro das ementas preparadas nas comemorações familiares tradicionais. A minha mulher fez o favor de me lembrar o bacalhau, o peru, as filhoses, as rabanadas, o bolo-rei e por aí fora, e deslocou-se ao espelho, enquanto dava um jeito ao cabelo…

-Olha lá! Que tal achaste os meus preparados deste ano? Ainda não tiveste uma palavrinha de encómio para o meu trabalho! Do que gostas é de meter as pernas debaixo da mesa, quando tudo está pronto e o resto que apareça não interessa como…

-Não é bem assim! Eu fui às compras, preparei as bebidas, ajudei a por a mesa…

-Grande coisa! Eu é que me encarreguei de quase tudo e tu só preparaste a garganta!

-És pobre e mal agradecida! Então quem abriu as garrafas de champanhe? E ainda por cima tive que gramar o doce, eu que aprecio mais o seco…

- Pormenores sem importância. Mas toda a gente me agradeceu e elogiou o meu trabalho e o requinte da mesa, menos tu!

-Mas fui eu que tirei as fotografias! A propósito, não queres ver as fotos que já meti ontem no computador? Vens?

Enfiei uma camisola, liguei o aparelho e, após breves momentos, lá estávamos os dois sentados em frente do portátil, apreciando as minhas obras-primas, por sinal muito fraquinhas, desta vez.

-Que tal? Não dizes nada?

-Para quê? Quase não me apanhaste?

-Essa agora! E a mim, quem me apanhou?

-Ora, infelizmente, eu!

-Lá estás tu com as palermices do costume. Se não fosse eu, não havia fotos, desta vez. Todos gostam de ver, todos têm máquinas excelentes, mas ninguém se atreve…E ainda me culpas, e de quê?

-Estou sempre de costas, a cozinhar, a servir a família, todos muito alegres, todos muito conversadores, todos muito bebidos já para o fim…

-Então quem é esta beleza que está aqui ao meu lado?

-Olha lá, que te cai um dente!

-Foi o Miguel que tirou. E mais esta, e esta aqui, e mais estas todas a seguir, pois eu pedi-lhe, se não ficava em branco, que a mim não és tu capaz de tirar fotografias. Nem te lembras! Mas agora, espera só um bocadinho, que está a dar uma notícia esquisita na TV.

-Que é que te interessa tanto assim?

-Não sei, parece-me que ouvi qualquer coisa como apreensão de polvo…

-Mas nós este ano não comemos polvo…

-Está bem, olha, o polvo é outro…parece que é cocaína misturada com polvo congelado, num grande contentor na doca de Lisboa.

-O quê? Deixa ver…com a conversa já tinha esquecido o noticiário… não sei quantas toneladas…

E lá ficámos durante uns minutos apreciando os cenários do noticiário da TV e os comentários respectivos, findos os quais nos viramos um para o outro e dissemos quase a uma só voz:

-Como é possível!

Ficamos ali postados, olhando-nos mutuamente, atónitos, até que a minha mulher avançou:

-Polvo, nunca mais!

-E fora de casa, muito menos!

Como disse, tínhamos pensado, há minutos, para descansar das tarefas e comezainas da semana, ir almoçar um arrozinho de polvo a um certo restaurante especializado neste acepipe, mas o apetite fora-se.

-Tenho ali uns pastéis de bacalhau, daqueles que tu gostas e que a Maria preparou ontem…Que achas?

-Maravilha!

Fui abrir uma garrafinha de tintol de Borba, sentamo-nos descansadinhos à mesa e desfrutamos calmamente do petisco.

Felizmente a cocaína ainda não chegou ao bacalhau!

Voltei a questionar-me porque é que tinha acordado com a lembrança da série O POLVO, passada na TV. Há coincidências do diabo!

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