sábado, 27 de setembro de 2008

MAGALHÃES NA BERLINDA

Volta ao pequeno mundo

Desde que Magalhães, o transmontano de Sabrosa que outras localidades reclamam como seu filho, deu o pontapé de saída para a viagem marítima mais célebre da História da Humanidade, nunca mais o seu nome deixou de ser nomeado, nos quatro cantos da Terra. Mas, já antes dessa viagem espectacular, Magalhães era um andarilho. Tinha viajado, e combatido entretanto, no Brasil, na Índia, em Malaca, em Marrocos...Deixara um amigo para lá de Malaca, nas Ilhas das Especiarias, e enviara-lhe uma carta, propondo-se visitá-lo, mas viajando por Ocidente, dando a volta que Colombo não conseguira!
Coisa evidente, embora de morosa e complicada realização nos dias de hoje, isso era tão difícil, como irreal, à luz dos conhecimentos da época. Mas a História já lá vai e são incontáveis os livros publicados e as referências toponímicas em honra de Magalhães, no Mundo inteiro.
O Governo decidiu baptizar com o nome de Magalhães o novo portátil a introduzir nas Escolas. E, na minha óptica, fez muito bem, muito melhor do que chamar-lhe 325 ou Mata-melgas...ou HP, ou ASUS, ou outra coisa qualquer, porque de falta de autoestima já nós temos a dose suficiente. Mas cometeu uma imprudência infantil e fatal: anunciou o projecto de lançamento como produto nacional, fabricado em Matosinhos!
Mostrou assim o seu desconhecimento completo desse princípio comezinho da maledicência que inquina rapidamente a boa sociedade lusitana, sempre à espreita de oportunidade. Desta vez as vítimas foram o Governo, a ideia, o aparelho e quem o iria fabricar.
Ainda houve alguém que quis chamar a atenção para o genial Magalhães que na sua Pátria não conseguiu mais do que um pontapé no rabo e até teve a infelicidade de vir a ser assassinado nas Filipinas, depois de provar ao mundo, de uma vez por todas, que o Mundo era redondo... e que santos da Casa não fazem milagres.
O aviso não teve sucesso.
O Magalhães foi logo, à partida, tratado como uma propaganda governamental monstruosa, uma fraude completa, sobretudo porque elaborado, ainda por cima, com peças feitas aqui e ali, numa fabriqueta que era uma autêntica chafarica de oportunistas amparados em qualquer jogada ou amizade oculta de algum político, sem nada de nacional além da embalagem, etc...Realmente, nos dias de hoje, nenhuma fábrica de computadores se entretém a fabricar artesanalmente os seus componentes. Nem de computadores, nem de automóveis, nem de máquinas fotográficas! Nem de relógios! Até os suíços, especialistas em relógios artesanais, já deixaram de se ocupar dos modelos correntes, fabricados ao preço da chuva nos quatro cantos da Terra, passando a ocupar o tempo com modelos de altíssima qualidade e inovação tecnológica.
Os computadores são, hoje, imprescindíveis para tudo e para todos.
Ora o Magalhães, utilizando peças da conceituada Intel, como tantas outras marcas, não fez mais que elas, aplicando, sim, a montagem e o softwere próprio da firma de Matosinhos, já fabricante dos computadores da marca Tsunami, provavelmente tida e adquirida por muitos como japonesa! Parabéns à fábrica que concebeu, pôs em prática sem alardes, o sistema e vendeu ao Governo e ao exterior muitos milhares de exemplares de aparelhos, dando emprego a muitos compatriotas, divisas ao País, etc., etc. Alguns dirão ainda que também o faziam, que era fácil...mas não o fizeram!
Também o Magalhães, como ideia de ensino teve os seus contratempos e as suas maledicências. Foi dito à boca cheia que era um perigo, um alto risco moral para as crianças, uma forma de distraí-las da sua aprendizagem normal, mais uma sobrecarga para os professores e até para os pais, uma perda de tempo...finalmente um convite negativo ao desenvolvimento dos hábitos de leitura, e por aí fora.
Mas o Magalhães, tal como o genial e intrépido navegador, vai permitir ligar todas as escolas, mesmo em vários continentes, usando a banda larga em vez das naus, vai ser um auxiliar poderoso e actualizado na educação e na instrução das crianças, dando-lhes acesso e familiarizando-as com as novas tecnologias e com novos conhecimentos, aquilo que os seus avós e muitos dos seus pais nunca sonharam, e tudo com a ajuda preciosa e fundamental do Estado, coisa nunca vista! Argumentar, ainda para cúmulo, que o Magalhães desvia as crianças de hábitos de leitura, nos dias de hoje, é pouco menos que ridículo!
As notícias de hoje contavam que, antes da meia noite, havia filas junto da FNAC do Centro Comercial Colombo, muito antes desta iniciar a distribuição das primeiras unidades a valores de venda promocionais. Já de manhã, outras lojas tinham iniciado também a venda com enorme procura havendo, nas filas, pais que esperavam comprar o aparelho como prenda de anos, para incentivar os filhos mais pequenos...
Logo também alguém se referiu a propaganda bem montada...e mais alguém a caça de votos...e ainda mais alguém a falta de programação eficaz do sistema de distribuição ao público e possivelmente nas escolas...e ao lucro que alguém teria...
Faltará dizer, dentro de dias ou meses, que o computador é de fraca qualidade, que não se tira proveito dele, que faltam peças, que falta rede, que falta formação aos professores...que tudo foi um gasto inútil...
Que mais virá por aí, que ainda estamos no começo da enorme Aventura, do grande Projecto de Magalhães!?
As crónicas da época de 500 bem se referiram às maledicências e aos boatos que corriam em Sevilha e arredores, durante a construção das naus, antes da sua largada e depois dela, e ainda, mesmo depois da chegada de Sebastián del Cano, tentando alguns elementos da tripulação reclamar os louros e outros deitar lama quanto baste sobre Magalhães!
E por cá ainda as coisas foram piores! Durante muitos anos, a memória da família de Magalhães foi quase proscrita, ninguém sabe por quê, imaginando-se alguma rivalidade política. Depois da grande viagem, durante alguns anos, tratou-se ainda Magalhães como traidor, chegando a ocultar-se a verdadeira origem da família.
Aqui ficam algumas das minhas impressões de viagem pelo pequeno mundo português onde Magalhães nasceu, cresceu, se fez homem, estudou e navegou, pelo qual se esforçou e combateu, não conseguindo, no entanto, apesar de todo o seu voluntarismo e coragem, aguentar as dificuldades mais mesquinhas que lhe puseram pela frente, na realização do seu grandioso projecto...
E depois de morto, como sempre acontece...

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