Há dias, um periódico noticiava, num oitavo de página, com letra gorda de tamanho médio, no título, um facto bem singular.
Um passageiro da TAP tinha sido apanhado a fumar, na casa de banho do avião.
Seguia-se a descrição completa, cheia de pormenores, desde a desconfiança da hospedeira de bordo, à pesquisa, à descoberta, à surpresa de um passageiro vizinho do criminoso e à recriminação deste, à denúncia e acusação ao comandante, etc.
Dava-se, no final, grande ênfase ao profissionalismo da hospedeira, na fiscalização da observância do rigoroso e louvável cumprimento da lei do tabaco que proíbe o fumo em recintos fechados, ao procedimento laxista do capitão que, ocupado ou atrapalhado com a navegação da aeronave, se limitou a encolher os ombros, como quem diz: não me chateies, tenho mais que fazer!
Mas cumpra-se a lei.
Seguiam-se algumas outras considerações sobre o grandioso evento a que não faltava, a completar a notícia, um comentário sobre a possível perigosidade, para o avião e os passageiros, do fumo no WC do avião. Não se explicava por quê. Outras operações, naquele lugar, fazem mais fumo e nem por isso são consideradas perigosas... Mas posso estar enganado.
Enfim, caricaturas!
Não sei, efectivamente, se o perigo existe ou não, se o capitão temia entrar nalgum poço de ar, naquele momento, se algum passageiro aflito se queixara amargamente dos restos de fumo que eventualmente encontrara no W.C., sem dar tempo a que o exaustor pudesse realizar completamente a sua tarefa, se o criminoso não lavou a boca e as mãos, antes de sair e ir sentar-se na sua cadeira, ou se a hospedeira achou que ele era feio demais para o seu gosto. A verdade é que poderia estar aqui até amanhã a escrever linhas e linhas de interrogações, motivos e respostas a esta e outras questões parecidas, de forma a fazer um texto de várias páginas, seguindo a lógica do jornalista cusco autor da notícia bombástica. Só faltou uma particularidade, à redacção da notícia, que fica no ar, para os leitores descobrirem, nas horas vagas: indicar como é que ele soube do caso. Mas era pedir demais.
Todos sabemos que o segredo das fontes é sagrado, tanto nas grandes como nas pequenas notícias. E nos aviões da TAP creio que ainda não está autorizado o uso dos telemóveis, muito menos, portanto, poderá haver escutas telefónicas. A única excepção são as comunicações do comandante às torres de comando dos aeroportos que ficam registadas também nas caixas negras...Assim, só quando o avião cair, um dia (o diabo seja surdo e mudo!) ou for levado para a sucata, é que ficará a conhecer-se a verdadeira resposta do capitão à zelosa hospedeira de bordo.
O que nos leva a concluir que o país está todo minado de informadores que passam os segredos ao periódico que melhor paga. Provavelmente, como acontecia com os informadores da PIDE-DGS, em que cada agente possuía a sua carteira de servos, os jornalistas devem ter, cada um, a sua agenda cheia de cifras das fontes seguras. A verdade é que, deste modo, nenhum cidadão já está seguro, neste país, desde as mais altas esferas do poder, aos tribunais, às repartições públicas, às escolas, aos restaurantes, aos aviões e às casas de banho! Tudo é vasculhado, a seu tempo! E publicado!
E anda tanta gente preocupada com a defesa dos direitos dos cidadãos que não se apercebe desta intromissão abusiva da imprensa na sua vida particular! Bastavam os tablóides, mas agora também os outros jornais lhe apanharam o jeito. Já um simples peão não pode enviar um fax, tranquilamente, de uma casa de banho se, inadvertida e simultaneamente, se lembrar de dar uma passinha...
Por isso, alguém já disse que, quanto maior é o alarido, menos vale a notícia. É como uma grande parangona publicitária...ou a conhecida publicidade enganosa que só agora, por milagre, foi descoberta. Mas as coisas boas que conhecemos dispensam a publicidade da imprensa.
Tudo evolui, hoje, a uma velocidade espantosa. Os microfones ocultos nos ramos de flores das embaixadas, ou os fios telefónicos encobertos no soalho do gabinete do procurador Cunha Rodrigues há muito passaram à história. E parece que foi ontem.
As histórias agora são outras, mais pequenas, mais mexerucas, mas igualmente de grande publicidade, cada vez de maior publicidade! E ainda há aparelhos de vídeo e sensores por toda a parte, a complementar a tal carteira das fontes...
Mas, se não fosse assim, enchendo os jornais com as coisas menos relevantes, as fofocas, as entrevistas mais ridículas e inúteis, a publicidade erótica e tantas outras aberrações, como arranjariam emprego os novos jornalistas que saem às carradas das nossas universidades, poços insondáveis de cultura e ciência onde a Matemática, a Física, a Química, a Biologia, a Medicina são parentes pobres?
Cumpra-se a lei, às segundas quartas e sextas. Os outros dias são férias.
Força, diários deste país!
Avante, TAP!
Avante, Portugal!
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