terça-feira, 2 de setembro de 2008

ROUBO ARTÍSTICO

As coisas que já acontecem por aí...

Não nos apercebemos disso, no nosso dia-a-dia, mas o certo é que o roubo é praticado, desde os primórdios da Humanidade, com uma frequência assustadora.

Quando só existiam dois seres na Terra, Eva tirou a maçã da árvore, à socapa de Deus Criador e dono do Paraíso. Que outra coisa fez senão um roubo?

Quando só eram quatro, Caim tirou a vida a Abel. Que outra coisa fez, senão um roubo?

Quando, na era dos biliões de seres humanos, o «gang» do Multibanco arrancou o pesado aparelho da parede e fugiu com ele para parte incerta, que outra coisa fez, senão um roubo?

Eva roubou a maçã, Caim roubou a vida do irmão, o «gang» roubou a caixa Multibanco...todos eles apropriando-se do que não lhes pertencia, agindo com mais ou menos rapidez, mais ou menos premeditação, mais ou menos técnica, mais ou menos sofisticação, como agora se diz!

Qual é a diferença entre eles?

Dantes, o roubo era considerado exclusivamente um pecado. Agora, parece que o roubo é apenas uma arte! No mínimo, para os moralistas, um crime artístico!

Os ladrões são uns verdadeiros artistas! Dificilmente são apanhados e depois enfeitam-nos com pulseiras electrónicas...

Um verdadeiro artista foi o Bom Ladrão da Bíblia que conseguiu dar a volta o texto e ser perdoado in extremis, não deixando, contudo, de ser pregado na cruz. Outro bom ladrão foi o Robim dos Bosques que repartia com os pobres o que roubava artisticamente aos ricos, e que em Portugal teve um émulo menos publicitado, no Zé do Telhado, um artista mais boçal, mais bruto e intuitivo... utilizando faca e pistola, em vez de arco e flecha. Aquele, apesar da lenda, parece que acabou justiçado. Este não se arrependeu, mas terminou na forca.

Com todos estes exemplos, ou apesar deles, em Portugal a arte de roubar também se foi aperfeiçoando e vulgarizando, de modo que, em sociedade, é difícil passar-se uma hora que seja, sem escutar a palavra roubo! Toda a gente foi roubada nas lojas, nos transportes, nos impostos que paga ao fisco, nas leis que é obrigado a cumprir, no ordenado curto que o patrão paga, no jornal que compra, no tempo que falta para cumprir uma tarefa... Haverá, neste momento, em Portugal, palavra com maior utilização que roubo?

Há dias fui ao Intermarché, logo de manhã, como de costume, comprar um «cacete» francês, quentinho, acabado de sair do forno, para o pequeno-almoço. É um ínfimo prazer, entre outros, que me proporciona a passagem de uns dias tranquilos numa pequena cidade de província, onde ninguém ainda se preocupa demasiado em colocar alarmes ou trancas nas viaturas ou nas residências próprias. Eu próprio já fui três ou quatro vezes à praia, deixando janelas do carro e da casa abertas e praticando, descuidadamente, outros esquecimentos que em Lisboa, por exemplo, seriam fatais.

E, no entanto, como dizia, naquele dia ao chegar ao supermercado, verifiquei que algo de anormal se havia passado, porque não podia pagar na Caixa, com o cartão.

-Porquê? -perguntei à funcionária que me atendia.

-Houve alguma avaria? Eu até necessitava de levantar dinheiro...

-Não pode, os bandidos levaram a caixa Multibanco, esta madrugada!

Fiquei embasbacado e fui ver o rescaldo da operação artística que ocorrera. Os ladrões haviam encostado uma carrinha ou camioneta a uma das portas, arrombado facilmente o gradeamento, partido as persianas e os vidros e carregado a pesada caixa Multibanco que toda a gente supunha cravada ao chão para a eternidade, talvez com um empilhador, desaparecendo com a rapidez e a perícia com que tinham aparecido!

Arte do diabo!

Lá estava a carrinha da GNR a guardar a entrada franqueada, pois agora, «depois de casa roubada, trancas à porta»...

Foi como se me tivessem dado um murro...e não era nada directamente comigo! Há cinco anos, no Centro de Florença, com arte por todos os lados, fora eu próprio artisticamente aliviado de dinheiro e documentos. Ali aprendi em carne viva, como tantos outros turistas inocentes, que arte com arte se paga...

Agora, numa pacata e pequena cidade de Província, em Portugal, numa zona rural, como pode uma caixa multibanco ser confundida e roubada como uma peça de arte florentina? Como poderia suspeitar da existência de artistas deste calibre?

Que tal progresso!

Roubar a maçã, da árvore do Paraíso, mesmo nas barbas de Deus, deveria ter sido bem mais fácil...sem necessidade de carrinha, nem empilhador, e sem a GNR à espreita.

O mal foi esse!

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