O Jornalista Mário Crespo escreveu, no J.N., uma crónica muito oportuna e bem feita sobre o problema, agora na berlinda, da atribuição discutível de habitações pela Câmara de Lisboa, a funcionários seus, ou outros...
Tem razão o Mário Crespo. Os buracos das leis são sempre à medida dos seus eventuais utilizadores.Outras vezes, os buracos não existem, mas os espertos arranjam alçapões por onde se escapam. Os pequeninos, que de leis nada percebem, estão sempre tramados! As cadeias estão cheias de carteiristas, enquanto nelas não há lugar para os grandes infractores, porque estes estão todos legais, ou então, se ilegais, as culpas já prescreveram!
A pergunta que se impõe é esta:
Como se deve dar a volta ao texto, em Portugal, o país da cunha e da venalidade? Provavelmente, responderão alguns, só com a guilhotina de meio mundo. Mas não seria seguro que, no rescaldo, não se voltasse ao mesmo! E era preciso estar certo de que os guilhotinadores fossem incorruptíveis...e que os deixassem levar a cabo a missão. Missão impossível!
O fenómeno da corrupção é transversal à sociedade portuguesa, tem na base o lucro fácil, o laxismo, o oportunismo, a esperteza saloia, a trafulhice, a mesquinhez, exemplos tantas vezes transmitidos, até inconscientemente, de pais a filhos, como se fossem coisas normais. Por isso, não espanta também encontrar entre os nomes de beneficiados desta distribuição, pessoas de todas as tendências políticas e das mais variadas profissões. Devem estar todas legais! De certeza!
Também a Justiça, casos semelhantes, deixa muito a desejar. Preocupa-se demasiado com a vírgula e o artigo, e deixa passar a substância da lei, ao fim de anos de ineficácia, ignorância ou inoperância na condução dos processos.
O jornalismo preocupa-se geralmente com a coscuvilhice, enche páginas de fofoca, não dá profundidade e visos de seriedade a grande parte das notícias. O verdadeiro jornalismo de investigação honesto e em profundidade, salvo raríssimas excepções, não existe. A apreciação de Mário Crespo a esse respeito, só confirma o que venho a dizer, por outras palavra, em muitos dos meus escritos. Ontem mesmo, por exemplo, fiquei a saber que um conhecido jornalista e comentarista, tido como pessoa impoluta e rigorosa nas suas apreciações, personalidade da ponta esquerda do espectro e outrora perseguido pela Pide, estava igualmente entre a rapaziada com casa atribuída.
Deve estar legal, como todos eles! E não me admiraria nada que fossem encontrados também, no mesmo saco, elementos ligados, de uma forma ou de outra, à própria Justiça...
A manjedoura é larga.
Tenho fortes dúvidas quanto ao resultado da devassa, em termos legais, de eventuais castigos ou indemnizações. Mas ficaria muito satisfeito se o António Costa, a H. Roseta e o Sá Fernandes conseguissem a aprovação de normas decentes e rigorosas para as futuras atribuições de casas da Câmara de Lisboa. Do mal, o menos.
Por último, duas perguntas:
Que se passará, neste contexto, quanto às restantes câmaras do País, embora em escala à medida das suas dimensões e importância?
Alguém se importará de averiguar, ou estarão todos à espera, como aconteceu neste caso, como acontece sempre, que se zanguem as comadres para se saberem as verdades?