terça-feira, 23 de setembro de 2008

FINLÂNDIA A PRETO E BRANCO

Um atirador frio

A Finlândia é país da Educação exemplar, da Tecnologia avançada, das Finanças equilibradas, da Democracia sem falhas, do pleno Emprego e da elevada Qualidade de Vida. Está situado numa região inóspita, de florestas monótonas, lagos quase intransponíveis ou incómodos, gelos quase eternos, sol de fraca intensidade e dias opacos...
Parte do território afunila-se na direcção do Pólo Norte, só habitada ou quase, por lapões, gente tão silenciosa como as renas e a paisagem que rodeia ambos, no convívio precário apenas estimulado por uma estranha e necessária simbiose, acarinhada pelo sol da meia-noite.
Outra parte do território povoa-se de florestas e lagos, salpicado aqui e ali por raras cidades ou pequenas povoações isoladas fisicamente do resto do mundo, de comunicação difícil entre si.
A parte sul do território, que confina com o Báltico, de clima menos agreste, foi durante séculos disputada entre finlandeses, russos e suecos.
A Finlândia tornou-se independente da Suécia apenas no início do século XX, adoptando oficialmente a língua suomi (o principal dialecto do finlandês), mas mantendo a utilização do sueco como segundo idioma. Na segunda guerra mundial combateu desesperadamente, com o auxílio dos alemães, contra o Imperialismo Soviético, perdendo contudo, para este, uma importante faixa de território do litoral, e ficando sujeita a pesadíssima indemnização.
A luta deste povo de cinco milhões de habitantes contra os gigantescos vizinhos é uma epopeia difícil de igualar. Mesmo depois da guerra, poucos na Europa acreditavam já na sua sobrevivência, e na capacidade de pagamento da pesada dívida imposta. E no entanto, com uma heroicidade e um sacrifício exemplares, a Finlândia sobreviveu, educou-se, progrediu e fez-se respeitada no concerto das nações, através do conhecimento científico promovido pelas suas universidades, da arquitectura, do comércio naval, da alta tecnologia em geral e, ultimamente, da Nokia...a empresa multinacional que criou e desenvolveu de tal maneira o telemóvel de um país de pequena população que desancou a concorrência e invadiu o mundo inteiro!
Em Portugal, como noutros países, a Finlândia tornou-se o paradigma, o exemplo a seguir para a obtenção de uma elevada qualidade de vida, de um PIB elevado...Na reforma do nosso sistema de ensino também isso foi referenciado todos os dias, como o que devia ser copiado, implementado, custasse o que custasse, com o calor necessário que é sugerido pelo nosso clima e que a nossa gente às vezes põe em prática.
Mas o clima e o isolamento das populações, na Finlândia, são provavelmente algumas das razões principais do seu raciocínio, tão frio e determinado. Falta-lhes a cultura de proximidade e o calor que as tornam verdadeiramente sensíveis, eu diria mesmo, humanas, completamente.
Ocorre-me lembrar que, num animado almoço de confraternização em Jonkonping, na Suécia, um conceituado e delicadíssimo engenheiro, natural da Lapónia, quase não abriu a boca, durante mais de duas horas. E os colegas apressaram-se a explicar que lá, nesses confins da Terra, a postura normal, a vida inteira, era mesmo aquela...
Por algum motivo os Nórdicos, com excelentes níveis de vida, são das gentes que maior número de suicídios dá para as estatísticas.
Há cerca de um ano, um aluno, numa escola a cerca de quarenta quilómetros de Helsínquia, matou oito colegas e suicidou-se com uma arma de fogo, sem motivo aparente, colocando todo o país em estado de choque.
Hoje mesmo, um outro aluno, com vinte e dois anos, frequentando a escola superior de Hotelaria e Restauração de uma cidadezinha a duzentos quilómetros da capital, preparou, a frio uma cena semelhante. Fez correr no Youtube um vídeo em que exercitava a sua pontaria com uma pistola semi-automática e, num país de dois milhões de armas registadas para os cinco milhões de civilizados cidadãos, a polícia, depois de um interrogatório de exploração, não deu grande importância ao facto que achou normal. O pior veio a suceder depois.
O indivíduo, vestido de negro e armado da sua arma e vários carregadores de balas de calibre 22, executou, apontando e disparando calmamente o engenho, o assassinato de dez alunos, suicidando-se em seguida.
Qual o motivo, ninguém sabe, pois o director da escola e os colegas deram dele boas referências à polícia.
E porque se vestiu de negro, no país das neves, onde os próprios soldados combatem de fardas brancas?
Nem tudo, na natureza humana, é linear, mesmo nos países que por vezes consideramos mais avançados. É preciso, sempre, dizer em quê.

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