quinta-feira, 25 de setembro de 2008

GRANDES NOTÍCIAS


Pequenos factos

Há dias, um periódico noticiava, num oitavo de página, com letra gorda de tamanho médio, no título, um facto bem singular.

Um passageiro da TAP tinha sido apanhado a fumar, na casa de banho do avião.

Seguia-se a descrição completa, cheia de pormenores, desde a desconfiança da hospedeira de bordo, à pesquisa, à descoberta, à surpresa de um passageiro vizinho do criminoso e à recriminação deste, à denúncia e acusação ao comandante, etc.

Dava-se, no final, grande ênfase ao profissionalismo da hospedeira, na fiscalização da observância do rigoroso e louvável cumprimento da lei do tabaco que proíbe o fumo em recintos fechados, ao procedimento laxista do capitão que, ocupado ou atrapalhado com a navegação da aeronave, se limitou a encolher os ombros, como quem diz: não me chateies, tenho mais que fazer!

Mas cumpra-se a lei.

Seguiam-se algumas outras considerações sobre o grandioso evento a que não faltava, a completar a notícia, um comentário sobre a possível perigosidade, para o avião e os passageiros, do fumo no WC do avião. Não se explicava por quê. Outras operações, naquele lugar, fazem mais fumo e nem por isso são consideradas perigosas... Mas posso estar enganado.

Enfim, caricaturas!

Não sei, efectivamente, se o perigo existe ou não, se o capitão temia entrar nalgum poço de ar, naquele momento, se algum passageiro aflito se queixara amargamente dos restos de fumo que eventualmente encontrara no W.C., sem dar tempo a que o exaustor pudesse realizar completamente a sua tarefa, se o criminoso não lavou a boca e as mãos, antes de sair e ir sentar-se na sua cadeira, ou se a hospedeira achou que ele era feio demais para o seu gosto. A verdade é que poderia estar aqui até amanhã a escrever linhas e linhas de interrogações, motivos e respostas a esta e outras questões parecidas, de forma a fazer um texto de várias páginas, seguindo a lógica do jornalista cusco autor da notícia bombástica. Só faltou uma particularidade, à redacção da notícia, que fica no ar, para os leitores descobrirem, nas horas vagas: indicar como é que ele soube do caso. Mas era pedir demais.

Todos sabemos que o segredo das fontes é sagrado, tanto nas grandes como nas pequenas notícias. E nos aviões da TAP creio que ainda não está autorizado o uso dos telemóveis, muito menos, portanto, poderá haver escutas telefónicas. A única excepção são as comunicações do comandante às torres de comando dos aeroportos que ficam registadas também nas caixas negras...Assim, só quando o avião cair, um dia (o diabo seja surdo e mudo!) ou for levado para a sucata, é que ficará a conhecer-se a verdadeira resposta do capitão à zelosa hospedeira de bordo.

O que nos leva a concluir que o país está todo minado de informadores que passam os segredos ao periódico que melhor paga. Provavelmente, como acontecia com os informadores da PIDE-DGS, em que cada agente possuía a sua carteira de servos, os jornalistas devem ter, cada um, a sua agenda cheia de cifras das fontes seguras. A verdade é que, deste modo, nenhum cidadão já está seguro, neste país, desde as mais altas esferas do poder, aos tribunais, às repartições públicas, às escolas, aos restaurantes, aos aviões e às casas de banho! Tudo é vasculhado, a seu tempo! E publicado!

E anda tanta gente preocupada com a defesa dos direitos dos cidadãos que não se apercebe desta intromissão abusiva da imprensa na sua vida particular! Bastavam os tablóides, mas agora também os outros jornais lhe apanharam o jeito. Já um simples peão não pode enviar um fax, tranquilamente, de uma casa de banho se, inadvertida e simultaneamente, se lembrar de dar uma passinha...

Por isso, alguém já disse que, quanto maior é o alarido, menos vale a notícia. É como uma grande parangona publicitária...ou a conhecida publicidade enganosa que só agora, por milagre, foi descoberta. Mas as coisas boas que conhecemos dispensam a publicidade da imprensa.

Tudo evolui, hoje, a uma velocidade espantosa. Os microfones ocultos nos ramos de flores das embaixadas, ou os fios telefónicos encobertos no soalho do gabinete do procurador Cunha Rodrigues há muito passaram à história. E parece que foi ontem.

As histórias agora são outras, mais pequenas, mais mexerucas, mas igualmente de grande publicidade, cada vez de maior publicidade! E ainda há aparelhos de vídeo e sensores por toda a parte, a complementar a tal carteira das fontes...

Mas, se não fosse assim, enchendo os jornais com as coisas menos relevantes, as fofocas, as entrevistas mais ridículas e inúteis, a publicidade erótica e tantas outras aberrações, como arranjariam emprego os novos jornalistas que saem às carradas das nossas universidades, poços insondáveis de cultura e ciência onde a Matemática, a Física, a Química, a Biologia, a Medicina são parentes pobres?

Cumpra-se a lei, às segundas quartas e sextas. Os outros dias são férias.

Força, diários deste país!

Avante, TAP!

Avante, Portugal!

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