Mas os partidos, que também vêm descritos na constituição dos sábios e portanto devem ser considerados como coisas sérias, nem sempre são assim tão sérios, nem devem ser tomados tanto a sério! Os «gurus» portugueses, ao contrário dos indianos que são infalíveis nos seus ditames, como homens, também se enganam e muito.
Em resultado das ideias liberalistas do século XIX, e pondo de lado, por agora, a célebre Magna Carta Inglesa, as constituições foram forjadas no pressuposto de que o Povo era soberano, isto é, era o soberano, o sábio, o sereno, o virtuoso…o decisor supremo em todas as decisões que ultrapassassem o âmbito dos Parlamentos governados pelos partidos políticos. A máquina da democracia foi sendo modificada e oleada ao longo destes duzentos e tal anos após a célebre Revolução Francesa, passando por muitas outras revoluções, francesas e de quase todos os países, até ganhar uma certa estabilização, o que não impediu que, de vez em quando, acontecessem na própria Europa, sobressaltos graves e…milhões de vítimas, muitas mais que as do histórico Terror revolucionário e guilhotinesco de Robespierre e seus acólitos idealistas, incorruptíveis…
Por que será que a grande maioria destes idealistas, entre aspas, se tornam oportunistas sanguinários? Provavelmente pela mesma razão pela qual os idealistas pacifistas acabam quase sempre às mãos dos sanguinários de serviço. E todos têm, como pano de fundo, a sua democracia, a sua constituição, o seu próprio radicalismo, à falta do elementar bom senso! …
Por essas e por outras, as constituições são muitas vezes para estes idealistas, tanto para uns como para outros, letra morta!
Mas para muitos oportunistas não radicais que dela se aproveitam, a constituição é também letra morta, à sua maneira, isto é, fazem dela a interpretação mais conveniente, quando dela lançam mão, já que muitas vezes não lançam mão dela para nada. Poderá parecer esta minha afirmação exagerada, mas talvez não tanto. Se tomarmos como referência os famigerados referendos que tanta discussão têm tido e que os partidos tanto apregoam e defendem, como proscrevem, conforme as circunstâncias e conveniências, chegamos à conclusão de que os partidos, como os homens que os dirigem e deles se servem, são os garantes da sua democracia própria, em vez da democracia geral do bem comum, em nome da qual dizem actuar.
A nossa constituição, como todas as leis e sendo a mãe delas, no Portugal em que toda a gente sabe de tudo e de tudo desconfia ou diz pestes, deveria, por isso e como salvaguarda, ter como apêndice um regulamento próprio, com muitos parágrafos e muitas vírgulas que não necessitasse sequer de um Tribunal Superior supra-partidário, quanto mais de um bizarro Tribunal Constitucional semi-partidário, nem pudesse ser posta em dúvida por ninguém. Talvez seja um exagero.
Mesmo assim, não sei se conseguiria a unanimidade de apreciação da maioria dos portugueses. E por quê? Porque a grande maioria dos portugueses não conhece a constituição, nem quer saber da constituição para nada, afinal como, por outras razões, os próprios partidos políticos que tanto falam dela! Vai longe o tempo em que um regime ditatorial obrigou ao estudo da constituição da Nação nos liceus. Na nossa badalada democracia, os políticos acharam que não era necessário entrar muito por esse caminho…
Assim, o Zé Povo, sábio, sereno, virtuoso na altura das eleições, mas iletrado, inculto e incivilizado nas outras, está-se borrifando para a constituição que os políticos invocam constantemente. A constituição que ele conhece e quer ver aplicada é o direito a ter saúde, casa e alimentação garantidas! E quanto ao referendo, nem vale a pena falar! O que ele sabe, de certeza, é que, quando se faz um referendo, se gastam milhões de euros…para nada! Os políticos, se sabem, afirmam eles, governar o País de cegos, como não dizem, mas pensam, bem podem resolver as questões a referendar, sem necessidade de lhe entrarem no bolso…
E o que é isso, afinal, do referendo? Não deve ser nada de importância capital, porque, nos três referendos efectuados há pouco tempo, com gastos astronómicos, quase metade dos Zés ficou em casa a ver, na televisão, o desafio da sua equipa favorita e alguns se encaminharam até para a sopa dos pobres!
As guerras de alecrim e manjerona dos partidos políticos têm, vistas de fora deste prato forte que a comunicação social nos serve todos os dias, com todas as suas forças e os seus interesses encobertos também, o seu quê de caricato!
Um belo exemplo, entre milhares:
O partido do governo utilizou como uma das armas pretensamente úteis para ganhar as eleições, o referendo ao tratado constitucional europeu. O maior partido da oposição propôs e apoiou a votação parlamentar do mesmo.
Agora, redigido o tratado, o partido do governo, resolveu mudar de opinião, alinhar na votação parlamentar. Logo o maior partido da oposição reclamou a originalidade da decisão que o governo se atrevera a copiar, culpando-o de deixar de lado as promessas eleitorais que deveria cumprir... Os restantes partidos entretém-se com posições de conveniência diversa, também nem sempre lineares.
Ora toda essa baralhada referendária, esta discussão acalorada e parva usada para tapar os olhos ao eleitor, a quem interessa? Apenas aos que a promovem ou dela se alimentam.
E ao cidadão comum ocorre apenas perguntar simplesmente e sem sofismas:
-Que interessa afinal, verdadeiramente, honestamente, à Nação?
Ele mesmo dará a resposta:
-Apenas interessa a discussão, nos partidos, nos órgãos administrativos, nas autarquias, nos órgãos de comunicação social, nas academias até, do próprio tratado, dos problemas que dele resultarão, dos benefícios ou prejuízos, etc. etc. E uma decisão séria, honesta, consciente, deve ser tomada no final, qualquer que seja o partido do governo ou os partidos da oposição.
Já é tarde!
O que se tem verificado no caso do referendo, como aliás na generalidade dos temas sujeitos à politiquice corriqueira que nos inunda, nem sequer é simples, pura conversa, mas fofoca pura e simples, novela de literatura de cordel! Ainda que os «clarividentes» comentaristas de serviço se esforcem por dizer o contrário…
Infeliz povo que tem que gramar tais políticos e tal comunicação social, ainda que em nome da democracia! A deles, claro.
Mas será isto Verdadeira Democracia?
A gente que sabe há muito está de pantufas, ao quentinho, caladinha, a ver…
Sem comentários:
Enviar um comentário