quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

PALAVRAS DE OCASIÃO

O discurso do Presidente

Já hoje é o dia 3 de Janeiro e ainda não se calaram os ecos, como qualquer cronista diria, com muito mais propriedade que eu, do discurso do Presidente de Todos os Portugueses. O eco é um fenómeno de reflexão do som que vem chegando até nós, cada vez mais brando quanto maior é a distância do reflector. Também o eco se vai tornando cada vez menos audível, isto é, perde força, à força de ser repetido…até ficar completamente apagado, mesmo que os penedos que reflectem o som continuem no seu lugar e mantenham a sua dureza.

Cada penedo das nossas serranias, à distância exigida, produz o seu próprio eco! No meio de uma penedia, tem a sua graça dar um berro e ficar a ouvir o eco repetido, uma e outra vez, cada vez mais enfraquecido, mais baixinho até ao silêncio final. Se nos virarmos para outro lado, apreciaremos a repetição do fenómeno, com tons ligeiramente diferentes, ou até muito diferentes…dependendo da força da emissão de voz, da colocação dos penedos e da sua distância, da acuidade do nosso ouvido, etc.

Estou aqui a escrever tolices, certamente, já que não sou físico encartado e me regulo apenas pelos meus conhecimentos rudimentares nesta matéria e alguma presunção à mistura. Mas sou um presumido de baixa estatura! Os ecos emanados das minhas penedias não fazem mal a ninguém, e até dão certo gozo, quando vamos passear à serra.

Já os ecos do discurso do Presidente são outra música.

Soam com diferentes tons e intensidades, conforme o rochedo que os reflecte, isto é, o partido ou a corporação que os devolve aos ouvintes. Voltando-nos para a esquerda, ouvimos o som agudo que fractura os ouvidos desprotegidos. À medida que nos voltamos para a direita, o som vai ficando mais cavo… mais confuso, como que meio enredado nas copas das árvores circundantes, como deputados ambiciosos de poder!

Numa coisa, porém, todos os partidos coincidem: o Senhor Presidente foi certeiro nos seus comentários de fim de ano! Todos se reclamam a favor das críticas feitas aos adversários políticos. Todos recusam enfiar a carapuça das censuras que lhes tocam!

Parecem-se com os adeptos ferrenhos de futebol em que o seu clube nunca perde. Ou ganha pelos golos que marca, mais que o adversário, ou ganha pela postura moral, durante o desafio, ou ainda porque o árbitro desculpou um penalty que deveria ser marcado contra a equipa oficialmente ganhadora ou expulsou um jogador da cor…

As crianças da quarta classe da Escola Primária interpretariam melhor o discurso do Presidente que muitos políticos encartados. Seriam mais ignorantes, certamente, mas muito mais honestas…se quiserem, mais inocentes!

Convenhamos que, do meu ponto de vista, o Presidente foi um artista emérito no seu discurso…ou quem lho fez. Meteu nele todos os pontos principais, aliás já corriqueiros, de convergência ou de divergência dos partidos, de que se lembrou, certo de que o Zé-povinho iletrado mas sábio, faria o seu juízo correcto, para além dos ecos partidários do costume, muito antecipadamente previstos e bem catalogados por todos os que ainda se interessam por estas coisas e que são cada vez em menor número, como demonstram as abstenções eleitorais.

As análises correctas e isentas são cada vez mais reduzidas em número, contando-se pelos dedos de uma mão aquelas que ecoam na Comunicação Social de uma forma serena e límpida, sem voz esganiçada de corsa mal ferida ou ronco baixo de fera ameaçadora, sem a cornucópia tentadora à vista…

Mas tudo isto já pouco interessa. O Presidente cumpriu a sua obrigação para com todos os portugueses, com palavras de ocasião na data prevista e não há motivo para despedi-lo do seu emprego. Os Governantes tentaram passar a mensagem dentro do melhor papel de embrulho e ficaram igualmente de emprego garantido. Os dirigentes partidários e seus apaniguados cumpriram também o sagrado dever de tentar abater os adversários, consignado na constituição (ou subentendido!) e não podem ser postos na prateleira. A Justiça, também ela inamovível, fechou as portas por mais uns dias festivaleiros, para poder aumentar o número de processos pendentes de arquivo. Até as intocáveis autarquias fecharam para férias, à míngua de inaugurações oportunas. O Zé-povinho bebeu uns copos na passagem de ano, atropelou mais uns quantos amigos de festa na autro-estrada, mas não há-de ser nada!...

Quem se lembra hoje, passados três dias, do discurso, das recomendações, das previsões do Presidente, apesar dos ecos, tão badalados quanto inócuos, dos partidos políticos?

Ninguém, excepto os oportunistas do costume!

Mais recordados ficarão, de certeza, os oráculos da cigana do bairro ou da cartomante de serviço na TV. E custam muito menos ao Erário Público.

Lembrar-nos–íamos todos, sem excepção, se ele tivesse pedido trabalho a todos os portugueses, como remédio eficaz, indiscutível e certeiro para os eternos males do País. Mas não teve coragem para isso. Seria abençoado por todos os partidos (que também não se atrevem a fazê-lo!), mas perderia muitos votos, de certeza absoluta!

E, pensando bem, para quê? A nós, chega-nos bem o que temos.

Contentamo-nos com pouco.

Eu também, claro, que já estou velho para folias.

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