domingo, 27 de janeiro de 2008

O DIREITO DEMOCRÁTICO À INDIGNAÇÃO

Pequena revista de imprensa

Estava o País muito sossegado, gozando os restos do sol do Outono e o rescaldo das reuniões cimeiras da CE, quando as primeiras chuvas começaram a cair, manchando a publicidade empresarial ou politiqueira exposta nos cartazes afixados nos postes espalhados por aí, estrategicamente.

Quase pela mesma altura, começou a chegar ao fim a novela do novo aeroporto que mantinha o pensamento dos opinadores de serviço tremendamente ocupado e o folhetim do desaparecimento da pequena Maddie já tinha perdido muito do seu interesse inicial.

Urgia decobrir um novo e sensacional motivo de entretenimento e, caída do Céu, apareceu a novela do BCP, com o seu quê de politiqice barata à mistura com assuntos sérios.

Perguntei-me então, que mais poderia ser inventado agora, para estimular os tranquilos portugueses e obrigá-los a sair da sua prolongada modorra?

E, de repente, como por encanto, vieram a lume os postes de alta tensão junto às casas, as antenas dos telemóveis em cima dos telhados, as fugas de gás quase diárias…

Parece que, de um momento para o outro, desabou sobre este pobre país uma catadupa de males, desastres e recriminações nunca vista, com a contestação aos radares, à lei anti tabaco, à ASAE, à co-incineração, a tudo o que mexe…

De repente, começaram a emergir notícias de nascimentos de bebés nas ambulâncias, da morte de idosos nas urgências dos hospitais, da permanência de doentes em horas à espera de transporte para um hospital, à descoberta da falta de meios e de formação dos agentes de intervenção imediata, etc…

O próprio bastonário da Ordem dos Advogados, recentemente eleito, resolveu inaugurar o seu mandato com um ataque feroz aos políticos, às leis e ao Magistério Público, culpados todos pela corrupção geral e, em especial, da grande corrupção que todo o mundo conhece e ninguém tem a coragem de denunciar e extirpar…

A verdade é que toda a gente começa a sentir-se vítima de qualquer ocorrência, a acusar alguém do sucedido, a saber tudo de tudo, a desresponsabilizar-se, simultaneamente das coisas mais comezinhas que lhe dizem respeito…

O que origina esta onda de indignação são factos reais, mas tantas vezes distorcidos pela partidarite aguda que cega as pessoas generosas e sofredoras deste País de tantos problemas e tão pouca riqueza para resolvê-los. Por isso se exige tanto sacrifício e esforço, para obter tão pouco. Por isso também o Povo deve exigir aos políticos mais clarividência, mais produtividade e menos fofoca, e uma honestidade blindada.

Serão justas ou desajustadas as reclamações dos que sofrem?

Terão sido exageradas ou não as palavras do Bastonário da Ordem dos Advogados?

A democracia permite estas afirmações e outras tantas dúvidas.. Cada um é responsável e será responsabilizado por aquilo que fizer ou disser. Na certeza, porém, de que ninguém por isso, será queimado vivo na fogueira pública, ou ir parar ao presídio do Tarrafal…

E quem é que não tem direito à indignação, num país democrático?

Há dois ou três meses, alguns «democratas» decidiram impedir a Câmara de Santa Comba Dão de abrir um museu com o nome do maior filho da Terra.

E, há dias, também outros «democratas», ou os mesmos, se sentiram indignados com a sepultura de Salazar no Cemitério do Vimieiro, em Santa Comba Dão, resolvendo manifestá-lo de maneira rápida, barata, eficiente e visível, por meio de eventual apedrejamento. A figura do estadista ficou quase irreconhecível, mas na lápide pode ler-se perfeitamente, conforme fotografia do DN, o seguinte epitáfio, colocado por debaixo:

O homem mais poderoso de Portugal

do século XX, e modesto sem igual

nasceu humilde e humilde cresceu

viveu humilde e humilde morreu

medíocre é o povo que com ele nada aprendeu…

Mesmo não gostando do estilo ditatorial, não pudemos deixar de pensar nestas linhas singelas que pouca gente conhece e vieram publicadas numa página interior do jornal diário. Com qualidades e defeitos que a História se encarregará de julgar, Salazar deixa aqui, em campa rasa, um exemplo de humildade a todos os portugueses e uma norma de trabalho e honestidade pessoal a todos os políticos da nossa democracia. Apesar dele não permitir a indignação pública que tanto prezamos…

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